A pandemia acelerou a situação de crise em que o transporte coletivo já se encontrava antes
Por Annie Oviedo
Este começo de mês trouxe duas boas notícias sobre transporte coletivo: no dia primeiro de julho, foi implementada a tarifa zero em Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), e no dia primeiro de agosto os ônibus do município de Itapeva, em São Paulo, também serão gratuitos. Caeté e Itapeva tinham tarifa, respectivamente, de R$ 4 e R$ 4,50. No caso de Caeté, a tarifa era apenas 50 centavos mais barata do que a tarifa da capital mineira. E essa realidade se repete em outras cidades da RMBH: tarifas muito elevadas dentro dos municípios, completamente descoladas das realidades econômicas locais.
A questão é que a pandemia acelerou a situação de crise em que o transporte coletivo já se encontrava antes, com redução de viagens, de veículos, de linhas e de qualidade, saída de passageiros do sistema, mais pressão para aumento tarifário e, consequentemente, nova saída de passageiros do sistema. Esse é o círculo vicioso da tarifa. Quem pode, opta por alternativas como carros ou motos. As pessoas desempregadas ou autônomas, porém, não conseguem mais pagar pelo transporte e não conseguem mais se locomover e acessar a cidade. Basta ver o que aconteceu com o metrô. O aumento vertiginoso da tarifa se traduziu em queda abrupta do número de passageiros transportados.
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Esse cenário está diante de nós há muitos anos, mas se agravou por conta da queda acentuada de passageiros. As empresas de ônibus pressionam as prefeituras por algum tipo de auxílio, visto que um aumento neste momento parece politicamente pouco viável. Dizem estar no prejuízo, mas jamais saberemos, visto que não há nenhum tipo de transparência no setor ou informações sobre seus lucros e gastos.
O que temos é a experiência diária da queda de qualidade, ou seja, menos ônibus, menos horários, menos linhas. E cada vez mais lotados. A lotação dos ônibus, agora, é pior ainda, pois nos coloca em risco. E esse é um problema fácil de resolver, né. É só ter mais ônibus na rua e todo mundo estaria mais seguro. Mas mais ônibus na rua reduz a margem de lucro das empresas, então andamos em ônibus lotados – quando tem ônibus.
No cenário de empobrecimento, o transporte gratuito garante a todas as pessoas a possibilidade de se locomover, trabalhar, acessar equipamentos e serviços públicos
A implementação da tarifa zero procura lidar com esses problemas. Em um cenário de empobrecimento generalizado e perda de renda, o transporte gratuito garante a todas as pessoas a possibilidade de se locomover, trabalhar, acessar equipamentos e serviços públicos. Em Caeté, onde estivemos, isso é particularmente importante, porque o sistema de tarifa zero alcança os distritos, que são muito distantes do centro da cidade.
Por enquanto, essas cidades estão subsidiando as empresas que operavam o transporte antes da implementação da tarifa zero. É fundamental aumentar a transparência sobre os gastos, para saber para onde o dinheiro está indo. Igualmente importante é o trabalho de escuta da população usuária e dos trabalhadores rodoviários para entender quais as necessidades que virão, por exemplo outros trajetos, outros horários e assim por diante.
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Para poder financiar a tarifa zero, essas cidades movimentaram partes de seu orçamento, de maneira a garantir o dinheiro para pagar a operação. Isso mostra que a escolha de implementar tarifa zero, antes de tudo, é política. O sistema de transporte não é de graça. Sabemos. Mas existem várias formas de financiar a operação desse sistema, entre elas a destinação de recursos do orçamento. É urgente que paremos de tratar o governo como uma empresa que precisa economizar, enxugar, privatizar. Os governos (em qualquer instância) são feitos para o povo e usam recursos do povo para gerir espaços e serviços para o povo, para produzir políticas públicas emancipatórias.
A tarifa zero pode trazer uma revolução profunda na cidade e na vida das pessoas. É possível criar um sistema de transporte coletivo em que tenha ônibus em todo lugar, para todo lugar, o tempo inteiro. O transporte gratuito pode nos conectar de verdade, modificar nossa relação com o espaço público e ampliar nossas possibilidades de estar, não só de ir e vir.
Annie Oviedo é passageira de ônibus e integrante do Tarifa Zero BH
Edição: Larissa Costa