Na mira da privatização pelo governo de Jair Bolsonaro, os Correios é uma empresa lucrativa e estratégica para a soberania nacional. Presente em todos os 5570 municípios, é a empresa pública mais antiga do Brasil, fundada há 358 anos. Atualmente, além do transporte de cartas e encomendas com as menores tarifas do mercado, fornece inúmeros serviços à população, como pagamentos, serviços bancários e emissão de documentos.
Sobre os impactos da entrega da estatal ao setor privado, como propõe os Projetos de Lei (PL) da família Bolsonaro 7488/2017 e 591/221, que tramita em regime de urgência no Congresso Nacional, o Brasil de Fato MG conversou com Robson Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios de Minas Gerais (Sintect-MG). Segundo ele, a privatização é um crime contra a Constituição Federal e contra o povo brasileiro.
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Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato MG – Entre os argumentos do governo, está a afirmação de que os Correios não têm condições financeiras de melhorar a qualidade dos serviços prestados à população. Qual sua avaliação sobre isso?
Robson Silva – Os Correios é uma empresa altamente lucrativa. Só no ano passado, gerou cerca de R$ 1,53 bilhão de lucro e esse argumento que o governo levanta não se sustenta. Mas o problema é o seguinte: o governo quer entregar a empresa justamente porque ela é altamente lucrativa. Não se privatiza nada no Brasil que não dá lucro, porque a intenção é entregar para os capitalistas internacionais toda a riqueza do povo brasileiro construída com suor e sangue do povo.
E são dois projetos de lei (PL) em tramitação que visam a privatização dos Correios. Qual o impacto dessas propostas caso sejam aprovadas?
Um deles é o PL 7488/2017, do Eduardo Bolsonaro (PSL), e o outro é o PL 591/221, do próprio presidente Bolsonaro, que entregou pessoalmente o projeto para o Congresso Nacional. Acontece que os Correios fazem parte de uma série de estatais que tem a ver com a soberania nacional do nosso país. É uma empresa estratégica, presente em todos os municípios brasileiros.
Não se privatiza nada no Brasil que não dá lucro
A empresa privada que comprar os Correios vai ter domínio sobre o território nacional. E ainda toda a inteligência do governo passa pelos Correios. Um exemplo interessante disso, são os Estados Unidos: diferentemente do nosso aqui, no ano passado os correios de lá deu prejuízo de cerca U$$ 500 milhões e, mesmo assim, o governo estadunidense nem cogita a privatização, uma vez que a empresa faz parte da segurança nacional do pais.
Outra questão aqui no Brasil é que o serviço prestado pelos Correios é um direito constitucional do povo, não é um favor que o governo faz. A iniciativa privada, que visa somente o lucro, não vai dar esse mesmo caráter que os Correios têm. Hoje, a empresa trabalha em interface com o Ministério da Educação e faz toda a entrega de livros didáticos, para que os alunos tenham condição de ter o início do ano letivo em todos os lugares ao mesmo tempo. Faz interface também com o Ministério da Saúde e transporta para todos os locais vacinas e insumos hospitalares. Se privatizar, acaba com toda essa estrutura que o Estado brasileiro possui.
Além disso, os Correios é fonte de renda de centenas de milhares de pequenos e médios empresários. Com a pandemia, o sistema de logística e e-commerce aumentou demais no mundo inteiro, o que gera um lucro imenso. E muitos empresários usam os Correios para enviar e receber seus produtos, porque é o serviço mais barato. Se os correios forem privatizados, esses empresários pequenos e médios podem desaparecer do mapa.
E em Minas Gerais, qual será o impacto, já que são 853 municípios e a maioria com até 10 mil habitantes?
Nas pequenas cidades as agências dos Correios vão acabar. A iniciativa privada não vai prestar o serviço em um lugar que não dá lucro. Milhares de cidades brasileiras tem os Correios como o único correspondente bancário, onde as prefeituras fazem a folha de pagamento, onde os aposentados recebem. E em Minas Gerais será gravíssimo.
