Sem olhar para as empresas, a CPI não servirá para resolver os problemas do transporte
Por André Veloso e Annie Oviedo
Anos atrás, talvez entre meados de 2013 e o início de 2015, o Tarifa Zero BH era o orgulhoso dono de um bandeirão amarelo no qual figurava a escrita “CPI do busão”. Esse bandeirão, como outras faixas antes e depois dele, se perdeu em algum momento, na dispersão de uma manifestação, e ninguém sabe onde foi parar.
Ele existia porque, naquele período, a pressão por uma CPI que investigasse as empresas de ônibus e seus desmandos era fortíssima. Aconteceram CPIs em outras cidades, como Rio de Janeiro e Niterói, com resultados variáveis, mas não aqui em BH. Os vereadores daquela legislatura não quiseram levar adiante a demanda popular, o que parecia ser uma defesa política dos empresários de ônibus.
Eis que, em 2021, ano dois da pandemia de covid-19, temos uma CPI da BHTrans instalada. Como chegamos até aqui? CPI da BHTrans é o mesmo que CPI do Busão?
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Já em 2017 vimos tentativas de se abrir uma CPI da BHTrans. À época, já afirmávamos que uma CPI da BHTrans seria inócua, inútil, ineficaz. Isso porque, na nossa cidade, o dinheiro da tarifa é controlado pelos empresários de ônibus. São eles que recebem o dinheiro e o gerenciam. O dinheiro não passa pela BHTrans.
O que isso quer dizer? A BHTrans sabe quantos passageiros passam pelo sistema e tem uma ideia de quanto dinheiro entra. Porém, não sabe quanto e como os empresários gastam, quais seus custos, qual sua margem de lucro. Em suma, se o empresariado diz que está falindo – como agora – o poder público não tem nenhum instrumento para verificar se isso é verdade. Logo, qual o objetivo de uma CPI da BHTrans?
Sem olhar para o que o empresariado anda fazendo, essa CPI não servirá para tentar resolver os problemas do transporte coletivo em Belo Horizonte.
Sabemos que o atual formato de gestão que legou aos empresários o poder sobre a arrecadação financeira e a capacidade de omitir os custos do sistema foi feito pela própria BHTrans, em 2008. Mas o ponto aqui é também discursivo: os atores que prejudicam ativamente a mobilidade urbana são os empresários de ônibus, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (SETRA). A BHTrans tem sua parcela de culpa mais pela omissão do que pela ação.
A CPI será capaz de investigar as movimentações financeiras dos empresários de ônibus?
Agora, depois de mudanças na base de apoio da prefeitura, foram obtidas as assinaturas necessárias e a CPI da BHTrans está instalada. Ela já convidou o atual presidente e o anterior, com várias surpresas [acompanhe nosso resumão da CPI!]. É importante ouvir o que essas pessoas têm a dizer, sobretudo para poder entender como a BHTrans é, de fato, impedida de fazer um trabalho melhor de fiscalização e gestão do transporte por conta dos termos do contrato de concessão celebrado entre empresas e poder público.
Mas haverá investigação de onde o dinheiro está e como ele é gasto? Em outras palavras, a CPI será capaz de investigar as movimentações financeiras dos empresários de ônibus?
A situação em que estamos tem algo de absurdo. A BHTrans e os empresários dizem que estão respeitando as regras, cumprindo protocolos sanitários, focando na qualidade. Qualquer passageiro de ônibus sabe que a realidade é outra, oposta a esse discurso, ou seja, corte de linhas, de viagens, ônibus lotados. Que parâmetros de qualidade são esses? Por que não tem mais ônibus circulando?
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Essas perguntas não precisam ser feitas na CPI, porque já há resposta para elas. O contrato de concessão permite que as coisas sejam assim. A remuneração dos empresários via tarifa os incentiva a lotar os ônibus para ter menos custos e aumentar sua margem de lucro. Os incentiva a baixar os padrões de qualidade e de oferta de serviço e, consequentemente, os custos, mesmo que de forma ilegal.
A CPI convocou os empresários e, agora, precisa colocar essas questões, procurar entender para onde vai o dinheiro, exigir que sejam exibidas informações financeiras e contábeis, porque nós temos o direito de saber. Se esse trabalho não for feito, a CPI será mais um amontoado de papel a ser arquivado.
Há uma oportunidade importante para a cidade aqui, a chance de entender, de verdade, como o contrato de concessão cristaliza poderes estabelecidos e prejudica a população, como a redução de qualidade é lucrativa para os empresários, como estes nos espremem literal e metaforicamente, para seu próprio ganho individual.
Ousadia e alegria, vereadores, que dá para fazer.
André Veloso é economista e integrante do Tarifa Zero BH
Annie Oviedo é passageira de ônibus e integrante do Tarifa Zero BH
Edição: Larissa Costa