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O céu é só uma promessa

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"O tempo passou. Chegou o dia do vestibular. Maralina foi de carona com a dona da casa e seu filho, já que os dois iriam prestar para o mesmo curso" - Foto: USP Imagens
Ex-empregada doméstica, Maralina é hoje uma importante arquiteta que faz projetos de casas populares

Maralina saiu da cidade de Almenara, Vale do Jequitinhonha, direto para uma favela de Belo Horizonte. Na sua cabeça e na sua fé, iria melhorar de vida. Uma mochila de sonhos e desafios.

Já na primeira semana, arrumou um emprego de babá na casa de uns grã-finos falidos. O dono da casa tinha perdido tudo com jogatina de baralho. Era uma herança de seu pai. Só a mulher continuava trabalhando como professora universitária federal. Era esse salário que os mantinham vivos. Eles viviam endividados, mas não perdiam a pose.

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Maralina tinha uma beleza rara. Mistura de negros, índios e brancos. O cabelo liso até a cintura e um corpo de deusa de ébano. Olhos verdes como a camisa do Palmeiras. Parava o trânsito onde passava. Isso nunca subiu à sua cabeça.

Já no primeiro dia, o tal dono da casa reparou na beleza ímpar de nossa musa do Vale. Sua vida se transformou num inferno. Ele ficava o dia todo atrás de Maralina. Ele não tinha o que fazer. Aos domingos, vestia sua camisa da seleção brasileira para se manifestar a favor da família, da tradição e do patrimônio.

Nossa Maralina tinha seus sonhos: trabalhar e passar no vestibular de arquitetura. Ele ria dela. Falava que não tinha nenhuma chance de passar. Tinha experiência em casa. O filho mais velho estava no terceiro ano do melhor cursinho da capital mineira e não tinha conseguido. Isso não tirou a perseverança de Maralina.

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Um dia, todos da casa haviam viajado, sobrando o falido e Maralina. No meio da madrugada, ele invadiu o quarto dela e tentou estuprá-la. Ela deu um chute nele e um soco na boca, quebrando-lhe os dentes da frente. Ela chorou a madrugada toda, porque precisava daquele emprego. Resolveu não o denunciar para a polícia.

O tempo passou. Chegou o dia do vestibular. Maralina foi de carona com a dona da casa e seu filho, já que os dois iriam prestar vestibular para o mesmo curso. Ela não cabia dentro de si de tanta alegria.

Passou um tempinho... saiu o resultado do Enem. Para a surpresa de todos e tristeza dos grã-finos falidos, Maralina passou em primeiro lugar e o filho deles nem constou na lista de suplência.

Hoje, Maralina é uma importante arquiteta que faz projetos de casas populares para atender à população mais pobre. O grã-fino falido é seu motorista particular. A mulher faleceu. O filho virou estelionatário conhecido nacionalmente.

*Rubinho Giaquinto é covereador da Coletiva em Belo Horizonte.

Edição: Larissa Costa