Minas Gerais

ENTREVISTA

“Imunização contra a covid-19 não pode ser uma mercadoria, tem que ser um direito”

Médico de família e comunidade, Bruno Pedralva, denuncia o descaso do governo com a vida do povo brasileiro

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Bruno Pedralva, médico médico de família e comunidade - Foto: Arquivo pessoal

Nas últimas semanas, o ex-presidente da Pfizer, Carlos Murilo, revelou que o Governo Brasileiro ignorou, antes de fechar contrato com o laboratório em questão, seis propostas de compras de vacinas contra a Covid-19. Como consequência desse descaso do governo, em julho deste ano, a previsão é que o Brasil atingirá a cifra desesperadora de meio milhão de mortes. A situação se agrava na medida em que a vacinação contra a Covid-19 segue a passos lentos, inclusive em alguns municípios a imunização está paralisada.

Para tratar deste assunto, conversamos com o médico de família e comunidade, Bruno Pedralva, que atua na linha de frente contra a Covid-19 na capital mineira e denuncia o descaso do governo com a vida do povo brasileiro e os impactos do sucateamento do Sistema Único de Saúde (SUS), como uma política fundamental para manutenção e existência nesse contexto de pandemia.

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Confira:

A pandemia começou a se aprofundar no Brasil em março de 2020. Na época, o presidente minimizava a situação é se referia ao vírus como uma “gripizinha”. Qual deveria ser a postura do presidente nesse período para que nós não chegássemos ao ponto que estamos nesse momento?

O presidente errou, desde o início, no enfrentamento da pandemia mundial da Covid-19, seja menosprezando um vírus ainda desconhecido pela literatura médica, tratando-o como uma “gripezinha”, seja negligenciando medidas de prevenção recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS): distanciamento social, uso de máscaras, álcool em gel (70%) e o fechamento das cidades.

Errou ainda ao indicar remédios que não possuem eficácia contra a COVID-19 e por fomentar fake news sobre a China. Vale lembrar que o presidente optou por não se envolver nos esforços mundiais para produção de vacina. Como se sabe, os países que primeiro receberam e que até hoje estão vacinando uma quantidade maior de sua população são exatamente aqueles países que auxiliaram nas pesquisas e no desenvolvimento de vacinas.

A PL 948/2021 (camarote da vacina), de autoria do deputado Hildo Rocha (MDB-MA), dispensa o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para a importação privada dos imunizantes contra a COVID-19, permitindo que empresários fossem liberados para comprar vacinas no setor privado. Tal medida tem sido questionada pela esquerda e pelos movimentos sociais. Você pode nos falar um pouco sobre as consequências que essa PL pode trazer?

 A imunização contra a COVID-19 não pode ser uma mercadoria, um bem disponível somente para aqueles que possuem dinheiro. Antes de tudo, ela tem que ser um direito. Pois, a rigor, o que temos visto são as pessoas mais pobres, que não tem condição de ficar em casa, morrendo por COVID, em Belo Horizonte e no Brasil.

De acordo com os dados epidemiológicos atuais na capital mineira, o bairro onde tem maior número de mortes é o Alto Vera Cruz, seguido pelo Lindéia, na região do Barreiro. Contudo, não é o que ocorre no Belvedere, Zona Sul da cidade. É uma doença que, na prática, mata as pessoas mais pobres e em vulnerabilidade. Se deixarmos o mercado regular isso a injustiça social será aprofundada, pois é justamente os ricos, os que vivem na zona sul, os que têm dinheiro e que, muitas vezes, tem condições de ficar em casa, que serão protegidos pelo PL 984/2021.

De qualquer forma, há falhas na coordenação do processo de imunização no país, independente da presença do mercado no setor. Vejamos, o Plano Nacional de imunização do Brasil que sempre foi uma referência para o mundo. Em outras campanhas de vacinação anteriores à COVID-19, a gente conseguia vacinar uma quantidade muito grande de pessoas em curto período graças a um plano nacional de combate a doenças infecciosas amplamente divulgado pela mídia em todo território nacional.

Todavia, é importante sublinhar que o maior problema enfrentado é a falta de cobertura vacinal, ou seja, não temos vacinas em quantidade suficiente para todos. Então, foi necessário criar prioridades, corretamente definidas pelo SUS. Contudo, o Bolsonaro tem usado de ferramentas para transformar o plano em uma polarização eleitoreira. Inclusive, grupos que deveriam ser prioritários, como por exemplo, caminhoneiros, garis e assistentes sociais são deixados de lado.

