“Somos um coletivo em construção, um agrupamento de trabalhadores e trabalhadoras da música, do teatro, da literatura, da poesia, do audiovisual, da fotografia, da dança, além de professores, artesãs, grafiteiros, tatuadores, produtoras culturais, rappers... Enfim, somos fazedores de cultura que não abrem mão da luta por justiça social”. É assim que o escritor Mércio Antunes descreve a articulação inédita do setor cultural de Montes Claros, cidade do Norte de Minas Gerais.
Pós-pandemia vai exigir do setor cultural muita luta
A experiência, que surge em 2020 no auge das medidas de isolamento impostas pela pandemia de covid-19, tem se consolidado na cidade como uma estratégia coletiva que envolve a resistência do setor artístico e o fortalecimento da identidade cultural de movimentos e coletivos da cidade. O que no início era uma articulação específica para a execução da Lei Aldir Blanc - aprovada em junho do ano passado e que financiou ações emergenciais para cultura -, hoje é uma iniciativa de luta por uma política cultural no município.
“O chamado pós-pandemia vai exigir de nós muita luta. Quem faz cultura e não sabe lutar por emancipação popular, vai ter que aprender”, afirma Mércio. “A perspectiva futura não é otimista, pelo menos enquanto estivermos sob a égide de governos bolsonaristas ou de mentalidade bolsonarista. E desse modo, não adianta a classe cultural achar que, com a liberação dos protocolos sanitários, a movimentação cultural será facilitada. Não vai”, avalia.
Lei Aldir Blanc teve impacto potencializador da classe artística
Para ele, enfrentar o desmanche da cultura promovido pelo governo federal exige a organização popular e a integração entre o setor artístico e os movimentos populares. E em Montes Claros, o grupo Fazedores de Cultura tem assumido ações em parceria com o Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), com o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e com o Levante Popular da Juventude.
“Se de um lado ajudamos os movimentos no fortalecimento de sua identidade cultural, de outro estamos aprendendo a nos mobilizar, a nos engajar, a nos organizarmos melhor, fazendo da solidariedade um potente instrumento de luta”, aponta.
História
Tainá Bulhões, que é produtora cultural de Montes Claros, explica que a articulação dos Fazedores de Cultura surge no processo de luta pela aprovação da Lei Aldir Blanc e frente à realidade de inexistência do Conselho Municipal de Cultura ou de outro espaço que representasse o setor cultural na cidade. A necessidade, segundo ela, era de reunir o máximo de trabalhadores, das mais diferentes linguagens artísticas e culturais, para a busca de informações sobre o recurso e de trâmites burocráticos exigidos pelo governo federal.
“Achamos que era importante a gente estar ciente, de forma ativa e participativa no processo de execução dessa lei, porque esse recurso estava vindo para socorrer a classe cultural e ninguém melhor do que nós para indicar a melhor forma de aplicá-lo, de modo que fosse democraticamente distribuído”, relata.
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No entanto, Tainá afirma que a iniciativa levou os artistas a um entendimento muito mais amplo sobre legislação municipal de cultura e sobre outras possibilidades de políticas públicas, além de ter como consequência uma reflexão sobre a ausência de uma política efetiva desenvolvida pelo município para o setor. “Hoje a gente busca a ativação do nosso Conselho Municipal de Cultura, a confecção e atualização constante de planos municipais de cultura e a realização de conferências. A proposta é manter a articulação e ampliar para que a gente consiga construir um novo cenário de políticas públicas e de fomento à cultura de Montes Claros”, aponta.
A Lei Aldir Blanc, apesar dos impasses dos estados em sua execução - a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult), por exemplo, muito por causa de seu sucateamento, atrasou pagamentos e teve dificuldades com as burocracias -, foi extremamente necessária e essencial, na opinião de Tainá. Os prazos curtos e a ausência de gestores capacitados foram algumas dificuldades sentidas na pele pelos artistas.
Na mesma linha, a compositora e cantora Carol Boaventura acredita que o processo de articulação do setor cultural tem sido fundamental, desde o início da pandemia. Ela relembra festivais online e ações de distribuição de cestas básicas e kits de higiene pessoal para profissionais da cultura. A Lei Aldir Blanc apareceu como um respiro em meio ao sufoco, além de se mostrar como uma possibilidade concreta de organização popular.
“A lei fez com que muitos artistas entendessem mais sobre os seus direitos, sobre as carências que a gente vive na cidade de Montes Claros em relação à falta de fomento à cultura. Eu diria que foi um impacto potencializador para a realização de projetos dentro da classe artística. Um passo importante a ser dado”, aponta
Edição: Elis Almeida