Minas Gerais

ORGANIZAÇÃO

Movimentos realizam encontro de comunidades de resistência à mineração em Itabira (MG)

Evento reuniu cerca de 50 pessoas de diversos territórios do estado atingidos pela atividade minerária

Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |
Evento aconteceu no último fim de semana, 23 e 24 de outubro -- - Marcelo Gomes

Itabira, cidade da Região Central de Minas Gerais, sediou no último fim de semana, 23 e 24 de outubro, o primeiro Encontro de Comunidades de Resistência à Mineração, organizado pela Cáritas Brasileira e por movimentos populares, como o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e as Brigadas Populares. O propósito do evento foi discutir o atual estado da atividade econômica e propor soluções aos desafios impostos por ela. Cerca de 50 pessoas, de jovens aos acima de 60 anos, participaram da reunião. 

A cidade escolhida para sediar o encontro é simbólica por ser berço da mineração de ferro no Brasil, que já começa a dar sinais de exaustão.  No município, nasceu a estatal Vale do Rio Doce, hoje privatizada e a segunda maior empresa de mineração no mundo. A cidade é também conhecida por ser a terra natal do escritor Carlos Drummond de Andrade.

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Ainda hoje, a Vale atua na região e um dos debates do encontro abordou a intenção da empresa de instalar um muro em uma de suas barragens para frear rejeitos caso outra barragem, localizada próxima ao bairro urbano Bela Vista, romper. O paredão passaria onde é casa de centenas de famílias.  

“Muita coisa ficou parada durante a pandemia. Mas a mineração não. Ela, inclusive, no início da pandemia o ganhou o status de atividade essencial. Por isso, não parou. E lucrou muito”, observou Marcelo Barbosa, participante do evento. No período de calamidade sanitária a atividade apresentou lucros recordes. Entre abril a junho deste ano, somente a Vale teve um lucro líquido (faturamento de vendas descontado o pagamento de funcionários e demais obrigações) de R$ 40 bilhões. 

Ao fim do encontro, participantes elaboraram uma carta como resultado dos debates realizados. Entre outros temas, o texto reivindica a criação de uma assessoria técnica para os moradores do bairro Bela Vista, em Itabira. As assessorias são formas de os atingidos por barragens possuírem acesso livre e transparente às informações sobre processos jurídicos e ou projetos que possam impactar uma determinada localidade. 

Em Minas Gerais, foi sancionada no início de 2021 a Política dos Atingidos por Barragens, lei estadual que traz uma série de direitos a essas pessoas. As assessorias técnicas estão no rol de garantias. Na carta, integrantes do evento reivindicam também a regulamentação dessa norma. 

Minério tem fim

Conforme relatório 20F , da Vale, em 10 anos ocorrerá o exaurimento de minas em Itabira. Também é apontado a exaustão da mina Mar Azul, em Nova Lima, ponto de extração de manganês, em menos de sete anos. A grande questão entorno disso, discutida no encontro, se trata da “minero-dependência”, termo cunhado por ativistas para se referir aos locais economicamente dependentes da mineração. 

Embora haja o discurso de que a mineração gera milhares de empregos, dados desmentem. No maior estado minerador, em Minas Gerais, 1,2% dos empregos formais são gerados na indústria extrativa mineral, segundo a Fundação João Pinheiro (FJP) .

O ponto preocupante da “minério-dependência”, para os representantes dos movimentos, se refere à quantidade de tributos aos poderes públicos que a mineração gera. Também conforme a FJP, a indústria extrativa é o quarto maior setor contribuinte de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), principal tributo do governo estadual. Além do ICMS, há a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), espécie de imposto aplicado sobre a venda dos minérios. 

De acordo com a Agência Nacional de Mineração (ANM), neste ano, são R$ 191,5 milhões que Itabira arrecadou com a Cfem. Isso equivale a cerca de 28% do orçamento da cidade esperado para 2022.  

Resistência no Serro

A mineração não conseguiu se instalar lá no Serro até agora porque foi muita luta. Isso foi uma conquista nossa, mas precisamos ampliar essas conquistas com mais participação. Lá na comunidade, a gente está trabalhando muito para isso acontecer”, contou uma das participantes do evento Valderes Quintino, líder da comunidade quilombola Queimadas localizada no Serro, na Região Central de Minas.  

Assim como Itabira, a cidade enfrenta um dilema. A Empresa Herculano mineração pretende se instalar grande projeto de extração de ferro, denominado “Projeto Serro”. “Além de impactar a nossa comunidade. A empresa quer minerar em um local a cinco quilômetros do centro histórico”, completou Valderes, integrante do MAM.

Para pesquisadores a implantação de uma mina de ferro, como a do projeto da Herculano, causa diversos impactos ambientais, como secamento de nascentes, contaminação dos cursos d’água, emissão de poeira e poluição sonora. “A mineração rouba a água. As medições da quantidade de água que as mineradoras podem usar são sempre favoráveis a elas”, disse o ativista Gustavo Gazzinelli, também presente no encontro. 

“Mesmo neste contexto de escassez, enquanto munícipios inteiros precisam se organizar no esquema de rodízio, não falta água para a mineração. Isso porque as métricas definidas pela outorga privilegiam o uso indiscriminado desse bem natural, sem o cuidado com a preservação e manutenção da vida”, diz um trecho da carta final. 

Leia na íntegra a Carta

O I Encontro das Comunidades de Resistência à Mineração, realizado em Itabira nos dias 23 e 24 de outubro de 2021, foi um momento histórico para a luta das atingidas e atingidos do Estado de Minas Gerais, uma vez que reuniu representantes de dezenas de municípios impactados pela ação minerária.

