Firmado em fevereiro deste ano, o acordo de reparação pelo crime em Brumadinho, celebrado entre a Vale, o governo de Minas e instituições de Justiça, desde o início é alvo de duras críticas das comunidades atingidas da Bacia do Paraopeba.
Neste mês, novamente o termo ganhou destaque, após o governador Romeu Zema (Novo) acusar a ALMG de atrasar a liberação e aplicação dos recursos. No entanto, na avaliação dos parlamentares que acompanham os desdobramentos sobre o crime, tanto o acordo quanto o Projeto de Lei que trata da destinação dos recursos (2.508/21) apresentam sérios problemas.
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Dentre as principais divergências entre deputados e o governo estadual está a obrigatoriedade imposta pelo executivo de ter controle sobre os recursos repassados aos municípios. Contrários à proposta, os parlamentares aprovaram na terça-feira (6), em primeiro turno, pela ampla maioria, 70 votos a favor, três contrários e um em branco, a PEC 68/21. O texto garante o repasse direto, sem interferência do governo, da parte que cabe aos municípios cerca de R$ 1,5 bilhão.
Para avaliar os termos do acordo, nós conversamos com a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT/ MG).
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Brasil de Fato MG: Na sua avaliação qual o problema central deste acordo de reparação?
Beatriz Cerqueira: O problema central do acordo da Vale com o governo do Estado foi o seu formato sem participação popular, sem a escuta direta dos atingidos, feito de portas fechadas, em modo sigiloso. A criminosa da Vale nunca pediu desculpas, não parou a sua produção por 30 segundos, pelo contrário, agora ela é tratada como uma parceira do governo do Estado.
É um acordo de R$ 36 bilhões, dos quais o governo abre mão de parte dele, reconhecendo uma suposta reparação que a Vale já tenha feito. Quem fez essas contas? E dos R$ 26 bilhões, a maior parte dos recursos não passa pelo controle social, pelo poder legislativo, vai diretamente pela execução da Vale. O que eu acho gravíssimo. É um processo que precisa ser questionado. De todo acordo, são apenas R$ 11 bilhões que passam pela Assembleia, isto porque será o valor que a Vale vai repassar para o governo do Estado.
BdF MG: Quais os principais problemas encontrados na destinação desses R$ 11 bilhões?
Os projetos que o governo apresentou para esses R$ 11 bilhões não foram construídos com as populações dos municípios atingidos pelo crime da Vale e eles não tem no seu escopo o compromisso da reparação do crime cometido. Então, no Projeto de Lei 2.508/21 (que dispõe sobre a destinação desta parcela do recurso) você encontra por exemplo, grandes obras, que terão impactos inclusive ambientais.
A Vale é tratada como uma parceira do governo do Estado
É pegar o dinheiro de reparação de um crime para cometer outro crime, como é o caso do Rodoanel. Um processo que não é necessário, porque se for para investir na mobilidade por que não das comunidades atingidas que sofrem com deslocamento? Investir na qualidade de vida dessa população. Por quê não investir então na reforma do atual um anel rodoviário?
O projeto estabelece a criação, por exemplo, de um Centro de Infectologia que não é necessário. O que nós precisamos é potencializar nossa Fundação Ezequiel Dias, nossa Escola de Saúde Pública, fortalecer o SUS. Outras propostas são de investimento na estrutura administrativa do Estado, como a troca da fiação da Cidade Administrativa. Cuidar de uma estrutura interna do governo, não é função de um recurso de reparação de um crime.
A maior parte dos recursos não passa pelo controle social, vai diretamente para execução da Vale
Eu percebo que é a velha prática do governo Zema de jogar a população contra a Assembleia Legislativa. Ele tem feito essa chantagem, no sentido de querer passar a imagem de que quer fazer, mas a Assembleia não vota. Isso tem sido repercutido nos meios de comunicação “o bom moço” que quer fazer o bem, mas os políticos não deixam.
O governo quer também ter um controle político dessa destinação aos municípios. E este ponto que tem uma forte discordância da Assembleia. O governador não pode ter esse controle, os municípios precisam ter autonomia.
BdF MG: A aplicação dos recursos acontecerá às vésperas das eleições de 2022. Você acredita que estas obras e repasses podem ser utilizados como instrumento político?
O governo faz uma propaganda que a meu ver é desrespeitosa. Este dinheiro é resultado de uma reparação de um crime, então é preciso guardar o direito à memória e a justiça das vítimas e das suas famílias. Não pode ser tratado como algo de governo, algo que está sendo propagandeado na véspera de uma eleição. Porque na verdade se nós analisarmos as obras que estão no acordo geral é um grande portfólio às vésperas de um processo eleitoral.
Edição: Elis Almeida