Seu Nelson me contou histórias do tempo do “onça” sobre ele, Carlos Cachaça e Cartola
Lá pelos anos 2000, eu tinha um Ford KA. Coloquei o nome dele de Martin Luther King. Ele só carregava gente revolucionária. Na mesma época, criamos o Movimento dos Sem Palco, que tinha a utopia de reunir artistas de todos os segmentos da classe trabalhadora e das quebradas.
Naquela primavera, resolvemos fazer uma roda de conversa sobre história do samba. Conhecer um pouco mais sobre o gênero musical mais popular do Brasil. Futebol, samba e churrasco fazem parte da identidade brasileira. Tem gente que não gosta. Eu respeito. Mas não sabe o que está perdendo. Quem não se empolga com a batida perfeita do tempo forte do surdo-resposta? Ou um churrasco na laje comemorando o gol do Galo?
Por decisão coletiva do Movimento dos Sem Palco, o nome escolhido foi o do nosso grande e saudoso Nelson Sargento, e a tarefa era minha de cuidar dessa joia rara brasileira. Para fazer o evento, pedimos ajuda da prefeitura local. Os tecnocratas são mais realistas do que o rei de qualquer reino dessa galáxia. Mas deu quase tudo certo.
No dia de buscar o nosso grande Nelson Sargento no aeroporto de Confins, começa a confusão com a burocracia. Está faltando isso. Está faltando aquilo. Um carimbo aqui. Outro carimbo ali. A assinatura da funcionária do estacionamento do órgão. Sei que ficamos sem carro para buscar o ídolo maior do nosso samba brasileiro. A solução estava à minha frente: Martin Luther King.
Partimos eu e Martin para buscar nosso Nelson Sargento. Eu pensei: Será que ele virá com muita gente? Vou arriscar, né? Estou eu, lá no saguão do aeroporto, esperando nosso Nelson Sargento, quando o avistei lá no desembarque. Ele veio sozinho com seu violão e uma mala pequena. Na saída do desembarque, gritei:
- Seu Nelson, Seu Nelson! Aqui do lado. Olha aqui!
Ele olhou e levantou a mão me cumprimentando. Foi amor à primeira vista.
Ele me falou:
- Tudo bem?
- Tudo.
- Você parece carioca, menino!
Dei risadas. Peguei a mala e o violão e fomos para o carro. Eu num medo danado de ele não gostar do Ford Ka.
Chegando no carro, eu falei:
- Você já andou na companhia do Martin Luther King?
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Ele deu risadas e disse que não.
- Então hoje você terá o prazer de ter a melhor companhia do mundo.
Ele riu. Me deu um abraço e entrou no carro. Me esqueci que estava escutando Paralamas, John Coltrane e Nirvana. Na hora tentei tirar e colocar outro tipo de música. Na mesma hora, ele bateu na minha mão e falou:
- Deixa rolar esse som aí, menino! Esse moço do Nirvana é sensacional. Essa banda Paralamas faz uma mistura muito inteligente. John Coltrane é genial!
Nesse momento, começou a me contar histórias do tempo do “onça” sobre ele, Carlos Cachaça e Cartola. Me disse que Carlos Cachaça foi a pessoa mais trabalhadora que conheceu. Que tem saudades desse trio que começou a história da Mangueira. Carlos Cachaça nunca faltou um dia sequer ao seu trabalho.
A conversa foi a de um bom livro das histórias do samba. Chegando perto do hotel, Seu Nelson Sargento pediu para ir ao banco sacar algum dinheiro. Já estávamos íntimos.
Na porta do hotel, ele me confidenciou o seguinte:
- Mais tarde, você pode dar uma volta comigo na Pampulha?
- Claro, Seu Nelson Sargento.
- Só tem uma coisa,
- Beleza. O quê?
- Martin Luther King tem que ir também. E deixa o rock rolar! Você tem bom gosto!
Meus olhos marejaram. Minha raiva da burocracia ficou para trás.
Que Seu Nelson Sargento esteja alegrando os céus com sua gentileza e genialidade.
Rubinho Giaquinto é covereador da Coletiva em Belo Horizonte
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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Larissa Costa