O governo de Minas Gerais espera garantir a aprovação de propostas do seu interesse na Assembleia Legislativa (ALMG) nos próximos meses. Entre elas o Projeto de Lei (PL) 2.508/21, que autoriza a utilização de recursos do acordo com a Vale para reparação de danos causados pelo rompimento da barragem da mineradora em Brumadinho, e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 57/2020, que prevê a adesão de Minas ao Regime de Recuperação Fiscal da União (RRF).
No entanto, a tramitação das proposições não será fácil. É que, além de encontrarem resistência dos partidos da oposição por conta de dispositivos dos textos, a constante falta de diálogo e algumas atitudes e pronunciamentos recentes do governador Romeu Zema (NOVO) não agradaram os parlamentares, inclusive da base governista, alimentando o clima de tensão entre o Executivo e o Legislativo.
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"A relação de Zema com a Assembleia, desde o início do governo, é muito inconstante. O governo tem feito mudanças na área política, mas, muitas vezes, as próprias declarações do governador e dos seus auxiliares próximos não contribuem para ter um diálogo mais permanente. Ele reaproxima, troca secretário de governo, sinaliza uma nova construção, mas, depois, faz declarações e toma atitudes incoerentes. Sem dúvida isso gera um desgaste político e uma falta de confiança. A consequência do desgaste é a dificuldade de tramitação de algumas matérias”, explica o líder do Bloco Democracia e Luta, deputado André Quintão (PT).
Indisposições
Um dos mais recentes motivos de discórdia foi o “Força Família”, o auxílio emergencial de R$ 600 que será pago às famílias em situação de extrema pobreza em Minas Gerais. O auxílio faz parte do projeto Recomeça Minas, que foi sancionado pelo governador quase no final do prazo legal. A iniciativa foi proposta pelo presidente da ALMG, deputado Agostinho Patrus (PV) em abril e, inicialmente, previa o valor de R$ 500. Mas dois dias depois, quando o projeto já tinha sido aprovado em primeiro turno, um post nas redes sociais do Governo dizia que Zema tinha anunciado e aprovado o pagamento de um auxílio de R$ 500 para a população em situação de extrema pobreza.
A tentativa de apropriação indevida da proposta irritou os deputados e fez o chefe do Legislativo propor uma nova emenda, aumentando o valor do benefício para R$ 600. Só assim, Zema pediu desculpas e deu os créditos aos deputados.
“Ao meu ver, foi improvidente o anúncio antecipado do Força Família feito pelo Governo de Minas nas redes sociais às vésperas da sua aprovação em segundo turno, como se fosse sua a ideia. Todos nós sabemos que o benefício foi criado, incansavelmente discutido e aprovado pelos deputados estaduais. Sem sombra de dúvidas, deslizes desta natureza contribuem para um mal-estar e distanciamento nas relações entre a Assembleia Legislativa e o governo”, afirma o líder da maioria na Casa, o deputado Inácio Franco (PV).
"Minas Gerais é a segunda economia do País. Nossa receita só faz crescer. O que falta não são recursos”
Já o líder do governo, deputado Gustavo Valadares (PSDB), disse que não existe crise entre os dois Poderes. “O que existe é uma relação que passa obviamente, como todas as relações, por bons e maus momentos. A questão do auxílio foi um pouco complicada. Passamos por uma turbulência, mas acho que isso hoje já está superado. Não tem crise”.
Outro episódio que ajudou a conturbar a relação foi uma declaração do governador, em abril. Zema disse que os deputados priorizam interesses pessoais em detrimento do que é melhor para Minas Gerais e insinuou que os parlamentares são mercenários. O líder da minoria, deputado Ulysses Gomes (PT), foi um dos que criticou a atitude do chefe do Executivo.
“Ele procura desmoralizar os poderes Legislativo e Judiciário para enfraquecê-los ante a opinião pública. Sempre que cria um factoide, Zema desvia a atenção sobre as besteiras que seu governo faz – como furar a fila da vacinação –, e sobre tudo aquilo que deixa de fazer – como não investir na saúde pública”.
Acordo da Vale
Uma nova situação que pode criar desgastes está ligada ao PL 2.508/21, que destina os recursos do acordo judicial firmado com a Vale. A proposta voltou à discussão esta semana após três meses parada na Comissão de Fiscalização Orçamentária e Financeira da ALMG. De acordo com parlamentares, a pauta ficou travada por falta de consenso.
