A consequência da dissolução da URSS foi negativa para o mundo
Ao tempo em que viveu Karl Marx (1818/1883), o proletariado tinha um caráter e um significado bem diferente da situação atual de trabalhadores, de um modo geral. Os operários sofriam da mesma forma que escravos e trabalhadores rurais sem-terra. Trabalhavam até 12 horas diárias, sem direito a férias, descanso semanal e licença remunerada para tratamento de saúde. O que recebiam não dava nem para adquirir alimentos. Muito menos para vestuários, moradia, tratamento de saúde e escola para a família. Foi mirando essas condições de humilhante submissão da classe trabalhadora que os pensadores e os movimentos de caráter socialista se desenvolveram. O ideal democrático caminhava paralelo às conquistas sociais, de liberdade individual, força coletiva e igualdade.
Os EUA aumentaram seu poder e o capitalismo impõe a reversão das conquistas democráticas
Nessas condições, a tendência era a acumulação de riquezas e o aumento da pobreza. Empobrecendo, o operariado tornava-se cada vez mais dependente, mais subordinado e servil. A democracia admitida a partir da Revolução Francesa só beneficiava a classe proprietária e o Direito só protegia o patrimônio individual. Naquele momento, era impossível pensar uma democracia para formar a cidadania e, daí, a urgência na emancipação do proletariado. O operariado teria que tomar o poder do Estado, implantar o socialismo e promover uma radical democratização, pela alta consciência, adquirida pelo cultivo da crítica, em busca de uma sociedade sem classes.
A Revolução Russa de 1917 e o estabelecimento da União Soviética, desde o início ao seu fim (1991), andou na contramão de busca da realização do ideal de democracia plena, regime não só do povo para o povo, mas com o povo. Karl Marx já havia falecido quando teve início a revolução russa, mas a alemã Rosa Luxemburgo (1871-1919) foi a primeira pensadora marxista a protestar contra a dissolução da Assembleia Constituinte e contra o terror dos revolucionários. A crítica de Rosa Luxemburgo ao corpo burocrático que se tornou uma classe acomodada, cheia de incoerências, repercutiu durante o século XX. Parece que Marx previa isso quando disse que os homens fazem a história, mas não a fazem como querem. Na concepção de Marx, a democracia é um estado de consciência humana do “homo demokratikós”, inimigo de qualquer forma de privilégio, dotado de senso de liberdade, de igualdade e de justiça para toda a humanidade.
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Nos primeiros momentos da revolução russa, tentou-se desviar o foco do valor do dinheiro e valorizar as qualidades pessoais. O trabalhador passou a ter estabilidade no emprego e certeza de amparo social por toda a vida; incentivo e garantia aos estudos em todos os níveis. Os cientistas eram os que tinham melhor remuneração. A mulher passou a exercer funções e profissões iguais às dos homens. A URSS exerceu influência para libertação de algumas colônias africanas e asiáticas. Além disso, a URSS foi muito importante no combate ao nazismo e na derrota imposta a Hitler na 2ª guerra mundial. Adota-se o “Welfare State”, estado de bem-estar social, corrigindo, em parte, os problemas sociais. Os países capitalistas passaram a fazer concessões através de leis trabalhistas e maior atenção com a democracia, como direito a voto à mulher, voto a analfabetos, salário mínimo, férias, aposentadoria, saúde e ensino gratuitos. Com isso, os países ocidentais tentavam abafar movimentos revolucionários.
A consequência da dissolução da URSS foi negativa para o mundo, porque as nações que a compunham entraram em conflito por expansão territorial e se enfraqueceram. Os EUA aumentaram seu poder econômico e bélico e, com isso, o capitalismo aumentou consideravelmente a soberania, impondo a reversão das conquistas democráticas e sociais. Muniz Sodré, em entrevista à revista do Instituto Humanista da UNISINOS (2021), intitulad, “A obscenidade do capitalismo pariu o neoliberalismo”, explicita o retorno à ideia liberal de autocontrole da economia pelo mercado e a sua consequente desregulamentação. Na atualidade, o trabalhador luta para poder trabalhar, sofrendo humilhantes e degradáveis condições de vida.
Antônio de Paiva Moura é docente aposentado do curso de bacharelado em História do Centro Universitário de Belo Horizonte (Unibh) e mestre em história pela PUC-RS
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Wallace Oliveira