O plenário da Assembleia Legislativa recebeu do governo Zema, na quarta (6), um novo texto para o Projeto de Lei (PL) 1.202/19, que prevê a adesão de Minas Gerais ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) do governo federal. Se esse texto for aprovado, a dívida do estado com a União, de mais de R$ 130 bilhões, poderá ser temporariamente suspensa e, depois, retomada com o pagamento de todos os encargos e o valor aumentado, comprometendo futuros governos.
Minas Gerais vai perder autonomia, ficando sob intervenção federal por nove anos
Pelo alongamento da dívida, o Regime imporá a Minas Gerais uma série de exigências, como a não realização de concursos públicos, o congelamento de salários, a venda de estatais, a proibição de novos investimentos nas áreas sociais e o aumento das alíquotas de contribuição previdenciária dos servidores.
O PL 1.202/19 tramitará na Assembleia em turno único, passando pelas Comissões de Constituição e Justiça (CCJ), de Administração Pública e de Fiscalização Financeira e Orçamentária (FFO), antes de ir a plenário para votação. Na sexta-feira (1), o governo apresentou um pedido de urgência para o projeto.
Minas sob intervenção federal
Pelas regras do Regime, definidas na Lei Complementar (LC) 178/2021, a gestão financeira do estado será subordinada a um conselho de supervisão, composto por um representante do Tribunal de Contas da União (TCU) e outras duas pessoas, de livre escolha, podendo ser até mesmo empresários ou banqueiros. Situações como a contratação de professores, médicos e pesquisadores passarão pelo crivo desse conselho.
“A adesão ao Regime é um pacote fechado. O Estado deverá observar as normas de contabilidade editadas pelo órgão central de contabilidade da União. Então, o Tribunal de Contas do Estado não vai mais definir se o plano de contas é deste ou daquele jeito”, afirma a auditora fiscal Maria Aparecida Meloni, Papá, presidente da Associação dos Funcionários Fiscais do Estado de Minas Gerais (Affemg).
Desde que o Rio de Janeiro aderiu ao RRF a dívida saltou de R$ 106 bilhões para R$ 172 bilhões, um acréscimo de R$ 66 bi
Papá alerta que, com a adesão, Minas não poderá questionar judicialmente nenhuma cláusula do contrato da dívida com a União. Se o estado cumprir todas as obrigações e, mesmo assim, atrasar o pagamento, a União poderá até sequestrar receitas tributárias do Estado.
Desta forma, Minas Gerais vai perder autonomia, ficando sob intervenção federal, por nove anos, perpassando três mandatos de governadores. Seria como assinar um cheque em branco para o governo federal, substituindo o próximo governador que a população eleger por um seleto grupo que não estará sujeito a nenhum tipo de controle popular. Na prática, qualquer programa de governo que fuja às diretrizes do conselho de supervisão não poderá ser implementado.
“As questões relacionadas à educação pública, superior ou básica, as questões da relação entre o estado e os municípios, as questões relacionadas à saúde e quaisquer políticas públicas não poderão ser feitas”, criticou a deputada Beatriz Cerqueira (PT), durante a sessão da última quarta (6).
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A perda de autonomia afetará não apenas o Poder Executivo. Papá cita o parágrafo 1º do Art. 4º da LC 178, segundo o qual o governo estadual solicitará aos demais poderes e órgãos autônomos (Ministério Público, TCE, Poder Legislativo, etc) informações para elaborar o plano de recuperação, segundo os prazos definidos pela Secretaria do Tesouro.
“Então, ele [o Poder Executivo] elabora o plano e verifica as leis necessárias. Por exemplo, se a Reforma da Previdência está de acordo com o que manda o regulamento, se a Reforma Administrativa atende. Para aquilo que afeta as receitas ou despesas do Estado, será necessário um aval da PGFN [Procuradoria Geral da Fazenda Nacional]. A autonomia federativa estará comprometida. A própria autonomia da Assembleia Legislativa também”, observa a auditora.
O mesmo caminho do Rio de Janeiro
O Regime de Recuperação Fiscal foi criado pelo governo Temer em 2017, por meio da Lei Complementar 159, e alterado pelo governo Bolsonaro, com a Lei Complementar 178/2021.
Em setembro de 2017, o Rio de Janeiro foi o primeiro e único estado a aderir ao Regime de Recuperação Fiscal. Na época, o então governador, Luiz Fernando Pezão (MDB), alegava que isso ajudaria a resolver o problema da dívida explosiva do Estado.
Na última terça-feira (5), a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou a adesão a um novo Regime de Recuperação Fiscal (RRF), prevendo mais medidas de austeridade pelo prazo de uma década. A votação foi acompanhada com protestos de servidores públicos contrários à proposta.
Segundo o novo regime, o pagamento da dívida com a União fica suspenso no primeiro ano e é retomado nos nove seguintes, de forma parcelada, aumentando o valor da parcela gradativamente.
Desde que o Rio de Janeiro aderiu ao RRF, há quatro anos, a dívida consolidada líquida saltou de R$ 106 bilhões para R$ 172 bilhões (um acréscimo de R$ 66 bi), chegando a 281% da receita corrente líquida (antes, eram 230%). Os dados são do relatório de encerramento do Plano de Recuperação Fiscal do Rio de Janeiro.
Edição: Elis Almeida