Minas Gerais

Coluna

Fiesp, Fiemg e Graciliano

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Reprodução - Arquivo Fiemg
O feijão está muito caro e o presidente aconselha comprar fuzil.

Os patrões anunciam manifestações pela democracia e voltam atrás no primeiro rosnado chantagista do governo. O país sofre o autoritarismo e convive com a covardia.

Como diz o conhecido grito de protesto dos movimentos trabalhistas, feijão e patrão, só na pressão.

Em outras palavras, não há saída para a crise econômica e social e menos ainda para os conflitos entre capital e trabalho sem uma disputa política profunda, com direito a confrontos, greves, manifestações populares de massa e tomada das ruas, inclusive no Sete de Setembro. A ideia que vem sendo acalentada de uma conciliação de classes como saída já mostrou seus limites. O país não está dividido, ele é dividido.

 Fiemg tem se tornado mais realista que o rei

O Brasil, sob Bolsonaro, foi acumulando uma fila de defecções entre aliados de primeira hora, até que ficou o núcleo duro do Centrão, militares e fanáticos religiosos ou não. Os tais 25%, que é muita gente. Em torno deles gravitam outros segmentos, ao sabor de pautas como o conservadorismo de costumes, promessas ultraliberais, enfraquecimento das defesas ambientais, desmonte dos direitos trabalhistas, armamentismo e anticomunismo.

No entanto, o abandono do barco muitas vezes é puro jogo de cena ou, no máximo, um desconforto com a grosseria do presidente e seu entorno. A melhor forma de romper sem romper tem sido a edição de cartas a favor de bandeiras universais, como a democracia, mas sem fechar as portas. Algo que pegou inspiração no amplo movimento das entidades do campo popular e democrático, apegando à forma e desidratando a atitude.

Bolsonaro acumula fila de defecções entre aliados de primeira hora

Ninguém tem feito melhor esse jogo que a mídia corporativa, hoje iracunda no varejo enquanto preserva no atacado a repetida falácia dos dois extremos e da necessidade de uma terceira via. Por isso, de tempos em tempos, é sempre conveniente pautar o debate sobre a regulação da mídia como “tentação autoritária” ou afirmar, na contramão das decisões judiciais, que Lula ainda tem contas a acertar com a Justiça. E não o contrário.

Orgânicos e recalcitrantes

Os mais orgânicos e recalcitrantes apoiadores do presidente, os empresários e banqueiros, finalmente ensaiaram um movimento mínimo de dignidade de classe, ainda que sem querer correr riscos, anunciando um documento em defesa da democracia a partir da Federação das Indústrias de São Paulo, a Fiesp, e da Federação Brasileira de Bancos, a Febraban. O documento rolou de mão em mão, o suficiente para a reação do governo.

As mesmas entidades patronais que apoiaram o golpe e ajudaram o governo a se eleger, com muita grana e retórica pretensamente liberal, parecem constrangidas a afirmar alguns valores antes da derrocada que parece inevitável. Assim como o Centrão na política, eles são, no campo econômico, grupos a favor de quem está no poder. E o poder, ao que tudo indica e se não houver golpes, deve mudar de mãos. Hora de guardar o pato e se dispor a um pacto. E exibir, na undécima hora, sua cota de indignação.

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No entanto, mesmo depois de apresentado à sociedade, o documento teve suspensa sua exibição pública em razão da ameaça de atitudes revanchistas do governo. Além de divulgar que iria retirar a Caixa Econômica e o Banco do Brasil da Febraban, seguiu-se o jogo pesado de impedir aos bancos privados signatários a participação no jogo financeiro em que o governo tenha parte, inclusive privatizações. Para quem tem no dinheiro seu Deus, não há empenho democrático que supere o ataque ao bolso. Há um fundamentalismo da grana.

Por um lado, o isolamento de Bolsonaro junto ao capital industrial e financeiro ficou com o nervo exposto. Por outro, as federações se mostraram fracas frente à pressão sobre seus negócios. Mostraram que são boas para apoiar e covardes para afirmar discordâncias. Num manifesto que fala de liberdade, deixa de ser incoerência para se revelar hipocrisia.

Fiemg bolsonarista

Mas tudo pode piorar. A Federação das Indústrias de Minas Gerais, a Fiemg, divulgou nos últimos dias um manifesto para chamar de seu. Não precisou retirar o documento de cena, já que se alinha estritamente a Bolsonaro e seu epígono-mirim, Romeu Zema. O texto ataca o STF, defende a liberdade de expressão sem limites e critica as decisões que retiraram o financiamento dos sites espalhadores de fake news.

A entidade que representa os empresários mineiros é bolsonarista não é de hoje. Problema dela. O que parece grave é que tem se tornado mais realista que o rei. Quando até os ruralistas falam em “harmonização dos poderes”, a Fiemg embarca na canoa anti-STF e faz ligação direta entre o empenho em produzir e empreender e a defesa das liberdades individuais, pelo visto, até mesmo as de promover mentiras, ódios e ações contra a democracia. Não é um acaso que tenha agradado Bolsonaro, que anda panfletando o manifesto entre apoiadores como quem diz: “É assim que se faz”.

Eu não me sento ao lado de patrão

Patrões, capitalistas, acionistas, investidores e financistas são seres complexos e diversos. Mas tem hora que é bom limpar o terreno e ficar no essencial. Até para saber de que lado se está. O mais exato dos nossos escritores, Graciliano Ramos, autor de Vidas secas, não gastava palavras, usava apenas as necessárias, inclusive as mais duras. Comunista, também não se perdia em rapapés com chefias, mesmo as que gostavam de exibir amizade com o celebrado escritor.

Numa ocasião, ele deixou de ir ao jantar de aniversário do jornal em que trabalhava, o Correio da Manhã. No dia seguinte, foi cobrado pelo dono: “Seu lugar ficou vazio, ao meu lado”. O romancista respondeu: “Bem feito. Eu não me sento ao lado de patrão”. A conversa continuou: “Mas eu sou um patrão diferente”. E Graciliano nocauteou: “Você que pensa. Todo patrão é filho da puta”.

Os manifestos das federações de bancos e dos capitães de indústria de Minas e São Paulo, em termos de estilo, são totalmente anti-gracilianos em sua pompa, hipocrisia e gordura. Em seu espírito, exibem bem o diagnóstico simbólico de nossas elites proposto pelo autor de São Bernardo. Têm medo de atacar quando confrontados, não têm vergonha em aderir quando conveniente. Afinal, são patrões.

 

Edição: Elis Almeida