Minas Gerais

ENFRENTAMENTO

Artigo | Racistas e machistas não passarão!

"Quase 100% das candidatas negras ao pleito eleitoral de 2020 sofreram mais de um tipo de violência política"

Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |
"O projeto de lei, de minha autoria, dispõe que autoridades municipais apoiarão e facilitarão divulgações, seminários e palestras nas escolas" - Foto: Comunicação Moara Saboia

Muitas pessoas devem ter visto, nos veículos de comunicação, algumas reportagens sobre os ataques verbais que sofri, simplesmente por ter expressado a minha opinião durante uma reunião plenária remota dos vereadores e vereadoras de Contagem (MG). Por meio deste episódio, é notável que vivemos numa sociedade onde o mundo não está acostumado a ver mulheres negras em espaço de poder.

Não vemos tratamentos como este acontecerem com outros parlamentares quando expressam sua visão acerca de determinado assunto.

É de suma importância que as pessoas se atentem que o espaço virtual não é um local sem lei. A violência começa de forma verbal, podendo se tornar física. A intolerância, racismo e misoginia levou até a morte da então vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, em 14 de março de 2018. Muitas parlamentares negras, como eu, somos sementes da Marielle em cada região do país e temos como direito democrático exercer nossa tarefa no espaço de poder, pois esta foi a escolha do povo que nos elegeu.

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Marielle Franco foi protagonista das lutas pelas minorias, em prol dos direitos humanos e do feminismo. Socióloga, com mestrado em Administração Pública, eleita vereadora da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, com 46.502 votos. Mulher, negra, mãe, filha, irmã, esposa, LGBT, cria da favela da Maré, teve sua vida ceifada simplesmente por levantar bandeiras e não se calar diante do sistema patriarcal e capitalista em que vivemos. No dia do seu assassinato, havia participado de um debate de mulheres negras e estava a caminho de casa.

As investigações andam a passos lentos e ainda não há identificação do mandante do crime. Até quando as mulheres serão silenciadas e terão suas vidas interrompidas de forma tão cruel?

Mulheres são 76% das vítimas em casos de ofensas que, em mais da metade desses casos, são motivadas pelo crime de racismo e misoginia

Para fortalecer ainda mais o empenho das mulheres que se esforçam a cada dia para efetivar seus direitos; para consolidar a trajetória das que tiveram suas vidas ceifadas de forma violenta e precoce; para combater a violência política; se faz necessário utilizar a data de 14 de março para celebrar o Dia Marielle Franco de Enfrentamento à Violência Política contra Mulheres.

O Projeto de Lei, de minha autoria, ainda dispõe que as autoridades municipais apoiarão e facilitarão a realização de divulgações, seminários e palestras nas escolas, centros universitários, praças, teatros e equipamentos públicos do município, sobre a temática em questão. Além disso, busca enfatizar a importância do enfrentamento à violência política contra mulheres, em especial a promoção da memória e luta de Marielle Franco, enquanto uma defensora de direitos humanos, que lutava por todas e todos.

Racismo no Brasil

Historicamente, o racismo se reflete nos índices de desigualdade social, racial e de gênero, violência armada e policial e, também, na ausência de acesso da população negra aos espaços de tomada de decisão. Desta maneira, as faces do racismo e outras formas de discriminação, que estruturam a sociedade brasileira, permeiam as instituições e promovem diversos mecanismos que se filiam à manutenção de opressões e desigualdades.

Os dados das ONGs Terra de Direitos e Justiça Global, mostram que, enquanto os homens agentes políticos estão mais expostos à violência, por meio de assassinatos e atentados, as mulheres são as maiores vítimas de ataques que buscam a intimidação, a deslegitimação dos seus corpos enquanto agentes políticos e a exposição a situações vexatórias. São elas, 76% das vítimas em casos de ofensas que, em mais da metade desses casos, são motivadas pelo crime de racismo e misoginia.

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Violência política

O problema da violência política no Brasil é histórico e tem raízes estruturais refletidas em nossa sociedade. Segundo dados da Organização dos Estados Americanos (OEA), a violência política é caracterizada como uma ação, conduta ou omissão realizada de forma direta ou por meio de terceiros e se materializa na forma de agressões físicas, psicológicas, morais, sexuais, virtuais, institucionais, raciais, de gênero, LGBTQIA+fóbicas, entre outras.

Este tipo de violência pode ser cometida contra candidatas, eleitas, nomeadas ou na atividade da função pública. É importante ressaltar que o livre exercício dos direitos políticos é fundamental, e é dever do Estado e de todos os demais atores participantes do sistema político brasileiro garanti-lo.

Reconhecer a memória de uma defensora de direitos humanos é essencial para o fortalecimento de uma agenda propositiva

A pesquisa intitulada “A Violência Política contra Mulheres Negras”, do Instituto Marielle Franco, apontou que quase 100% das candidatas ao pleito eleitoral de 2020 consultadas sofreram mais de um tipo de violência política. 60% dessas mulheres foram insultadas, ofendidas e humilhadas em decorrência da sua atividade política nestas eleições. A principal violência apontada pelas mulheres negras na pesquisa foi a virtual, representando quase 80% do total dos ataques sofridos. 

Resistir, não desistir e fortalecer a luta!

Reconhecer a memória de uma defensora de direitos humanos e sua luta contra os desafios cotidianos causados pelo fenômeno da violência política e pelo machismo, é essencial para o fortalecimento de uma agenda propositiva. Assim, é possível fortalecer as pautas em defesa dos direitos humanos de forma geral, e principalmente, o direito ao exercício político e pela liberdade para todas as mulheres!

Moara Saboia é vereadora de Contagem pelo Partido dos Trabalhadores (PT).

Edição: Elis Almeida