Perder uma pessoa muito próxima gera formas singulares de luto. Há quem prefira não conversar, há quem queira a presença, mesmo que virtual, de seus amigos, há quem escreva e quem publique nas redes sociais. Durante a pandemia do novo coronavírus, 607 mil brasileiros perderam suas vidas pela contaminação do vírus, gerando um mar de familiares que passam pelo Dia de Finados com a lembrança de sua pessoa querida.
Vivia assoviando suas músicas preferidas e até mesmo o canto dos pássaros”, fragmento sobre Luiz Valério de Aquino, 57 anos, vítima do novo coronavírus em Araguari (MG).
O projeto Memorial Inumeráveis chama atenção desde que foi criado. De uma forma delicada, o site reúne textos sobre as vítimas do coronavírus no Brasil, relatados por seus familiares. O objetivo inicial era contar a história e o universo particular de quem perdeu a vida, mostrando que aquela pessoa não é apenas “número” ou uma “estatística”.
“Caridosa e alegre, implementou a terapia do abraço entre seus colegas de trabalho”, fragmento sobre Nair de Lima Alves, 39 anos, vítima do novo coronavírus em Belo Horizonte (MG).
Para isso, o Inumeráveis recebe o pedido do familiar que gostaria de homenagear seu ente querido. Esse familiar é entrevistado pelos colaboradores do projeto que, com as informações, produzem um texto-homenagem. Fragmentos emocionantes, sérios e engraçados demonstram um pouco do que nosso país perdeu com tantos falecimentos.
Falar ajuda no ritual do “fim”
“A gente descobriu que parte da elaboração do luto se dá pela fala”, conta Gabriela Veiga, uma das criadoras do projeto, relembrando as entrevistas dos familiares ao projeto. “Isso aumentou a nossa vontade de fazer o projeto crescer, porque entendemos que estávamos ajudando o país a tratar um passivo emocional”, completa.
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Muitas famílias não conseguiram, por exemplo, realizar o velório de seus entes, que é um ritual importante para a aceitação da perda. “A homenagem entrou neste lugar, da ritualização do fim, e também em uma parte curativa do luto”, relata Gabriela.
Mortes não tiveram mesma solidariedade que outras tragédias
A morte de mais de 600 mil brasileiros e brasileiras poderia ser classificada como um luto de massa, de acordo com a psicóloga Michelle Silva, que atua em consultório particular, na rede pública de saúde e é doutoranda em psicanálise pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Geralmente, uma tragédia com grande número de mortos gera compaixão e solidariedade, o que, para ela, não aconteceu no Brasil.
“Recheava com amor as mini pizzas que a tornaram conhecida como a Tia da Pizza, em Ipatinga”, fragmento sobre Clemência de Souza Francisco, 66 anos, vítima do novo coronavírus em Ipatinga (MG).
“A gente observou um luto de massa, mas pautado pela banalização das vidas perdidas e que deixou pouco espaço para um luto mais coletivo”, analisa. Para Michelle, mais compaixão em relação às perdas poderia ser decisiva para que as famílias encontrassem uma forma mais facilitada e saudável de passar pelo seu luto. “Os governos, por exemplo, deveriam ser mais generosos neste momento”, aponta.
Cuidado para além das redes
Sobre homenagens, a psicóloga explica que elas podem ter a função de diminuir a dor vivida, mas é preciso atenção, sobretudo quando envolve internet e redes sociais. “Em muitas circunstâncias, as mídias sociais criam um tipo de espetáculo que deixa quem sofre ainda mais solitário. As manifestações de cuidado precisam ser mantidas durante um bom tempo e não somente no momento da perda. Isso auxilia muito a diminuir a solidão da dor”, afirma.
Conheça o Inumeráveis
Site: www.inumeraveis.com.br
Instagram: @inumeraveismemorial
Enviar um pedido de homenagem: www.inumeraveis.com.br/enviar
Edição: Larissa Costa