Infelizmente, são muitas as histórias parecidas e recorrentes: um amigo ou familiar de político ou de autoridade é nomeado em cargo público comissionado, mas exerce suas funções de forma descompromissada e, não raras vezes, sequer aparece para trabalhar. Isso acontece em órgãos federais, estaduais e municipais. São os chamados “funcionários fantasmas”, que têm como único objetivo beneficiar a si próprios ou a seus padrinhos.
Essa situação é possível porque a legislação atual permite a nomeação em cargos de liderança e assessoramento de um percentual de pessoas sem vínculo com a administração pública. O dispositivo que deveria ser usado para trazer mais dinâmica ao serviço público desde o início foi cooptado e tem sido usado por muitos políticos para aumentar os seus poderes à custa da máquina estatal.
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Um exemplo é a chamada “rachadinha”, na qual o indicado assume um cargo e se compromete a repassar parte ou até mesmo todo o salário ao seu padrinho político. Na maioria das vezes, o ocupante do cargo não presta o devido serviço à sociedade.
Ao invés de combater essa prática danosa, e até mesmo criminosa, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020, a chamada reforma administrativa, pretende ampliá-la. O texto elaborado pelo governo Jair Bolsonaro pretende abrir todos os cargos em comissão e funções de confiança para qualquer pessoa indicada politicamente.
Levantamento do Senado Federal mostra que a reforma administrativa pode aumentar para mais de um milhão o número de indicados políticos no país. Será um exército de cabos eleitorais ocupando pontos estratégicos e muitas vezes agindo contra os próprios objetivos dos órgãos.
Não é difícil pensar em exemplos práticos, como o de um indicado político, com conhecimento técnico raso e sem compromisso com as boas práticas da administração pública, ocupando cargo estratégico em um hospital ou na Anvisa e recomendando produtos farmacêuticos sem eficácia comprovada.
Quais seriam os danos que indicados por empresas ou apadrinhados políticos poderiam provocar ao ocupar a maioria dos cargos no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), responsável pelo registro de alimentos no Brasil?
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Agora imagine essa ocupação da máquina pública no sistema de Justiça e os servidores efetivos, que passaram em concurso público, sendo substituídos por pessoas estranhas à administração pública. Será possível resguardar a lisura e a integridade dos processos visto que pessoas com interesses difusos terão acesso a questões sigilosas envolvendo os seus padrinhos?
A invasão do serviço público pelos indicados políticos que será viabilizada pela Reforma Administrativa deve ser ainda mais cruel para a população de baixa renda, que depende de serviços básicos. Isso porque a aprovação em concurso público é um meio de se garantir a impessoalidade e que os candidatos com mais conhecimento sejam selecionados.
Já pelo sistema de livre nomeação, o que vale para ser nomeado é o famoso “Quem Indica”. Além disso, uma vez no cargo, o indicado político estará praticamente garantido na função, independentemente de seu desempenho, de sua produtividade ou mesmo do seu comparecimento ao trabalho. A esse, bastará satisfazer apenas aos desejos do padrinho político, prejudicando o acesso da população aos serviços públicos.
Outro ponto importante é o controle anticorrupção, que será fortemente desestruturado, uma vez que mais indicados políticos estarão em posições estratégicas nos órgãos públicos, inclusive naqueles responsáveis pelas fiscalizações.
Para uma melhor compreensão, pensar localmente facilita o entendimento sobre a gravidade da questão. Na sua cidade, quantas vezes você ficou sabendo de pessoas indicadas ocupando cargos na prefeitura ou na câmara de vereadores, mas que não desempenham serviços relevantes para sociedade? No seu município, há parentes e amigos do prefeito ou dos vereadores empregados em órgãos públicos?
Se hoje essa conduta já é comum, imagine quando a reforma administrativa for aprovada e não houver mais limites para as nomeações de pessoas que não foram aprovadas em concurso.
Portanto, as brasileiras e os brasileiros têm o dever de se perguntar: a quem interessa o aparelhamento da máquina pública? A quem interessa a reforma administrativa?
Não se engane, a PEC 32 vai provocar uma invasão de apadrinhados políticos no serviço público, a expansão do jogo de interesses e o aumento da corrupção.
Wagner Ferreira é bacharel em Direito, com especialização em Poder Judiciário e servidor efetivo do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Atualmente é diretor de Assuntos Jurídicos do Sindicato dos Servidores da Justiça de 2ª Instância do Estado de Minas Gerais.
Edição: Larissa Costa