As pessoas podem ser reinfectadas pelo novo Coronavírus ou quem já foi acometido pela doença já se encontra imunizado?

A reinfecção é algo que tem sido estudado na literatura científica médica. Há relatos de casos de reinfecção nos primeiros três meses após a pessoa se curar da COVID-19. Apesar de raro, a reinfecção é possível. Vale lembrar que estudos demonstram que a proteção é muito grande depois dos primeiros meses da cura do paciente.

Contudo, é importante registrar que os relatos não são muito significativos para os cientistas, já que existem relatos de reinfecção por variantes diferentes dos seis primeiros meses. Portanto, mesmo vacinadas, as pessoas precisam continuar lavando as mãos [com água e sabão, ou fazer uso de álcool em gel, 70%] e usando máscaras.


Em mobilização do último dia 29 de maio população cobra valorização do SUS e vacinação em massa / Foto: Marilia/MST SP

Ser vacinado impede que as pessoas sejam transmissores do vírus?

Importante lembrar que ser vacinado não impede a pessoa de ser infectada com o vírus da Covid. A maioria das vacinas tem uma eficácia para diminuir as chances de infecção, mas ela não impede totalmente.

Portanto, o principal benefício da vacina é evitar que a infeção evolua, evitar os casos graves com internações em intubações, esse é o principal benefício que a vacina pode trazer. Mas é importante deixar claro que ser vacinado não significa que a pessoa pode abandonar as medidas de prevenção do distanciamento social, do uso de máscaras e álcool em gel.

As vacinas que já existem protegem das variantes do novo Coronavírus?

As variantes surgem porque o vírus e a doença estão descontrolados. Nesse momento, muitos vírus estão se replicando no organismo das pessoas e nesse processo de replicação pode ocorrer mutações. Por seleção natural, as mutações mais “vantajosas”, ou seja, as que se transmite com mais facilidade é mais difícil de serem combatidas, pois, tendem a se tornar preponderantes. Na prática, isso aumenta as chances de infecção. Até o presente momento, de modo geral, as vacinas têm sido eficazes contra as variantes, mas é importante vacinar toda a população para que não surjam mais variantes.

Quais ações os governadores e o presidente poderiam tomar para diminuir o número de casos e mortes por Covid-19 nesse momento?

Sem dúvidas, a principal medida para diminuir o número de casos e mortes por Covid é vacinação em massa! Trata-se de uma medida eficaz, produzida com esforço da comunidade científica internacional e nacional. O papel dos governantes é apoiar e ajudar nas campanhas de vacinação e, até conseguirmos uma taxa de vacinação expressiva da população (a famosa margem dos 70%), incentivar e impor as medidas de prevenção como o distanciamento social, uso de máscaras e álcool em gel.

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Em muitas cidades os hospitais voltaram a entrar em colapso. Você acredita que isso pode acontecer em outras cidades do Brasil?

No Brasil, muitos lugares tem vivenciando uma terceira onda da pandemia. Isso é preocupante porque ainda que possa ser vista como uma “marolinha”, uma terceira onda impacta hospitais, as UPAs e em especial os postos de saúde. Estamos no meio do maior colapso sanitário e hospitalar da história do país, em todos os estados tivemos filas, milhares de pessoas aguardando leito de Centro de Terapia Intensiva (CTI) e muita gente morreu nas UPAs, em especial em hospitais de pequeno porte sem o atendimento necessário. Estamos preocupados com a possibilidade dessa terceira onda, mesmo que por hora exista um aumento ainda discreto no número de casos.


Em Alagoas e no Mato Grosso do Sul, nas mobilização de 29 de maio, a população clamou por vacina já / Foto: Gustavo Marinho

O SUS já demonstrou em campanhas de vacinação anteriores, uma capacidade imensa de imunizar rapidamente um número alto de pessoas. No entanto, o ritmo de vacinação no Brasil segue lento. O que falta para o SUS conseguir avançar na imunização dos brasileiros?

O SUS ainda não conseguiu vacinar a maioria da população brasileira porque tem uma pedra no meio do caminho e essa pedra se chama Bolsonaro e todo o negacionismo, irresponsabilidade e negligência que ele tem colocado em prática. Portanto, para vencer a COVID uma palavra de ordem fundamental: “Fora Bolsonaro e Fora pensamento bolsonarista!” Se não desmontarmos esse grupo negacionista que está comandando o Brasil não adianta trocar Ministro da Saúde. Além disso, o SUS precisa de investimento, precisa do fim da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do teto de gastos, de respeito e nada disso é possível com Bolsonaro no poder.

*Editado por Solange Engelmann