Minas Gerais

Coluna

Nove pontos de discussão mais prioritários do que a reformulação da BHTRANS

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"É preciso inverter o debate sobre o fim da BHTRANS e discutir quais são os passos necessários para que se possa exercer poder público – e popular – sobre a mobilidade urbana em Belo Horizonte" - Créditos da foto: BhTrans
PL apresentado pela PBH é importante, mas outras mudanças são necessárias para melhorar a mobilidade

Por: André Veloso

Na última semana, a Prefeitura de Belo Horizonte apresentou à Câmara de Vereadores, um projeto de lei (PL) para a extinção da Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte S.A., a BHTRANS, e sua substituição por uma Superintendência de Mobilidade Urbana (Sumob).

O PL 160/2021 que está na pauta da mídia local é importante. A BHTRANS de fato é uma estrutura anacrônica no arranjo administrativo da cidade e sua natureza de S.A. gerou, historicamente, muitos problemas, além da dissociação com outros órgãos do governo, como o planejamento urbano. Entretanto, o que quer se atentar aqui é que a apresentação do PL pode encobrir e disfarçar as verdadeiras prioridades para que se caminhe de maneira concreta rumo à melhoria da mobilidade urbana em Belo Horizonte.

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É preciso inverter o debate sobre o fim da BHTRANS e discutir quais são os passos necessários para que se possa exercer poder público – e popular – sobre a mobilidade urbana em Belo Horizonte. A reformulação da BHTRANS, ainda que necessária, não é a primeira na fila de prioridades e nem pode ser tratada como panaceia. É preciso discutir o principal instrumento de gestão da mobilidade urbana de Belo Horizonte: o contrato de concessão do transporte coletivo por ônibus, em vigor desde 2008 e previsto para continuar até 2028. Assim, elencamos nove pontos para serem discutidos com mais prioridade do que a reformulação da BHTRANS:

Prioridade número um: Combater o poder econômico e político das empresas de ônibus de Belo Horizonte.

Mesmo antes de se discutir o atual contrato de concessão, é preciso enfrentar esse problema. As empresas de ônibus em Belo Horizonte têm capacidade de articulação para além do sistema municipal, com atuação também no sistema metropolitano e em outros municípios de Minas Gerais e do Brasil. Independentemente do arranjo legal e administrativo proposto pelo poder público, elas buscam maximizar seu lucro por meio das variáveis disponíveis, muitas vezes de maneira ilegal e contra o interesse da população. O poder econômico conseguiu se sobrepor aos instrumentos formais de poder político e toda atuação referente à reformulação das políticas de mobilidade urbana deve ser pensada para diminuir e distribuir o poder das empresas de ônibus para outros setores da sociedade civil.

Prioridade número dois: Extinguir o atual contrato de concessão de ônibus.

O atual contrato de concessão do transporte coletivo por ônibus em Belo Horizonte está em vigor desde 2008 e previsto para continuar até 2028. Nesses 13 anos de atuação, o que se viu foi a diminuição da frota operacional e da produção quilométrica, a perda de passageiros pagantes e um aumento indiscriminado da tarifa, que só foi parado devido ao não-cumprimento, desde 2018, da cláusula 11, que prevê reajuste inflacionário de acordo com os índices de preços dos principais insumos. As revisões tarifárias quadrienais, travestidas de “auditoria”, previstas pela cláusula 22 para compensar esses reajustes anuais, só ocorreram duas vezes (em 2013 e 2018) e se provaram o mais absoluto fracasso. Não houve nenhuma capacidade das empresas auditoras em verificar custos, checar notas fiscais e compreender a dinâmica de operação das empresas de ônibus. Se controlar a transparência de custos do transporte público já era difícil antes de 2008, época em que a planilha de custos era atualizada a cada dez dias pelo poder público, imagine um acompanhamento à distância, feito por empresas de fora do setor, e a cada quatro anos. O contrato é letra-morta e só permanece de pé porque resguarda os direitos dos empresários de ônibus de serem ressarcidos pelos seus investimentos. Assim, é preciso demonstrar o não-cumprimento também por parte das concessionárias e encerrar a concessão sem indenização.

Prioridade número três: Abrir nova licitação para concessão, diminuindo seu prazo de vigência.

Uma vez que o contrato esteja em vias de cancelamento, é necessário fazer uma nova licitação para conceder a operação do serviço. Seu formato deve ser amplamente debatido, mas gostaríamos aqui de apontar para diretrizes imprescindíveis para que o poder público possa ter poder sobre o transporte. Diminuir o tempo de vigência da concessão de 20 para algo em torno de cinco anos é fundamental para evitar que empresários se sentem em cima de um latifúndio urbano legalmente garantido. As condições estruturais da mobilidade urbana mudam muito em duas décadas e não há nenhuma razoabilidade em se permitir uma operação tão dilatada no tempo. A título de comparação, quando fez a licitação para os permissionários do transporte suplementar, a prefeitura só concedeu dez anos de operação.

Prioridade número quatro: Retomar o controle público da receita tarifária e a Câmara de Compensação Tarifária (CCT).