 O objetivo do evento foi de retomar a articulação desses grupos e movimentos, comprometido pela necessidade de isolamento social causado pela pandemia da covid-19, e criar um espaço de troca de experiências e estratégias de luta contra as violações de direitos promovido pelas empresas mineradoras em conivência com o poder público. 

O contexto do encontro é peculiar, pois ocorre no mesmo ano em que, por um lado, a Lei Estadual 23.291/2021 da Política Estadual de Atingidos por Barragens foi aprovada, como uma vitória da luta pelos direitos dos atingidos. E, por outro lado, o governo Zema realiza um acordo bilionário com a Vale, retirando dos atingidos pelo rompimento da barragem de Córrego do Feijão, em 2019, o direito à reparação e cede à empresa o controle sobre a execução de parte do recurso, excluindo, mais uma vez, os atingidos. 

Tem-se, ainda, o aumento do preço do minério de ferro no mercado de commodities que impulsiona o processo de expansão das mineradoras sobre os territórios, como relatado pelos representantes das comunidades presentes no encontro.

Localmente, é um ano que marca a luta dos atingidos de Itabira, pois a Vale iniciou o processo de descaracterização de várias das suas barragens, todas localizadas extremamente próximas da área urbana o que coloca em risco centenas de famílias. Essa situação se tornou trágica quando a empresa anuncia que, para continuar as obras, teria de construir um muro de contenção, passando dentro dos bairros Bela Vista e Nova Vista, o que significará a expulsão de centenas de famílias. 

O terror da “lama invisível” é uma estratégia empresarial que tem sido utilizada em diversos territórios para a expansão da área de controle das mineradoras, a construção de muros para ‘proteger’ a comunidade de possíveis rompimentos é a justificativa para impor condições injustas aos moradores.

As mineradoras impõem seus interesses de forma tão violenta e impune devido à minero-dependência criada pelas empresas nos territórios que ocupa, criando um clima de medo do desemprego, ou da redução da arrecadação dos municípios. Itabira está na iminência da exaustão das suas reservas minerais, com a mina do Cauê e das minas do meio já exauridas e o fim do minério apontado para o ano de 2031, o que colapsaria economicamente a região. 

Tendo esse pano de fundo, os participantes do encontro discutiram dois eixos temáticos: 1) Direitos e Meio Ambiente; 2) Juventudes, os quais trouxeram as seguintes reflexões.

1) Eixo Direitos e Meio Ambiente

O debate sobre os direitos e o meio ambiente perpassa por defender a autonomia dos povos nos seus territórios, tanto para decidir sobre o seu modo de vida, quanto sobre o uso dos recursos naturais. O acesso às Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) é um direito dos atingidos. Elas não seriam necessárias se não houvesse um processo violento e de força desproporcional das mineradoras contra as comunidades, com a conivência do poder público. 

Mesmo em contexto de pandemia, em que todo o povo brasileiro passava por uma das suas maiores dificuldades de saúde pública, as mineradoras atingiram lucros recordes às custas de disseminar a covid-19 nas cidades em que operam.

Com o acordo feito pelo governo Zema e a empresa Vale sobre o crime de Brumadinho, as atribuições das ATIs na bacia do Paraopeba se tornaram ainda mais restritas. É necessário regulamentar a Política Estadual dos Atingidos por Barragens, ampliando as atribuições e a autonomia dos povos atingidos em usar essa ferramenta na sua luta pela reparação integral dos seus territórios, para que não se restrinjam a ser apenas um facilitador das empresas em cumprir condicionantes. 

Estamos vivendo um momento de crise climática, impactando diretamente ao acesso e qualidade da água. O setor minerário precisa da água, pois é um insumo vital ao beneficiamento e transporte do minério. Mesmo neste contexto de escassez, enquanto munícipios inteiros precisam se organizar no esquema de rodízio, não falta água para a mineração. Isso porque as métricas definidas pela outorga privilegiam o uso indiscriminado desse bem natural, sem o cuidado com a preservação e manutenção da vida. 

Diante desses fatos, exigimos a consolidação da Assessoria Técnica Independente para o munícipio de Itabira-MG, por reconhecermos que também somos atingidos e atingidas pelos desastres-crimes e modus operandi da mineradora Vale;

Face à lógica extrativista de morte, que gera lucro das mineradoras por meio da destruição e crime. Reafirmamos nosso compromisso com a luta das atingidas e atingidos. E, é exatamente por isso, que não podemos desistir. Seguiremos exigindo que seja garantido o direito à participação de toda a comunidade nos processos de reparação e tudo que envolve as decisões para o território, interrompendo esse ciclo de violações dos direitos humanos e da natureza. 

2) Eixo Juventudes

As juventudes atingidas pela mineração reclamam o direito de permanecerem em seus territórios, o acesso à cultura e comunicação e o respeito às diversidades, processos que são roubados pela lógica do capital. Jovens, adultos e as crianças expressam seus medos, desejos, anseios e sonhos sobre como suas comunidades são impactados por grandes empreendimentos econômicos e como gostariam que fosse o modo de vida nos territórios. 

O terrorismo de barragem e a violência policial são situações que as juventudes estão expostas cotidianamente. Assim, convidamos a toda a sociedade para refletir sobre as dimensões simbólicas e materiais da luta contra os impactos da mineração. É por meio do ritmo, da música e das poesias que queremos ver nossos territórios reconhecidos e não pelas destruições causadas pela mineração. 

Edição: Larissa Costa