As manifestações de 29 de maio em todo o Brasil reacenderam chamas e debates. Sob o lema “o governo é mais perigoso que o vírus”, milhares de pessoas ocuparam as ruas para reivindicar vacinação ampla, auxílio emergencial e o impeachment de Jair Bolsonaro. Os atos foram um sucesso nas ruas e nas redes, mas o que dizem os cientistas sociais?
O Brasil de Fato MG ouviu a avaliação de três pesquisadores mineiros, das áreas de comunicação e política, que analisam os atos e trazem novos elementos.
Conjuntura e novos ares
Antes de tudo, para o professor Juarez Guimarães, do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), as manifestações de 29 de maio devem ser consideradas junto a dois elementos: o profundo desgaste do governo Bolsonaro e a anulação do processo que impedia o ex-presidente Lula de ser candidato. “Penso que essas manifestações expressam a convergência desses dois grandes fatos”, explica.
Juarez avalia que os atos dão uma nova legitimidade e força à CPI da covid, que está sendo realizada pelo Senado. Mas numa leitura mais ampla, em sua opinião, o 29 de maio pode representar um marco.
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“Um novo ciclo das lutas democráticas e populares no Brasil está ganhando corpo. Se antes a resistência era uma forma de se proteger da destruição, agora é a esperança da reconstrução e transformação do Brasil que puxam a própria resistência”, analisa Juarez.
Bloco de forças para um impeachment
Leonardo Avritzer, pós-doutor pelo Massachusetts Institute of Technology e professor titular da Departamento de Ciência Política da UFMG, também destaca a importância dos atos na formação de um novo padrão de oposição ao governo Bolsonaro. Se antes a oposição ao governo federal contava com a opinião pública e a oposição parlamentar, adiciona-se a esse bloco a oposição popular.
“Com as manifestações, passamos a ter três polos reunidos: opinião pública, oposição parlamentar e o polo da ocupação das ruas. A união desses três polos é fundamental para colocar o governo na defensiva e tentar desencadear um processo que possa botar fim a ele”, sentencia.
O número de manifestantes também seria um dado de credibilidade às manifestações, destaca Avritzer, pois reuniram muito mais pessoas do que os bolsonaristas conseguiram durante a pandemia, apesar destes terem feito diversos atos.
Mídia comercial “silenciou” protestos
Se as fotos e vídeos das ações de 29 de maio tiveram grande repercussão nas redes sociais, o mesmo não se pode dizer das capas de jornais e noticiários de TV. A avaliação é de Eliara Santana, jornalista, doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e podcaster do Boletim do JN.
“O evento foi absolutamente silenciado pela imprensa em todo o Brasil”, avalia. “Os veículos não podiam simplesmente deixar de noticiar, pois era um evento muito significativo, mas fizeram de uma forma protocolar. Para tirar a dimensão expressiva que as manifestações de 29 de maio tiveram”.
A pesquisadora é enfática ao classificar a cobertura como um “silenciamento intencional”, uma vez que seria simples verificar que o evento é noticiável. “Num cenário gravíssimo de pandemia as pessoas saíram às ruas, eu estava lá, o ato foi bonito, expressivo, todos de máscara, muitos jovens, muitas famílias. Isso não é notícia?”, questiona.
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A capa do jornal O Globo deve ficar para a história, sob a manchete “PIB reaquece, e empresas desengavetam R$ 164 bilhões em projetos”, qualificada por Eliara de uma “manchete ilusória”. Já o Jornal Nacional soltou uma reportagem “burocrática, sem repórteres com a população, sem dimensionar as manifestações”, relata Eliara.
Os maiores jornais comerciais mineiros seguiram a mesma tendência, segundo a pesquisadora. “O jornal Estado de Minas trouxe uma manchete sobre igrejas mineiras, uma pauta atemporal, que podia ter sido publicada em qualquer momento. O jornal O Tempo foi na mesma linha e deu destaque ainda a uma ação do Ministério da Saúde”, apontou.
“É absurdo que a mídia corporativa brasileira ignore os protestos e que as capas de jornais e a TV simulem um país fictício, como se tudo estivesse normal. Um país sob um governo genocida e que foi eleito graças ao apoio e à ação dessa mesma mídia”, finaliza Eliara Santana.
Edição: Elis Almeida