O Galo pode ser campeão, depois de 50 anos. E os cruzeirenses sofrem com a zoeira
Tenho costume de dar rolê na quebrada para passar o tempo. Trocar ideia. Jogar conversa fora. Fazer a resenha do futebol. Aqui ainda preservamos conversar nos portões ou nas esquinas. Matar o tempo falando de futebol.
A resenha come solta e sem dó. Também falamos de pessoas históricas e engraçadas. Ninguém se salva nas resenhas. A zoação é democrática. Sobra pra todo mundo.
Por aqui, o que vale é dar risadas o tempo todo. O busão passa lotado em plena pandemia. A quarentena foi um sonho não encontrado. O trampo, o aluguel, o café da manhã, o almoço e a janta falam mais alto que o coronavírus.
A resenha continua. O Galo pode ser campeão, depois de 50 anos. E os cruzeirenses sofrem com a zoeira. Tudo na boa. Ficamos revoltados com a imprensa carioca e paulista, como são bairristas e mentirosas, meu Deus!
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A resenha continua. João passou no Enem. O moleque merece. O cara é maior correria. Bom filho. Trabalhador. O cara vive estudando e trabalhando. Fizemos uma festa pra comemorar. Não é todo dia que um cara da quebrada passa em medicina, estudando com livros usados e internet paga com a vaquinha que fizemos para dar um moral pra ele. O moleque é firmeza!
Esse bom dia foi especial pra gente. Aqui cada vitória das pessoas é comemorada como um gol no Mineirão.
Vida que segue! Amanhã é um novo dia. Passa um carro com a música dos Racionais: o homem na estrada!
Seu Arlindo se aproxima sorridente com sua bíblia na mão, um terno bem alinhado e sua filha segurando um violão. Ele nos diz:
- A paz de Cristo, meninos! Jesus é nosso único salvador.
- Amém, seu Arlindo! – Respondemos em uníssono. Ele vai andando todo alegre e lendo um salmo em voz alta. Diz que estamos protegidos pelo amor e honra do senhor. Nenhum mal vai acontecer com a gente. Deus vai nos dar o livramento. Ele acaba de se aposentar de um trabalho de zelador no bairro dos endinheirados da cidade.
João se assusta. Ele vê a “barca” dos “homi” subindo bem devagarinho e toda apagada. Todos nós ficamos apreensivos. Mesmo sem dever nada pra justiça da democracia burguesa. João, mesmo um futuro médico, teme o enquadro dos “homi”. Muitos enquadros nos levam a morte. A maioria dos policiais é negro como nós. Lá de dentro da “barca”, um policial mano da quebrada nos dá um salve. Ficamos aliviados. Vamos embora. Tudo hoje foi de boa. De longe, avistamos o andar lento do seu Arlindo e sua filha.
Rubinho Giaquinto é covereador da Coletiva em Belo Horizonte
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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Larissa Costa