Minas Gerais

COVID-19

“Situação é dramática. Postura do governo é premeditada de deixar a doença espalhar”

Unaí Tupinambás avalia os índices da pandemia em Belo Horizonte e a possiblidade da chegada da terceira onda

Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |

Ouça o áudio:

"Se a terceira onda se concretizar, não é só por conta da nova variante" - Créditos da foto: Daniel Protzner / ALMG

Talvez não seja uma terceira onda, mas uma inundação. A avaliação é do médico infectologista Unaí Tupinambás, professor do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro dos comitês de enfrentamento à covid-19 da Prefeitura de Belo Horizonte e da UFMG.

Em conversa com o Brasil de Fato MG, Unaí avalia os índices atuais da pandemia na capital, relacionadas ao contágio e a à ocupação de leitos. Frente à realidade do Sul de Minas Gerais, e de outros estados brasileiros, que sofrem com o colapso do sistema de saúde, o médico acredita que a solução é lockdown, vacinação em massa, manutenção do distanciamento social e uso de máscara, e, acima de tudo, auxílio emergencial decente para a população.

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Confira entrevista na íntegra.

Brasil de Fato MG – Qual sua avaliação sobre os últimos índices de contágio e ocupação de leitos em Belo Horizonte? Temos percebido uma diminuição nos marcadores, podemos dizer que já é um reflexo da vacinação na cidade?

Unaí Tupinambás – O que nos chama a atenção em Belo Horizonte é uma estabilidade, no entanto, uma estabilidade lá no alto. Estamos com uma taxa de transmissão acima de 0,9, o que significa a manutenção da pandemia com menos velocidade. Mas nós mantemos a pandemia no nível preocupante, a taxa de ocupação [dos leitos] gira em torno de 75% a 85% e também, observando a taxa de incidência, os casos diários, a média dos últimos 14 dias vem se mantendo em 390.

Esse número parece ter uma tendência de queda, mas a gente ainda está em uma situação muito crítica. A gente está estável, em uma situação administrável.

Lembrando que no final de março, início de abril, nós entramos em colapso, o Brasil inteiro entrou em colapso, com ocupações de leitos acima de 100%. A gente tem um risco ainda de ter um repique dessa onda, nem sei se podemos falar de terceira onda, porque a gente está lá em cima, é mais uma inundação do que ondas.

O ideal seria fazer um lockdown de 15 dias

A gente percebe também que a mortalidade, e a ocupação de leitos, de pessoas mais idosas já cai proporcionalmente em relação às pessoas com menos de 60 anos. Isso pode ser um reflexo da vacinação nessa faixa etária. Mas temos ainda muitas pessoas suscetíveis à infecção, considerando que o inverno vai chegar, o que aumenta a transmissão de outras viroses, não só da covid-19. E a gente tem novas variantes.

A situação ainda está muito delicada. É claro que a população está num cansaço pandêmico, nós temos uma crise humanitária, sanitária, econômica, social de grandes proporções. O ideal seria, não temos dúvida, fazer um lockdown de 15 dias e ampliar a vacinação. Mas a situação é tão dramática que a gente começa a flexibilizar algumas coisas. A população tem que trabalhar, tem que comer, tem que sobreviver.

Isso por conta da falta de um auxílio emergencial decente e da postura completamente equivocada ou premeditada do governo federal de deixar a doença espalhar.

Ao contrário de BH, o Sul de MG enfrenta uma situação crítica com os indicadores. Professores e trabalhadores da educação tem atribuído a situação ao retorno das aulas presenciais. Essa situação pode se alastrar pelo estado?

Não só a situação do Sul de Minas, mas os estados do Sul, Sudoeste, Centro-Oeste e São Paulo começam a nos preocupar muito. Há uma tendência de aumento de casos. O Brasil, na quarta dia 9, teve quase 2700 mortes e 75 mil novos casos. Então há realmente um risco real dessa terceira onda atingir esses locais. E há relatos que a cepa Delta [descoberta na Índia] foi detectada no Sul de Minas.

Acho que não é só a abertura das escolas, mas a flexibilização de outras atividades também, além do cansaço da população, a falta de uma política organizada pelo Ministério da Saúde e uma intencionalidade do governo federal em promover aglomeração e o não uso de máscara. E agora veio com essa máxima de que a vacina não funciona.

Falta de um auxílio emergencial decente

Enfim, o governo federal tem jogado contra, tem trabalhado para a disseminação da doença. E ele é responsável pelas quase 480 mil mortes no Brasil. Realmente é um genocídio, uma carnificina. É um absurdo isso.

Mas voltando à questão sobre o Sul de Minas, é claro que pode afetar Belo Horizonte. A gente está de olho nesses indicadores, tentando genotipar o vírus para ver qual variante está circulando de forma mais intensa.

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Minas Gerais foi o segundo estado a registrar a presença da cepa descoberta na Índia no país. Projeções avaliavam que essa cepa, somada à chegada da terceira onda, poderia trazer um cenário de caos ao estado. Como estamos em relação a isso?

Só lembrando que, se a terceira onda se concretizar, como parece infelizmente que está acontecendo em alguns locais no Brasil, não é só por conta da nova variante. É importante dizer que a gente não chama mais de “variante indiana”, precisamos evitar a xenofobia. A variante Alfa é a primeira, detectada no Reino Unido, depois a variante Beta, detectada na África do Sul, a Gama detectada no Amazonas e a Delta, descoberta na Índia.

Se tivermos a terceira onda, ela não é por conta só da cepa, mas também por causa da falta de uma política de enfrentamento adequado e da falta de vacina.

O governo federal tem jogado contra, ele é responsável pelas quase 480 mil mortes

A gente tem o exemplo do Chile, o país que mais vacinou na América Latina, mesmo lá tendo vacinando 50% da população, houve um aumento de casos e proporcionalmente mais casos por milhão do que no Brasil. Então, não é só vacinar, tem que vacinar e fazer distanciamento social. Mais do que nunca, tem que evitar aglomeração. Já basta aglomeração que não tem como evitar, que é o transporte público. Mas podemos evitar restaurantes, bares, festas, manter distância de dois metros e sempre usar máscara.

Hoje tem que ser duas máscaras bem posicionadas, acima do nariz. Se precisar, tem que colocar um esparadrapo para fixar a máscara. Isso pode ajudar na redução de transmissão e na redução de morte.

Ainda temos um chão pela frente, acho que até o final deste ano a gente vai conviver de uma forma bem dramática com essa pandemia. Só lembrando que, se o Brasil tivesse um desempenho mediano, por conta do nosso SUS poderíamos ter tido 75% a menos de mortes. Ou seja, a cada quatro mortes, três mortes são evitáveis. E a culpa disso a gente sabe de quem que é. É do ocupante do Palácio do Planalto.

Edição: Elis Almeida