"A relação de Zema com a Assembleia, desde o início do governo, é muito inconstante”
De um lado, o governo considera a pauta prioridade, já que prevê recursos para obras como os hospitais regionais e o Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte. No entanto, Zema não quer mudanças no texto, que redirecionem os investimentos. Do outro, a proposta enfrenta resistência em alguns dispositivos. O presidente da ALMG, deputado Agostinho Patrus (PV), já adiantou que a pauta foi destrancada por conta de acordo entre os líderes da Casa e que alguns pontos serão mantidos e outros modificados por emendas. A ideia é que parte da verba vá para o enfrentamento da pandemia no Estado.
Segundo o deputado André Quintão, o consenso entre os líderes vai impedir que o projeto seja fatiado. "É interesse nosso aprovar a matéria até para que a Vale comece a fazer o reparo. Mas, nós não precisamos chancelar, necessariamente, aquilo que o Estado colocou como prioridade de aplicação. Essas prioridades terão que ser discutidas. E, para nós, aportar recursos para a UFMG concluir a vacina é muito importante. Tudo vai ter que ser dialogado”.
Crise fiscal
Desde o final de abril, os estados que enfrentam desequilíbrio financeiro podem apresentar seus planos de adesão ao novo Regime de Recuperação Fiscal (RRF) da União à Secretaria do Tesouro Nacional. A medida é considerada pelo governo como primordial para sair da crise. No entanto, os deputados estaduais não indicam que o aval para o programa sairá da Casa tão facilmente.
A PEC 57/2020, que trata da adesão de Minas ao RRF segue travada na Comissão de Constituição e Justiça desde dezembro. Entre os motivos estão a falta de detalhamento sobre os cortes previstos no plano e os benefícios para o Estado. Parlamentares da oposição trabalham para impedir a tramitação do projeto por entender que ele traz uma série de prejuízos para o funcionalismo público e que existem alternativas.
A PEC prevê que, em troca de adiar o pagamento da dívida pelo prazo de até nove anos, Minas Gerais teria que aceitar contrapartidas como a privatização de estatais, o congelamento dos salários, auxílios e das carreiras do funcionalismo público e o impedimento de novas nomeações e de realização de concurso público e a extinção de direitos como férias-prêmio, quinquênios e adicional por desempenho. O que traduziria em uma piora dos serviços públicos.
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“Minas Gerais é a segunda economia do País. Nossa receita só faz crescer. O que falta não são recursos. Isso está provado. Mas sim prioridade na forma de usá-los. Temos dinheiro e todos os instrumentos e condições de superar a crise por conta própria. Portanto, qual o objetivo em aderir ao Regime de Recuperação Fiscal, com um plano secreto dos demais Poderes e ficar nove anos nas mãos do governo federal?”, questiona o deputado Ulysses Gomes. O líder da minoria afirma ainda que o regime impõe limites que trariam graves consequências para Minas Gerais. “Pense bem: uma década de retrocesso, de paralisação do Estado”.
O líder de governo na Assembleia, deputado Gustavo Valadares, discorda. “O que a gente tem que mostrar aqui aos colegas deputados é a necessidade da aprovação da adesão ao RRF para o bem do Estado e para as contas públicas de Minas. Sem adesão ao Regime, corremos o risco de ter que pagar mensalmente o valor da dívida com a União”. Ele acredita que a discussão será retomada nos próximos dias.
Questionado se os últimos impasses entre a ALMG e o governo podem prejudicar o debate, o deputado Inácio Franco desconversou. “Nós, deputados estaduais, temos que ter serenidade suficiente para ficar acima desses episódios a fim de que não comprometam a votação de projetos fundamentais para os mineiros. Os interesses de Minas Gerais têm que ser priorizados”.
Por outro lado, o líder da oposição na Casa, deputado André Quintão, assegura que a PEC 57 ainda está longe de ser pautada devido ao desgaste, mas principalmente, à articulação de parlamentares contrários à proposta. “A pandemia tem mostrado a importância do papel do Estado e das políticas públicas. Então qualquer matéria que signifique o enfraquecimento dos serviços públicos terá dificuldade de ser aprovada. O RRF enfrenta uma posição reativa da oposição aliada a um descontentamento do bloco independente e até de parcela de deputados da base. É uma matéria impopular e extemporânea para ser discutida agora no meio de uma pandemia. Isso está causando mais dificuldade para o governo. Tanto é que o projeto não tem tramitado”.
Edição: Elis Almeida