Podemos e precisamos lutar por uma unidade mínima e programática
Completamos cinco anos da concretização do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff. As horripilantes declarações na Câmara dos Deputados já demonstravam muito nitidamente, naquela época, qual era o projeto político que estava sendo inaugurado. Não foi pela contestação das eleições feita pelo PSDB de Aécio Neves, nem pelo preço da gasolina atrelado a uma suposta corrupção da Petrobrás, ou pelo o preço do dólar, nem mesmo pela “pedalada fiscal”, que foi a ridícula base jurídica para o golpe e “legalizada” dois dias depois pelo governo Temer do PMDB. Foi pela destruição dos direitos sociais e do patrimônio público do povo brasileiro, foi pelo conservadorismo, pelo retrocesso e o autoritarismo.
Nesse processo, quem se destacou nessa votação e foi ovacionado nos atos verde-amarelo, foi Bolsonaro. E, assim, somado à prisão de Lula, os golpistas e as instituições rompem com a frágil estabilidade democrática brasileira e abrem espaço para o neofascismo chegar ao poder e fortalecer uma política ultraliberal. Acompanhar as votações do Congresso Nacional atualmente é assistir à destruição do nosso patrimônio, direitos trabalhistas e sociais em uma espécie de recolonização do país.
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Nossa classe sente no estômago a dor do retrocesso e nós, como organizações de esquerda, precisamos ajudar a construir um novo futuro para o Brasil. É possível construí-lo em aliança com aqueles que nos trouxeram até aqui? A urgência de derrotar o bolsonarismo não pode jamais nos fazer recuar da necessária independência política e programática da esquerda para enfrentar um projeto contra o povo que vai além do próprio presidente.
Em Minas Gerais, os votos bolsonaristas garantiram que o partido Novo se instalasse na Cidade Administrativa. O governador Romeu Zema é um dos mais leais ao governo federal, independente da queda de popularidade ou da escalada das ameaças golpistas de Bolsonaro. O partido Novo está dividido. Apesar de gostarem da agenda ultraliberal do governo, defendem hoje o impeachment, enquanto um setor minoritário do partido apoia descaradamente o programa neofascista também em sua dimensão autoritária. Infelizmente não estão sozinhos, a Federação de Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) soltou uma nota temerária de conteúdo golpista e antidemocrático, defendendo sites que disseminam notícias falsas e ameaças contra instituições, setores oprimidos e opositores de Bolsonaro em geral.
Por outro lado, como concorrente de Zema, temos o atual prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), que já se colocou, em alguns momentos, contra o presidente da República, principalmente ao tratar da gestão federal da pandemia. Assim como João Dória e Eduardo Leite (PSDB) ou até o mineiro Rodrigo Pacheco (DEM) – que criticou a nota da Fiemg – Kalil se coloca em oposição ao bolsonarismo e em defesa das instituições da democracia brasileira. Em seu primeiro mandato manteve uma base sólida na Câmara Municipal, unindo-se a vereadores fundamentalistas. Hoje, a esmagadora maioria desses vereadores migra seu apoio para Zema. Kalil tem acumulado desgastes e perdido aliados políticos, mas segue com grandes chances de disputas ao governo do estado, uma vez que Zema não tem deslanchado nas últimas pesquisas eleitorais.
A contradição do cenário é que Luiz Inácio Lula da Silva lidera as pesquisas em Minas Gerais, segundo maior colégio eleitoral do país. E aqui começa o nosso debate. É imprescindível que aqueles que construíram a resistência nas ruas contra o neofascismo e pelas liberdades democráticas se expressem nas eleições com um projeto de futuro que renove a esquerda em nosso estado. O peso eleitoral e social de Lula pode estar a serviço dessa estratégia e colocar a esquerda na disputa ao governo.
Temos diferenças históricas, políticas e estratégicas entre as organizações e partidos da esquerda brasileira, mas podemos e precisamos lutar por uma unidade mínima e programática. Acabamos de realizar a etapa estadual do 7º Congresso do PSOL com uma votação histórica da nossa militância. Saímos do processo com a vitória de uma perspectiva política necessária à unidade da esquerda pela derrubada de Bolsonaro nas ruas, mas também nas urnas. É com esse espírito que devemos debater a derrota de Zema em Minas Gerais.
Nosso partido é crítico ao balanço dos governos Lula e Dilma, e ainda mais ao ex-governador petista Fernando Pimentel, mas sabemos do nosso papel e não fugimos à luta. Foi assim quando lutamos contra o golpe, pelo Fora Temer, denunciamos a farsa da operação Lava Jato, lutamos pela liberdade de Lula e pela garantia de seus direitos políticos, e nas eleições de 2018 estivemos juntas no #EleNão e no vira-voto. Agora seguimos juntos na resistência ao governo nos atos pelo Fora Bolsonaro. Esse bloco social que está nas ruas precisa ter uma candidatura que expresse as mobilizações, sem aliança com os golpistas ou a direita tradicional que se apresenta como “terceira via”, mas articulou o golpe que abriu caminhos para Bolsonaro.
É possível construir uma perspectiva nova para a esquerda mineira em aliança com as mulheres, a juventude, as LGBTQIA+, a cultura, o movimento negro, a educação popular, as campanhas de solidariedade, as lideranças comunitárias, as ocupações, ambientalistas populares e as pessoas que lutam todos os dias para fazer o estado funcionar. Foi a tentativa da candidatura de Áurea Carolina para a prefeitura de Belo Horizonte que, caso tivesse sido consolidada uma unidade, teria colocado a esquerda com toda a certeza em segundo lugar nas eleições da capital. Nós não podemos abrir mão disso mais uma vez. A esquerda unida, com apoio de Lula, Boulos, Manuela D’ávila, pode se consolidar como maioria nas ruas em Minas Gerais e, quando chegar o momento eleitoral, alcançar o segundo turno nas eleições para governo do estado novamente.
A palavra liberdade está em disputa. Fundamentalistas, bolsonaristas e os “liberais” sequestram o seu sentido para uma perspectiva individualista e capitalista, pela liberdade de explorar, reprimir, mentir, odiar. Nós devemos apresentar a nossa perspectiva de liberdade! Amar, ser, estar e viver. Com direitos, com dignidade, com esperança. Nosso povo quer ser livre e a nossa obrigação histórica é apresentar uma alternativa à altura deste sonho. Vamos sem medo aos debates!
Iza Lourença é vereadora em Belo Horizonte pelo PSOL
Edição: Larissa Costa