Outro ponto imprescindível e inegociável de uma nova licitação deve ser a retomada do controle público sobre a arrecadação e a distribuição dos recursos que viabilizem a operação de ônibus. O que vimos nos últimos 13 anos com a operação privada da CCT é a ineficácia absoluta de instrumentos de coerção do poder público para fazer com que as empresas cumpram os regulamentos. Mais de 20 mil multas foram aplicadas sem que as empresas de ônibus passassem a operar dentro da linha. Agentes de bordo continuaram sendo demitidos, os ônibus continuaram a circular acima da lotação e a “janelar” horários indesejados. Somente mecanismos como o controle do pagamento pelo poder público e somente após o serviço prestado, dissociado da quantidade de passageiros transportados, pode impedir esse tipo de comportamento por parte dos agentes privados.

Prioridade número cinco: Dividir a licitação em partes distintas e independentes: garagens, aluguel de veículos, operação do transporte.

O processo de formação das empresas de ônibus garantiu que elas pudessem expandir seus negócios na “cadeia produtiva” do transporte público, controlando distribuidoras de combustíveis, revendedoras de veículos, maximizando a utilização de garagens para outras empresas de mesma propriedade e embolsando um sobrelucro advindo desse ganho de produtividade, declarando preços de compra e venda mais altos do que os verdadeiramente praticados. Para impedir que esse tipo de mecanismo que gera opacidade nos custos e na operação do transporte coletivo ocorra, é necessário dividir a licitação do transporte coletivo em módulos, a exemplo do que tem sido proposto em outras cidades sul-americanas como Santiago (Chile) e Bogotá (Colômbia). Dessa forma, uma licitação é feita apenas para o fornecimento dos veículos que irão operar, outra para a operação do serviço, que a propriedade das garagens seja da prefeitura, e assim por diante.

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Prioridade número seis: Assumir o controle do sistema de bilhetagem eletrônica.

Outro ponto fundamental da reformulação da concessão de transporte é que a prefeitura passe a controlar o Sistema de Bilhetagem Eletrônica (SBE): a venda de cartões de ônibus, a instalação e uso das máquinas de cartão, as bilheterias, os recursos de vale-transporte e todo o sistema e recursos que nele estão envolvidos.

Atualmente, a bilhetagem eletrônica é gerida pela Transfácil - o consórcio operacional formado pelas empresas de ônibus. Além de impedir a transparência no sistema, o controle privado da SBE permite cobranças abusivas e práticas lesivas à população, como o aluguel das máquinas para o sistema de transporte suplementar e a ausência de integração do cartão entre o sistema de táxi-lotação e os ônibus ou entre o transporte suplementar e o transporte convencional.

Prioridade número sete: Trazer novos atores para o transporte coletivo por ônibus, que não sejam as velhas famílias que estão nele há 70 anos.

A mudança de formato das licitações e a redivisão de poderes são elementos necessários para induzir algo que é fundamental, a renovação na operação dos ônibus. Atualmente, a maioria dos donos das empresas que estão operando no transporte coletivo de BH são filhos ou netos dos empresários pioneiros, que começaram a operação antes de uma regulação pública de fato existir, nas décadas de 1950 a 1970. A trajetória dessas empresas, sua sobrevivência a mecanismos de regulação e o impedimento de novos entrantes demonstram dois pontos: o primeiro é a formação de um cartel - que consegue manipular preços e instrumentos de regulação a seu favor nos setores legislativo, judiciário e executivo.

O segundo é o velho patrimonialismo brasileiro – dispor sobre um bem ou serviço público como se este fosse propriedade privada, tratando o lucro como prioridade em detrimento da efetivação de um direito. Novos atores para o sistema podem aparecer de vários lugares: desde as fileiras dos atuais permissionários do transporte suplementar da cidade, até empresas de fora do estado, sem esquecer a possibilidade do poder público gerir diretamente algumas etapas do processo, como a propriedade e o aluguel de garagens, por exemplo.

Prioridade número oito: Implantar faixas exclusivas de ônibus, bicicletários e uma infraestrutura que dê prioridade ao transporte coletivo e ativo.

Se os ônibus continuarem mais lentos, menos confortáveis e mais caros que o transporte individual motorizado, é evidente que continuaremos a perder passageiros. É preciso dar prioridade concreta ao sistema, com uma rede ampla de faixas exclusivas de ônibus para aumentar sua velocidade operacional. Além disso, medidas como a ampliação de ciclofaixas, ciclovias e bicicletários nas estações de integração são fundamentais para diminuir a quantidade de carros e motos em circulação nas ruas e dar um respiro para a cidade.

Prioridade número nove: Integrar a operação do transporte coletivo municipal e metropolitano.

Essa é outra prioridade evidente e escandalosamente negligenciada. Não faz sentido os sistemas não possuírem integração tarifária, terem cartões de ônibus separados e não intercambiáveis, ainda mais quando são as mesmas empresas e proprietários que operam os dois sistemas. Fica evidente que não há integração tarifária porque ela não é lucrativa para os empresários. Isso sem falar na ausência de integração física, com pontos de ônibus e estações do BRT-MOVE separadas uma das outras.

André Veloso é economista e integrante do Tarifa Zero BH

Edição: Larissa Costa