Os frutos do trabalho devem ser distribuídos a todos, com igual direito
Em contexto de superexploração da dignidade humana das e dos trabalhadores, não podemos abrir mão da utopia que é conquistar a emancipação humana. Parece à primeira vista impossível, mas é possível, urgente e necessário, antes que a barbárie que o capitalismo reproduz cotidianamente levem à dizimação da humanidade. Mudanças climáticas causadas pela destruição das condições materiais objetivas ameaçam a vida dos humanos e de todos os seres vivos da biodiversidade.
Urge superarmos a lógica e as relações sociais que promovem riqueza e luxo para uma minoria
Refletindo sobre a emancipação humana, que precisa acontecer, Karl Marx afirma na Crítica do programa de Gotha: “quando tiver sido eliminada a subordinação escravizadora dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, a oposição entre trabalho intelectual e manual; quando o trabalho tiver deixado de ser mero meio de vida e tiver se tornado a primeira necessidade vital; quando, juntamente com o desenvolvimento multifacetado dos indivíduos, suas forças produtivas também tiverem crescido e todas as fontes da riqueza coletiva jorrarem em abundância, apenas então o estreito horizonte jurídico burguês poderá ser plenamente superado e a sociedade poderá escrever em sua bandeira: “de cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades!”.
Ao tecer críticas ferrenhas ao programa de coalizão de dois partidos operários socialistas alemães, em 1875, taxando-o de “absolutamente nefasto e desmoralizador para o partido”, Marx enfatiza a dimensão ecológica ao afirmar a natureza como a fonte primeira de toda riqueza, condição para o ser humano, por meio do trabalho gerar riqueza. “O trabalho não é a fonte de toda riqueza. A natureza é a fonte dos valores de uso (e é em tais valores que consiste propriamente a riqueza material!), tanto quanto o é o trabalho, que é apenas a exteriorização de uma força natural, da força de trabalho humana”.
Que lutemos por uma sociedade com pessoas livres, sem opressões, sem explorados e sem exploradores
Em sintonia com o que advoga o apóstolo Paulo, na Bíblia, na carta aos tessalonicenses – “Quem não quer trabalhar também não há de comer” (2 Tessalonicenses 3,10) -, Marx pondera que a emancipação humana passa necessariamente pela não apropriação de riqueza enquanto fruto de trabalho alheio. “Porque o trabalho é a fonte de toda a riqueza, ninguém na sociedade pode apropriar riqueza que não seja fruto do trabalho. Se, portanto, ele mesmo não trabalha, então vive do trabalho alheio e apropria sua cultura também à custa do trabalho alheio”.
Exceção óbvia às pessoas impossibilitadas de trabalhar por motivo de doença, deficiência ou por estar com idade avançada. A esses também segundo suas necessidades. “O fruto do trabalho pertence inteiramente, com igual direito, a todos os membros da sociedade”, afirma Marx no mesmo texto.
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Os frutos do trabalho - o trabalho social integral - devem ser distribuídos a todos, com igual direito, após deduzir os recursos para a substituição dos meios de produção consumidos, a parte adicional para a expansão da produção, um fundo de reserva ou segurança contra acidentes, prejuízos causados por fenômenos naturais etc. Após essas deduções, a parte restante do produto total deve ser destinada ao consumo, sem esquecer o que serve à satisfação das necessidades coletivas, como escolas, serviços de saúde, etc. Diz Marx, “é a ‘classe trabalhadora’ que tem de libertar – o quê? – ‘o trabalho’”.
Movimentos populares e emancipadores
A forma como a sociedade em geral e a classe dominante, em particular, veem os Movimentos Populares, condiciona, pelo menos em parte, como os Movimentos Populares se veem. Parafraseando Arroyo, podemos dizer: para o êxito dos Movimentos Populares do campo e da cidade é imprescindível reconhecer a centralidade e a força motriz da luta pela terra, pelo território, com todas suas raízes culturais e religiosas.
A terra, ao longo da história, tem sido âncora de sustentação dos movimentos de luta por emancipação. O trabalho coletivo da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) irradia a centralidade da luta pela terra, que é disputada pelo poder do capital. Enquanto perdurar o cativeiro da terra na brutal injustiça agrária pautada no latifúndio, que viabiliza o agronegócio com uso indiscriminado de agrotóxicos, em latifúndios de monoculturas e muitas vezes com trabalho análogo à situação de escravidão, o trabalho alheio continuará sendo sugado para o enriquecimento da classe dominante.
Enfim, urge superarmos a lógica e as relações sociais que promovem riqueza e luxo para uma minoria à custa do trabalho alheio. Ou seja, os trabalhadores trabalhando e produzindo não para si mesmos, mas para os patrões. Isto é a negação da utopia bíblica de “novos céus e nova terra” profetizada pelos discípulos e discípulas do grande profeta Isaías ao bradar: “Construirão casas e nelas habitarão, plantarão vinhas e comerão seus frutos. Ninguém construirá para outro morar, ninguém plantará para outro comer, porque a vida do meu povo será longa como a das árvores, meus escolhidos poderão gastar o que suas mãos fabricarem” (Isaías 65,21-22).
Que tenhamos a graça e a fibra de seguirmos lutando para a construção desta utopia: uma sociedade com pessoas livres, sem opressões, sem explorados e sem exploradores, respeitando os direitos da natureza, inclusive.
Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos Carmelitas, doutor em Educação pela FAE/UFMG, agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas, e colunista do Brasil de Fato MG.
Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.
1 - Frei Carlos Mesters, Paulo Freire da Bíblia - Por frei Gilvander - 1º/11/2021
2 - Mineradora Vale S/A insiste em obter Licenciamento para devastar a Serra da Gandarela tb. Por Teca
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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Elis Almeida