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Lira é candidato a Cunha

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Lira não ganhou sozinho. Sua vitória é a consagração de um projeto recheado de oportunistas por todos os lados - Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Não respeitam nem o nome que tem. Terceira via é a nova primeira

PEC da pedalada, Bolsa Centrão, Kit Reeleição, Laje sobre o Teto, Calote Brasil e outros nomes foram tentados para definir para geral o que significa a aprovação do texto-base da PEC dos Precatórios. A proposta passou em primeiro turno da Câmara, com 312 dos 308 votos necessários. Além dos partidos da base, votaram com o governo a maioria do PSDB e PDT. Os partidos que amadurecem candidaturas da chamada terceira via foram unânimes em votar com o governo. Não respeitam nem o nome que tem. Terceira via é a nova primeira.

O deputado Arthur Lira, presidente da casa, mudou as regras no meio do jogo, permitindo a votação remota de parlamentares em missão externa, o que ele já havia negado em outras votações, cravando o resultado apertado, mas suficiente. Agiu como uma espécie de Eduardo Cunha em seus piores momentos. O projeto ainda precisa passar por nova votação. Lira não ganhou sozinho. Sua vitória é a consagração de um projeto recheado de oportunistas por todos os lados.

Lira agiu como uma espécie de Eduardo Cunha em seus piores momento

Em síntese, o governo conquistou autorização para dar o calote em dívidas públicas – inclusive com aposentados tungados – para bancar um fundão capaz de irrigar o programa que vai substituir o Bolsa Família, as emendas parlamentares e outros gastos na casa dos mais de R$ 90 bilhões, o montante do rombo autorizado, em pleno ano eleitoral. O governo argumentou que era a melhor forma de pagar o Auxílio Brasil, mesmo que seja somente até o fim do ano que vem, ou seja, até as eleições. Depois disso, dependendo do resultado, a transferência de renda volta a ser chamada de esmola para fracassados.

PEC dos Precatórios é mais Auxílio Centrão que Auxílio Brasil

Não se esperava coisa melhor de Bolsonaro, é claro. Mas mesmo cruel, ele não é burro em termos eleitorais-pragmáticos. Para criar a situação em que surgiria como salvador, era preciso, em primeiro lugar, acabar com o Bolsa Família, depois de uma sequência de esvaziamentos na área de defesa social, inclusive com o fim do auxílio emergencial em razão da pandemia. A miséria e a fome, que voltaram a ser presenças vergonhosas na vida brasileira, são resultados da política econômica de Paulo Guedes, que barganhou sem emprego pela maior taxa de desemprego da década. O Auxílio Brasil não é apresentado como um mau remendo, mas como a única saída para o problema que o próprio governo criou.

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Se com o projeto de emenda constitucional o presidente se cacifa para as eleições do ano que vem, ele não estará sozinho. A aprovação da PEC espalha seu cortejo de bondades para as emendas secretas de parlamentares, que financiam pontes e pavimentam estradas e campanhas no ano que vem. A não ser que você acredite que os deputados votaram a favor da PEC dos Precatórios porque estavam preocupados com o financiamento dos programas de distribuição de renda? É mais Auxílio Centrão que Auxílio Brasil.

Vitória de Lira é coletiva, a consagração de um projeto recheado de oportunista

O que parece ser o fim do mundo, no entanto, pode piorar. Esse enredo canalha, manipulado eficientemente por Lira, é apenas o plano A de Bolsonaro para se reeleger e formar uma base igualmente submissa. No entanto, não se pode descartar o recurso ao golpismo à primeira dificuldade. 

O presidente quer continuar no poder. Precisa se manter livre – e aos seus – e completar o projeto destrutivo na economia, no meio ambiente, na saúde pública e na educação. Foi para isso que o puseram lá. Deram a ele o brinquedo dos costumes e a autorização para se acreditar chefe dos militares que um dia o defenestraram da caserna. Para isso, escolheu os mais fracos nas três forças e os nomeou para 30% dos cargos que dispunha. Um governo fraco, de militares fracos. Deixaram que soltasse a pipa da crença de que mandava. Mas seguraram a ponta do barbante.

Jair Messias não tem projeto

Bolsonaro sabe disso. Por esse motivo, a responsabilidade em se manter na função passa agora por seu protagonismo. Ele se mostrou incompetente demais para esperar a mesma boa vontade da última eleição por parte do eleitorado conservador. Seu mais recente vexame internacional deixou corada a elite que o considerava apenas incapaz. Ninguém que conviver com a imagem de uma aberração no maior cargo do país. Um presidente indigente é bom quando se quer mandar nele, mas perigoso quando sua fraqueza compromete a imagem da nação, jogando o país para a área dos garçons.

Governo conquistou autorização para dar o calote em dívidas públicas

Como Jair Messias não tem projeto, fracassou em todas as áreas, inclusive na saúde e na economia no mais grave desafio do nosso tempo, não tem uma turma competente ao seu lado, se cercou de militares e namora com milicianos, sobra a ele o golpe caso seja derrotado. Vai jogar, a princípio, dentro das regras, inclusive em razão da tardia resposta do Tribunal Superior Eleitoral sobre o furacão de mentiras e manipulação das últimas eleições. Numa decisão patética, reconheceu o crime de forma assertiva, mas duvidou de suas próprias convicções e procedimentos. Preferiu ser pedagógico quando cabia ser judicativo. Não foi superior nem tribunal.

Um governo fraco, de militares fracos. Deixaram que soltasse a pipa da crença de que mandava. Mas seguraram a ponta do barbante

Por enquanto, Bolsonaro aposta na caneta e no dinheiro. Mas com o plano B engatilhado. O deputado Arthur Lira tem tudo para completar sua transição e ocupar o lugar que um dia foi do ex-deputado Eduardo Cunha. Conhece a mecânica do Congresso (inclusive da ambição pessoal de seus pares), maneja as matérias de interesse do governo e está sentado sobre mais de 130 pedidos de impeachment. Só falta agora imitar seu ídolo e ajudar a perpetrar um golpe contra a democracia. Cunha deu um golpe contra uma presidenta eleita, sem crime de responsabilidade, como hoje todos reconhecem; Lira pode ajudar a golpear um eleito, garantindo a permanência no poder de um candidato a ditador derrotado nas urnas.

O Brasil não tem mais o direito de ser ingênuo.

*Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida