Hermes da Fonseca dividiu a sociedade entre civilistas e militaristas
A obra autobiográfica de Juscelino Kubitschek de Oliveira intitulada “Meu caminho para Brasília”, em três tomos, tem um tom de excepcionalidade. Cabe ao historiador separar nas autobiografias o que o autor deixa escapar como egocentrismo e automistificação.
A escrita de “Meu caminho para Brasília” teve início quando JK teve seu mandato de senador por Goiás caçado pelo governo militar, em 8 de julho de 1964. No exílio, em Paris, sentiu que seu afastamento coercitivo da vida pública lhe oportunizava refletir sobre sua trajetória de vida, concretizada no primeiro volume, intitulado “Experiência e humildade”, concluído em 1974. Narra a infância em Diamantina, a juventude e a vida profissional em Belo Horizonte, onde tem início a carreira política.
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O segundo volume, “A escalada política”, concluído em 1976, documenta as lutas políticas, como prefeito de Belo Horizonte e governador de Minas Gerais. O terceiro, intitulado “Cinquenta anos em cinco”, concluído em 1978, faz minucioso histórico da campanha eleitoral e seu mandato como presidente da República. O segundo e o terceiro volumes só foram editados após a sua morte, graças a dois amigos incondicionais, Carlos Heitor Cony e Jonas Bloch (editor) que preservaram seus arquivos privados.
O compromisso de Juscelino com a democracia era muito sólido. JK era de origem de família essencialmente urbana de classe média, descendente de imigrantes europeus no século XIX. Ao manifestar-se contra o golpe do Estado Novo, que deu a Getúlio Vargas poderes constitucionais, disse que sua vocação era democrática. Por isso relutou em aceitar o cargo de prefeito de Belo Horizonte, indicado pelo governo interventor de Benedito Valadares.
Ficou perplexo com o fato de alguns elementos de classe média alegrarem-se com as vitórias de Hitler na Europa. Diante das calúnias sofridas ao longo de sua carreira política; das tentativas de golpes em seu governo e perseguições durante o regime militar, JK diz: “Sei que o tempo confundirá meus inimigos gratuitos, sufocará o ódio e restaurará a justiça. Nunca me arredarei da luta em favor da democracia”.
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O que é mais importante no governo JK, desde sua experiência como governador de Minas Gerais, é o censo de planejamento econômico. Percebeu que havia uma enorme desigualdade entre as regiões do Sul e do Sudeste e as demais regiões do Brasil. Esse desequilíbrio gerava uma enorme corrente migratória que contribuía mais ainda para a continuidade do subdesenvolvimento. A construção de Brasília e a mudança da capital para o Planalto Central era a primeira providência. A capital ligada a todas regiões por rodovias estancou, em parte, as migrações e possibilitou o aumento da indústria de transformação nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste.
Em 1959, tendo o economista Celso Furtado como mentor, implantou a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Com a melhoria na infraestrutura, os solos dos cerrados que eram considerados improdutivos, passaram a ser explorados com melhores técnicas agrícolas e, na atualidade, são altamente produtivos.
Jair Bolsonaro se distancia de JK em mais de cem anos. Mas a maior distância mesmo, é em termos de prática política e concepção sobre o papel de um governante e do Estado.
O mandato de Bolsonaro só encontra similar no de Marechal Hermes da Fonseca, de 1910 a 1914. Na campanha eleitoral que teve como adversário Rui Barbosa, dividiu a sociedade entre civilistas e militaristas. Todo o tempo de seu mandato foi de conflitos, inclusive uma guerra entre a marinha e o exército. Hermes da Fonseca governou quase todo o tempo em estado de sítio e manteve os estados do Nordeste sob intervenção. Seu sucessor foi o civil mineiro Venceslau Braz.
E o que Bolsonaro fez em seus três anos de mandatos? Abarrotou as repartições públicas de militares, colocando-os contra os civis; submeteu ministros e altos servidores públicos a humilhante submissão e servidão; compareceu a atos de inauguração de obras iniciadas nos governos de Lula e Dilma; desorganizou e desmantelou os serviços públicos como educação e saúde; discrimina e ofende o povo e os governantes do Nordeste.
Antônio de Paiva Moura é docente aposentado e mestre em história pela PUC-RS
Edição: Elis Almeida