Fui vacinado. Muitos não sobreviveram para receberem a vacina: amigos, pessoas queridas, conhecidos, gente distante mas que admiro muito; mais de 532 mil brasileiros cuja morte me indigna.
Sobrevivi até aqui porque tive as condições de trabalhar em casa, seguir as recomendações da ciência (distanciamento, isolamento, uso de máscara e álcool em gel), acesso à educação formal que me blindou de disparates verbais e mortais do presidente e seus seguidores. Sobrevivi porque não moro em uma casa de três ou quatro cômodos, com outros cinco a seis familiares que tiveram que cotidianamente buscar a sobrevivência (e o contato com o vírus) pegando transporte público e se expondo ao contágio no trabalho.
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O Brasil vive um genocídio, ou seja, o extermínio deliberado de parte da sua população. É uma terrível experiência saber que morrem diariamente cerca de 2 mil pessoas, por ação e omissão do presidente da República, que segue impune e não assume seu crime. Quem sobreviveu até aqui precisa ser testemunha e agente de justiça e reparação. Não só o presidente precisa ser responsabilizado, mas o Estado e demais poderes, governadores e prefeitos cúmplices, que seguem permitindo a política de morte.
As armas do genocídio ou quantas mortes poderiam ter sido evitadas?
Apenas no primeiro ano da pandemia (março de 2020 a março de 2021), o Brasil teve 305 mil mortes a mais que o esperado segundo pesquisa da Anistia Internacional Brasil. Só as medidas de proteção aceitas em todo o mundo - distanciamento e isolamento social, uso de máscara, testagem, uso de álcool em gel - se tivessem sido adotadas a transmissão do vírus se reduziria em pelo menos 40%, 120 mil vidas teriam sido poupadas.
O Brasil é o país que menos realizou testes até aqui, menos de 15% da população, sendo que os que ganham acima de quatro salário mínimos fizeram quatro vezes mais testes que os que recebem menos de meio salário mínimo. Segundo estudo da Universidade Federal de Pelotas, 4 em cada 5 mortes poderiam ter sido evitadas se tivéssemos feito o básico. O que quer dizer que se tivéssemos a taxa média mundial de mortes 426 mil pessoas queridas de alguém não teriam morrido. A média mundial é de 494 mortes por milhão de habitantes, no Brasil é de 2.345 pessoas, quase cinco vezes maior.
O atraso na compra das vacinas Pfizer e CoronaVac, que graças a CPI da Covid sabemos que foi com o objetivo de privilegiar imunizantes sem representantes no Brasil, para assim garantir propinas a integrantes do Ministério da Saúde, causou 95 mil mortes desnecessárias. Se considerarmos os demais imunizantes e o ritmo lento da vacinação esse número é de 145 mil mortes que poderiam ter sido evitadas. O que faz com que estejamos na 67ª posição entre os países em termos de percentagem da população imunizada. Vale lembrar que em agosto de 2020 a Pfizer ofereceu 70 milhões de doses e o Instituto Butantã 60 milhões. Bolsonaro recusou.
Também o alinhamento ao discurso do presidente é mortal. As pesquisas estatísticas mostraram que houve um incremento de 78% nas mortes em função da resistência às recomendações científicas.
As armas utilizadas para o genocídio são muitas e não param por aqui. A demora para implementação do auxílio emergencial, sua interrupção e a diminuição do seu valor mataram e segue matando milhares, de covid e de fome. O ataque a prefeitos e governadores; a promoção das aglomerações sem o uso de máscara; a falta de controle das fronteiras; a recomendação de medicamentos sem eficácia; a falta da articulação nacional; o desprestígio da estrutura do SUS; o desvio de recursos da saúde para outras finalidades... e a lista segue, e é longa.
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Todo esse absurdo levando em conta apenas os números oficiais. No entanto, se estima que o número de contaminados é 3 a 4 vezes maior. Um genocídio. Sejamos redundantes: extermínio em massa deliberado, afinal, como disse o governador de Minas, "o vírus precisa viajar", ou, como diz a todo momento o presidente "a economia não pode parar". Todos esses fatores nos levaram a termos mais de 13,3% das mortes no mundo, apesar de termos apenas 2,7% da população mundial. O pior resultado entre os países mais populosos; o segundo pior resultado na América do Sul; o pior resultado entre os países dos Brics.
Pela vacina no braço (que demorou muito a chegar no meu) e a comida no prato, só tenho a agradecer. Para que outros possam ter vacina no braço e comida no prato, só posso lutar pelo fora Bolsonaro, impeachment já. Pela memória dos que se foram nosso compromisso precisa ser ainda maior: por um projeto popular para o Brasil, que enterre de vez o bolsonarismo e a classe dominante que o colocou lá.
Frederico Santana Rick é cientista social, mestre em ciências sociais integra as pastorais sociais, a Frente Brasil Popular e a organização Consulta Popular.
Edição: Elis Almeida