Minas Gerais

CONTRADIÇÃO

Usuários do SUS e da luta Antimanicomial manifestam na porta do Conselho de Medicina

Pedido de interdição dos Cersams não é compatível com a atual política de atenção à saúde mental, afirma PBH

Belo Horizonte - MG |
Manifestação acontece na próxima quinta-feira (05), às 14h - Reprodução

Nesta quinta-feira (5), usuários dos serviços de saúde mental, seus familiares, trabalhadores e movimentos sociais da Luta Antimanicomial irão realizar manifestação na porta do Conselho Regional de Medicina (CRM). O ato ocorre contra um pedido do CRM por interdição nos dezesseis Centros de Referência em Saúde Mental (CERSAM) de Belo Horizonte. A concentração acontece na Praça Afonso Arinos às 14h. 

Uma nota pública do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais causou revolta na última semana. Lançada no dia 24 de julho e divulgada em diversos jornais, o conselho informava que iria realizar uma “interdição ética” das atividades médicas em 16 Centros de Referência em Saúde Mental (Cersams) de Belo Horizonte.

CERSAMs fazem parte de uma rede de tratamento à saúde mental em liberdade

Os motivos alegados pelo Conselho de Medicina são a ausência de um médico, número insuficiente de profissionais e plantão noturno sem a presença de médico psiquiatra.

“Irresponsabilidade”

A possível interdição dos Cersams causou uma onda de comoção nas mais diversas entidades de saúde de Belo Horizonte. Uma nota conjunta de quatro coletivos médicos ressaltou que conselhos não podem realizar este tipo de fechamento. Essa função compete à Vigilância Sanitária, nos termos da lei 9.782.

Os coletivos classificam a atitude do conselho como uma “irresponsabilidade diante da desassistência à população que uma tal interdição” pode causar. Assinam a nota o Movimento Psiquiatria, Democracia e Cuidado em Liberdade; a Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia de Minas; o Núcleo Mineiro da Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia; e a Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares.

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Também o Sindicato dos Servidores e Empregados Públicos Municipais de BH (Sindibel) se pronunciou contra a tentativa do Conselho de Medicina. “Os avanços obtidos pela Reforma Psiquiátrica e pela Luta Antimanicomial em BH são uma conquista democrática e fizeram de Belo Horizonte uma referência de cuidado em liberdade para todo o Brasil”, pronunciou-se o sindicato.

Cersams continuam abertos

A Prefeitura de Belo Horizonte respondeu, à reportagem, que os Centros de Referência em Saúde Mental continuarão funcionando normalmente. “O município não reconhece nenhuma das irregularidades apontadas”, informou.

Esclareceu ainda que, de acordo com diretrizes do Ministério da Saúde, o financiamento de leitos psiquiátricos está sendo revertido para custeio de equipamentos ambulatoriais, com uma proposta terapêutica integral e humanizada. Essa posição vai de encontro à crítica do Conselho Regional de Medicina sobre a falta de médicos psiquiatras nos plantões que, na verdade, não seriam exigência para os serviços nos Cersams.

Palavra de usuária

“A primeira coisa que é importante esclarecer é que tem, sim, médicos no quadro profissional dos Cersams”, conta Laura Fusaro Camey, vice-presidenta da Associação dos Usuários de Serviço de Saúde Mental de MG. “Nosso serviço segue as portarias que existem. O Conselho de Medicina pede um diretor técnico médico, que é um cargo na portaria do CFM [Conselho Federal de Medicina] de 1.932, 50 anos antes do surgimento do SUS”, esclarece.

Na opinião de Laura, a denúncia do Conselho de Medicina tem como pano de fundo a posição desta entidade contra o tratamento antimanicomial.

“O Conselho Regional de Medicina nunca agiu contra nenhum hospital psiquiátrico nem comunidade terapêutica. Temos relatórios robustos, de 500 páginas, com coisas da ordem do abominável – práticas institucionais de violação de correspondência, pessoas contidas fisicamente por dias seguidos, prescrição de remédios com intenção de dopá-la por dias seguidos, quartinhos de tortura e tinha médicos que iam lá. Mas o CRM não fez nada”, lamenta Laura.

Fundo do conflito teria relação com fechamento do Galba Veloso

Fortalece essa teoria que o fechamento do Hospital Galba Veloso em Belo Horizonte, que possuía leitos de internação psiquiátrica, tenha sido um dos motivos citados pelo Conselho Regional de Medicina à mídia. Na argumentação do conselho, o fechamento das vagas causou um fluxo de pacientes para os Cersams, portanto, estes equipamentos deveriam ter médicos psiquiatras para atendê-los.

Porém, diferente do Galba Veloso, os CERSAMs fazem parte de uma rede de tratamento à saúde mental em liberdade. No plantão diurno, os Cersams realizam o acolhimento de pacientes sem limitação de vagas. Na modalidade noturna, existem 92 vagas, além de 10 leitos no Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro, para onde são encaminhados pacientes que precisam de internação.

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Janaína Dornas, coordenadora da Comissão Municipal de Reforma Psiquiátrica do Conselho Municipal de Saúde de BH, reforça que o fechamento dos leitos psiquiátricos do Galba Veloso foi acertado.

“Desde que o Galba fechou, pessoas da Comissão Municipal de Reforma Psiquiátrica estão indo toda semana ao Instituto Raul Soares, que é um hospital psiquiátrico em Belo Horizonte e que atende todo o estado, e nunca faltou vaga”, garante. Segundo Janaína, desde 2016 nunca houve lotação de 100% no extinto Galba Veloso. “E com o fechamento, continua não faltando vaga no Instituto Raul Soares”, completa.

Conselho Municipal de Saúde se manifesta

Para debater a possível interdição dos Cersams, o Conselho Municipal de Saúde realizou uma plenária em 29 de julho com a participação de 400 pessoas, o que foi classificado pelo conselho como “histórico”. Os presentes decidiram manifestarem-se pela manutenção dos CERSAMs.

“Coletivamente foi reafirmado mais uma vez a defesa incontestável da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do SUS-BH, composta pelos CERSAMs e dos Serviços de Urgência Psiquiátrica (SUPs), em seu modelo de cuidado em liberdade e antimanicomial”, afirmou nota do Conselho de Saúde.

Porém, também foi requisitado que a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte apresente um plano de ações, no prazo de 30 dias, para enfrentar os problemas dos CERSAMs, tais como ampliação e recomposição das equipes profissionais, educação permanente, insumos e recursos materiais em quantidade e qualidade adequadas.

Equipamentos da rede

Belo Horizonte conta com 8 Centros de Referência em Saúde Mental (CERSAM) e 5 Centros de Referência em Saúde Mental – Álcool e outras Drogas (CERSAM-AD). Essas unidades oferecem serviços 24 horas, com funcionamento todos os dias da semana, inclusive sábados, domingos e feriados. No que se refere ao atendimento em saúde mental para crianças e adolescentes, são 3 centros especializados (CERSAMIs).

Ainda integram a Rede de Atenção Psicossocial: 33 Residências Terapêuticas, 4 Consultórios de Rua e 2 Unidades de Acolhimento Transitório Adulto e Infanto-juvenil; além de 9 centros de convivência e todo complexo de atendimento da atenção primária, os 152 Centros de Saúde que possuem equipes de saúde mental.

 

Edição: Elis Almeida