Luta pela terra incomoda e desestabiliza o capital e o Estado
A luta pelo direito humano fundamental ao acesso à terra, travada pelos Sem Terra é uma luta que interpela o Estado, a classe dominante e o pensamento pedagógico, além de outros incômodos que desencadeia.
Nesse sentido, Miguel Arroyo, no livro Outros Sujeitos, Outras Pedagogias, analisa: “a tomada de consciência dessas populações mantidas por séculos sem direito a ter direitos ao teto, à terra, à saúde, à escola, à igualdade e à cidadania plena se fazem presentes em ações e movimentos, em presenças incômodas que interrogam o Estado, suas políticas agrária, urbana, educacional. Interrogam a docência, o pensamento pedagógico, as práticas de Educação popular e escolar”.
A luta pela terra, travada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e por dezenas de outros movimentos camponeses, incomoda e desestabiliza quem se deleita na ordem estabelecida do capital.
Luta contra agronegócio cria condições para emancipação da humanidade
Sendo novos e questionadores sujeitos, os Sem Terra incomodam, como analisa Miguel Arroyo, ao se referir aos Sem Terra como Outros: “outros na agenda política e até pedagógica se tornam extremamente incômodos ao pensamento pedagógico porque o obrigam a se entender inseparável das formas políticas, culturais e de sua produção/conformação como subalternos. Ao reagir a esse ser pensados e feitos subalternos desconstroem as autoidentidades do pensamento pedagógico”.
Integrando o legado de Antônio Gramsci, a categoria subalterno faz referência a um “conjunto diversificado e contraditório de situações servindo para nomear classes com ausência de poder de mando, de poder de decisão, de poder de criação e de direção” (YAZBEK, 1993, p. 18). Pedagogia de emancipação humana não é simplesmente a que promove uma mudança de método, mas a que passa por uma “revolução copernicana”: dos objetos e dos métodos, dos conteúdos e das instituições para os sujeitos.
Estes, os sujeitos, serão o sol ao redor do qual os planetas – objetos e métodos – girarão. Entrevemos pedagogia do oprimido, como pedagogia de emancipação humana, no seio da classe camponesa na luta pela terra: pedagogia que persevera em lutas constantes, em movimentos permanentes da opressão à libertação-emancipação.
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Luiz Américo Araújo Vargas, na tese “Por uma pedagogia da luta e da resistência: a educação como estratégia política no MST”, faz referência à emancipação humana diversas vezes. Por exemplo, ele aponta a necessidade de emancipação humana, no entanto analisa que a ideologia do desenvolvimento sustentável adia a possível emancipação humana.
Vargas afirma também que “o MST, ao assumir a luta contra um de seus inimigos reconhecidos, o agronegócio, engendra condições para produzir uma cultura renovada e, com ela, um processo educativo que pensa a emancipação de toda a humanidade”.
Ao se referir a um Encontro de Sem Terrinha - categoria ‘cunhada’ pelas próprias crianças do MST no Primeiro Encontro Estadual das Crianças Sem Terra de São Paulo em 1997 - Vargas postula a “construção de uma proposta educacional coerente com a formação de sujeitos históricos em luta pela emancipação de sua classe” e nota que “os sujeitos sociais em luta coletiva e algumas de suas práticas plasmam outros sentidos e outros caminhos, cuja potência de emancipação é difícil de prever, mas de cujo desenvolvimento gesta uma práxis que se refaz na luta e na disputa por hegemonia”.
Vargas constata ainda que “palavras-categorias, tais como classes, lutas de classes, trabalho, ideologias, emancipação e socialismo, muito difundidas, têm sido pouco apreendidas e muito combatidas” e advoga também que uma “educação, tomada como estratégia política, possa contribuir no processo de emancipação dos sujeitos em luta pela transformação da sociedade de classe capitalista”.
Sob a égide do sistema do capital “os progressos e avanços culturais e tecnocientíficos acumulados historicamente pela humanidade pouco ou nada têm servido à emancipação humana”. Sob o capitalismo contemporâneo, “a lógica da mercantilização circunscreve as dimensões da vida ao lucro e não à emancipação humana”.
Vargas postula a necessidade da construção de conhecimento como crítica permanente da história que possa contribuir com o agir humano no processo de emancipação e entende que “um projeto de emancipação humana que sustenta a educação como uma dimensão da estratégia política de superação das relações sociais capitalistas precisa superar as práticas educacionais reprodutoras da ideologia que naturaliza essas relações”.
É pela práxis de educandos e educadores, na luta enquanto Sem Terra do MST, que a emancipação humana poderá se dar. “A educação tomada como estratégia política nas lutas dos explorados por sua emancipação reivindica a práxis de educandos e educadores”.
Alexandre Barbosa, na tese “A Comunicação do MST: uma ação política contra-hegemônica”, de 2013, na USP, faz referência duas vezes à categoria emancipação dos trabalhadores. Ele indica que “as ações do MST, tanto no campo das lutas populares, como no campo da Comunicação catalisam as ações de emancipação das classes populares” e constata que “as propostas de assentamento oferecidas ao longo da história não contemplavam a emancipação dos trabalhadores, pelo contrário, aumentavam a dependência em relação ao capital”.
Fica patente a necessidade de que a pedagogia do MST seja de fato de luta e de resistência para poder empreender processo de emancipação humana. Pela perspectiva da comunicação, Barbosa afirma a necessidade de emancipação dos trabalhadores camponeses e vê nas ações do MST um catalisador de processo emancipatório.
Para além de uma pedagogia da luta e da resistência focando a educação como estratégia política e a comunicação como ação política contra-hegemônica ensejando processos emancipatórios – para além de incluir, buscar superar -, buscamos compreender que tipo de luta pela terra pode se tornar de fato processo de emancipação humana, social, econômica, política, cultural, religiosa e, necessariamente, sustentabilidade ecológica.
Enfim, a luta pela terra, se realizada de forma emancipatória, incomoda e desestabiliza o capital e o Estado.
Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica)
Edição: Elis Almeida