Debate sobre mudanças climáticas deve apontar transformações na agropecuária e na mineração
A Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) para as Mudanças Climáticas, a COP 26, ocorreu em Glasgow, na Escócia, entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro. O encontro marcou a revisão das metas estabelecidas há cinco anos no famoso – e fracassado – Acordo de Paris.
O Governo de Minas Gerais esteve presente na COP 26 e tentou vender o estado como um modelo de desenvolvimento sustentável. Com isso, silenciou completamente qualquer menção aos crimes da mineração em Brumadinho e Mariana. Igualmente, se calou sobre os impactos da agropecuária baseada nas monoculturas, responsável por 72% das emissões de gases efeito estufa no Brasil (sendo 28% da pecuária bovina e 42% do uso do solo).
Parceiros prioritários do governo vieram das elites: a Federação das Indústrias (Fiemg) e a Federação da Agricultura e Pecuária (Faemg)
Em relação à questão climática se mostrar cada vez mais grave e ameaçar o próprio desenvolvimento econômico e a vida na Casa Comum, os países e as grandes empresas insistem em não se comprometer com mudanças que sejam de fato transformadoras. Nos inúmeros encontros globais realizados nos últimos 50 anos, os compromissos foram módicos e as metas invariavelmente descumpridas. Essa foi a tônica comum desde a Conferência de Estocolmo em 1972; passando pelo Relatório Brundtland/Nosso Futuro Comum, de 1987; Eco92/Rio 92; Protocolo de Kyoto; Rio +20; Acordo de Paris; e, vejamos agora, a COP 26.
O que mudou nesse último meio século?
Certamente o grau de conhecimento da ciência sobre as mudanças climáticas. Também se alterou a ocorrência dos desastres ambientais, cada vez mais frequentes. O mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC), de 2021, responsabilizou a ação humana pela celeridade das mudanças e apontou um cenário ameaçador, caso não sejam tomadas medidas imediatas e substantivas em nível global.
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Outra evidência aportada por inúmeros estudos científicos, articulados com a atuação de organizações populares, diz respeito às dinâmicas socioeconômicas e políticas da questão ecológica. Tais estudos apontam o racismo como um dos principais componentes da injustiça ambiental, que recai majoritariamente sobre habitantes de periferias rurais e urbanas e povos e comunidades tradicionais e originários.
Discurso de Zema não condiz com a realidade
Diante disso, ficou evidente como o discurso apresentado pelo governo de Minas Gerais em Glasgow foi totalmente desconectado dos desafios da atualidade. O governador Romeu Zema (Novo) e Marília Melo, sua secretária de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, venderam flores com um portfólio de ações nas áreas de cobertura vegetal e reflorestamento, gestão das águas, energias renováveis e apoio à mitigação climática nos municípios.
Mas quem participou da elaboração desse documento? Não surpreende saber que os parceiros prioritários vieram das elites: a Federação das Indústrias (Fiemg) e a Federação da Agricultura e Pecuária (Faemg), que reúne os produtores rurais patronais. Também por isso não surpreende a completa ausência de compromissos que apontem para uma transição ecológica em Minas Gerais. Ou seja, para a transição de um modelo essencialmente baseado no extrativismo e na monocultura (produtiva e de pensamento) e orientado para as exportações em direção a outro, que prioriza o bem viver da população mineira.
Na contramão do que existe hoje, precisamos nos orientar pelo desenvolvimento do mercado interno; pela diversificação produtiva; pela inovação e retomada de indústrias, em especial, as agroindústrias; pela regulação da mineração; pela desconcentração das terras e pela gestão social das águas.
Cabe lembrar que a Lei Kandir é um impedimento fundamental para essa transição, pois incentiva a exportação de produtos sem qualquer valor agregado, principalmente minério de ferro, café, soja e ouro. Tanto é assim que em 2019, 99,7% do café exportado por Minas Gerais foi de grãos crus. Da mesma forma, o minério de ferro é levado das minas sem qualquer processamento ou refino.
Qualquer discurso sobre mudanças climáticas que não aponte transformações na agropecuária e na mineração não deve ser levado a sério. Ou Minas enfrenta esses aspectos com a devida radicalidade ou estaremos, mais uma vez, sustentando promessas inócuas e incapazes de enfrentar os desafios do presente.
Luiza Dulci é economista e doutora em sociologia. Integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo e constrói o Movimento Bem Viver MG
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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Larissa Costa