É um crime privatizar os Correios, porque as pessoas dependem da empresa para muita coisa. Prejudicaria todo um sistema de economias locais e regionais, sem contar as eleições, pois os Correios que transportam as urnas eletrônicas. Você imagina como seria uma eleição em que uma empresa privada controlasse isso?
A privatização de serviços postais parece não ser uma tendência mundial, pelo contrário, países onde houve a venda para empresas privadas estudam a desestatização, frente ao fracasso da privatização.
Sim. Tive a oportunidade de conversar com o coordenador nacional do sindicato dos trabalhadores dos Correios de Portugal. Depois da privatização, que aconteceu em 2013, a primeira coisa que aconteceu foi o fechamento das pequenas agencias. Todas fecharam. Porque a iniciativa privada foca em locais onde gera mais lucro. Eles tentaram vários sistemas, tentaram colocar o correio em supermercado, em outros locais. E as pessoas ficaram totalmente prejudicadas e não conseguiam mais ter acesso ao serviço. Tudo isso gerou muito problema e hoje há um movimento de reestatização da empresa.
Na argentina também, onde houve a privatização em meados dos anos 1990, a empresa está sendo devolvida ao Estado totalmente sucateada.
Privatizar os Correios não é uma tendência no mundo, em todas as potências imperialistas mundiais os correios são públicos, mas coexistem com o serviço privado. Igual aqui no Brasil, onde o monopólio postal constitucional é o de cartas. Para o serviço de encomendas existem outras empresas, desde 1979 é livre concorrência. Mas a questão é que o serviço dos Correios é cerca de quatro vezes mais barato do que o próximo preço. Por isso que as empresas privadas de logística e entrega fazem todo esforço para tentar pressionar os governos para a privatização.
Mas apesar de lucrativo, o serviço dos Correios está sucateado. Qual seria então o papel do governo?
O sucateamento leva a população a pensar que o serviço público é ruim, isso é um movimento tradicional que conduz à privatização. Os Correios não têm concurso público desde 2011. Ao contrário, nos últimos dez anos foram feitos vários programas de demissões em que mais de 35 mil funcionários foram retirados do quadro da empresa.
Ao mesmo tempo, existe um aumento de demanda da população por entrega de encomendas, um mercado mundial que dá muito dinheiro (a Amazon que o diga, pois seu o dono é a pessoa mais rica do mundo). Ou seja, ao passo que vai aumentando a demanda e diminuindo o quadro de funcionários, é lógico que, em algum momento, as cartas das pessoas vão atrasar.
Privatizar os Correios não é uma tendência no mundo
Só que o movimento de sucateamento dos Correios é inconstitucional, como eu já disse, é direito da população receber suas correspondências. O governo deveria contratar gente, fazer concurso público. A população reclama do serviço porque a carta não chega, mas existe uma política de sucateamento que não contrata gente, não faz melhoria, não valoriza os profissionais, ao contrário, vai retirando direitos, enxugando justamente para entregar para o setor privado.
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Esse é o mesmo método utilizado para privatização de outros setores estratégicos?
É o mesmo processo. Primeiro retira direitos dos trabalhadores, depois abre vários programas de demissão, vai enxugando, enxugando, até dar o golpe final, que é o projeto de lei. Mas sobre a venda dos Correios, a própria Procuradoria da República (PGR) já disse ser inconstitucional a colocação da empresa no programa de desestatização do governo federal.
Mas o próprio PL do Bolsonaro é inconstitucional na sua forma, porque para privatizar os Correios precisa mudar a Constituição e, para isso, é necessária uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Mas Bolsonaro vai passar o trator, assim como fez com a Eletrobrás. Nossa categoria está em campanha salarial, contra a privatização dos Correios e por Fora Bolsonaro.
Edição: Elis Almeida