Há no ocidente uma ideologia, de cunho liberal, que o peso das diferenças sociais pode ser aliviado pela crença que a mobilidade social no sistema capitalista, pelo mérito, anula as desigualdades de nascimentos. Na retórica dessa ideologia, para que alguns “mal nascidos” possam atingir escalas ou camadas sociais mais altas que de sua família de origem, é necessário trabalhar duro, dando o melhor de si, acreditando que os ricos conseguiram suas fortunas seguindo as regras do jogo.
Quando o 1% mais rico da população concentra 25% da renda, a bomba atômica econômica explode e o capitalismo entra em crise
Os americanos chamam isso de “self made man”. O mito da mobilidade social pelo mérito deu lugar ao terror do rebaixamento, com as novas concepções e ações do neoliberalismo. Conforme o economista francês Thomas Piketty, as desigualdades no mundo não deveriam ser vistas só no aspecto econômico, considerando que existem outras dimensões de desigualdades como a de cor da pele; a predominância do homem sobre a mulher e níveis de escolaridade. Pierre Bourdieu, analisando o sistema escolar francês, concluiu que, em vez de ter uma função transformadora, ele reproduz e reforça a desigualdade social.
Nos mandatos governamentais de Lula e Dilma incrementou-se o sistema de cotas no ingresso às universidades como forma de superar essa questão, considerando que as grandes escolas ou universidades estão cada vez mais fechadas para as categorias populares. Em oposição a essa política de inclusão, de universidade para todos, o ministro da Educação de Bolsonaro, Milton Ribeiro, declarou que a universidade deve ser para poucos e que existem engenheiros trabalhando no Uber. Advoga um ensino puramente técnico para formar mão de obra operária. Em resposta a essa falsa narrativa, o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janini, disse que “quando um engenheiro trabalha do Uber, é preciso melhorar a economia e não fechar universidades”.
Crescimento só para os ricos
O tão almejado e tão reclamado crescimento econômico (aumento do PIB) em quase todos os países só tem beneficiado os mais ricos. Nos EUA, apenas 1% da população se beneficia do crescimento econômico. O jornalista Serge Halimi formulou a seguinte questão: qual é a melhor forma de dizer que os ricos imprimem fortemente sua marca no Estado e no sistema político? Eles votam com mais frequência, financiam mais que outros as campanhas eleitorais e o mais importante, exercem uma pressão contínua sobre os eleitos e os governantes. Em face desse poder político, o crescimento da desigualdade se deve, em grande parte, ao nível baixo da tributação do capital. Os ricos mantêm lobby permanente no Congresso, no Judiciário e no poder Executivo.
Em 2012, o ganhador do prêmio Nobel de economia, o estadunidense Joseph Stiglitz, publicou o livro intitulado “O preço da desigualdade”, tendo tido para tal obra, a colaboração do economista italiano Mauro Gallegati. Nessa obra, ele afirma que a classe de 1% mais rica do mundo não é muito afeita ao consumo. Mesmo que o fosse não contribuiria com o desenvolvimento industrial e com o PIB. Somente uma classe média bem-sucedida e favorecida pela distribuição de renda tende a consumir todos ou quase todos os seus recursos, sustentando o PIB do próprio país e a economia de modo geral.
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O enunciado científico de Stiglitz e Gallegati é o seguinte: quando o 1% mais rico da população concentra 25% da renda, a bomba atômica econômica explode, isto é, o capitalismo entra em crise. Para eles, isso aconteceu em 1929, 1998 e de 2003 a 2008. A descoberta de Stiglitz e Gallegati demonstra que a desigualdade corrói o PIB até matá-lo, não só por causa da queda do consumo, mas também porque o sistema de concentração é ineficiente. Esse foi o maior ataque teórico e científico ao neoliberalismo. Joe Biden, atual presidente dos EUA já entendeu essa lição, mas não sabemos se vai conseguir fazer o contrário de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, fundadores desse desastre chamado neoliberalismo.
Antônio de Paiva Moura é docente aposentado e mestre em história pela PUC-RS
Edição: Larissa Costa