Minas Gerais

Coluna

Os empresários estão chantageando a população (mais uma vez)

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A história toda do transporte coletivo em BH foi de soluções precárias e temporárias diante das chantagens dos empresários - Foto: Arquivo CMBH
A luta dos trabalhadores é justa, mas o que queremos apontar é a conveniência das empresas

Para ser bem temático com a origem social do prefeito Alexandre Kalil, podemos olhar a crise do transporte público de Belo Horizonte, que se agrava a cada dia, como uma partida de futebol. Os empresários de ônibus estão na retranca e jogam pelo empate, se a prefeitura, que é a jogadora com mais poder nessa partida, não agir de maneira ofensiva, o um-a-um dá o título ao Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte, o Setra BH. Recapitulemos os últimos lances.

Neste ano, ocorreu a CPI da BHTrans, que durou de maio a novembro. Subsidiada por uma extensa investigação realizada pelo Ministério Público de Contas de Minas Gerais, a CPI expôs e provou uma série de crimes e irregularidades na concessão e na operação do transporte coletivo. A começar pela licitação realizada em 2008, cujas seis propostas concorrentes foram elaboradas pela mesma consultoria. 

Diversas famílias tradicionais do setor possuíam participação societária, tanto em empresas vencedoras, em consórcios distintos, como em empresas perdedoras, o que demonstra uma formação de cartel que impediu qualquer concorrência real. Em termos objetivos: os empresários combinaram de antemão quem ia ganhar e quem ia perder a licitação. Uma concessão de 20 anos que nasce viciada de origem e que possui elementos para ser considerada ilegal.

Além disso, o relatório final da CPI apresentou um capítulo em que elencou as inúmeras ilegalidades praticadas pelas empresas nos últimos 13 anos de execução contratual: retirada ilegal dos agentes de bordo, descumprimento sistemático de quadro de horários, não pagamento de multas – tornando inócuo o único instrumento que a prefeitura tinha para coagir os empresários –, diminuição e sucateamento da frota, entre outros.

Em especial, o relatório conclui o que repetimos há anos: sem a criação e fortalecimento de instrumentos públicos de controle do transporte coletivo, em especial o controle público da arrecadação e remuneração tarifária e do sistema de bilhetagem eletrônica, as empresas de ônibus continuarão agindo como donas do transporte público, manipulando os parâmetros de operação para melhorar sua situação. Um vareio de bola.

Dentro dessa lógica está a necessidade de se discutir o subsídio ao sistema em termos sérios. O único subsídio existente hoje é indireto e não tem impacto real nem na tarifa, nem na qualidade do sistema. Falamos aqui da isenção que a prefeitura deu às empresas para não pagarem o ISSQN – principal imposto municipal – e a taxa de Custo de Gerenciamento Operacional (CGO), que em outras épocas financiou a operação da BHTrans. 

Como a tarifa não é vinculada a uma planilha de custos, o único momento em que essa isenção repercutiu foi na redução de 15 centavos feita em 2013, fruto das jornadas de luta por todo o país. Desde então, aumentos vinculados à inflação, aumentos extraordinários e corte de custos fizeram com que essa renúncia fiscal – que ultrapassa os 300 MILHÕES DE REAIS – fosse para o ralo do bolso dos empresários.

Foi nesse sentido, de se rediscutir os termos da remuneração dos empresários – e, portanto, do próprio contrato de concessão – que os vereadores apresentaram e aprovaram, nos dois turnos, um projeto de lei que acaba com a isenção do ISS e da CGO das empresas de ônibus. Esse sim, um gol que põe pressão no adversário e que está na mesa do prefeito para ser sancionado-validado pelo VAR.

Contra-ataque das empresas

Pois bem, esse último lance fez com que as empresas contra-atacassem. E assim começou a ser ventilada, na semana passada, a possibilidade de paralisação da categoria dos rodoviários. Não por acaso, a última paralisação de vulto tinha ocorrido em 2014, quando as empresas conseguiram um aumento extraordinário de tarifa concedido em abril. De lá para cá, essas mesmas empresas demitiram e extinguiram a função de cobrador, forçaram a dupla-função para o motorista de ônibus, cortaram custos, diminuíram frota e demitiram ainda mais rodoviários. 

Isso sem falar nas condições insalubres de trabalho que se agravaram de forma letal durante os momentos mais complicados da pandemia de covid-19. Nesse meio tempo, vários trabalhadores buscaram representação fora do sindicato, como na associação de empresas de transporte coletivo (Astracurbem), dada a inação do sindicato mesmo diante da situação grave de demissão dos cobradores. 

Mas agora, convenientemente, quando o ISS e a CGO estão prestes a voltar, vemos uma greve dos rodoviários que retirou mais de 85% dos ônibus de circulação, sem a menor resistência dos empresários de ônibus – que são conhecidos por manter uma lista de exclusão dos trabalhadores combativos, que não conseguem ser contratados em nenhuma outra empresa. 

Essas mesmas empresas que mantêm parcerias “não-oficiais” com policiais militares da ativa e da reserva, que atuam para coibir transporte clandestino e monitorar sindicatos e movimentos sociais. Mas dessa vez, não moveram uma palha para impedir a greve de seus funcionários. Assim como em outros momentos em que os empresários afirmaram que era necessário aumento de tarifa, tudo leva a crer que o movimento é uma greve patronal, um LOCKOUT, encenado pela diretoria do Sindicato dos Rodoviários e pelo Setra.

Com isso, não queremos desmerecer as reivindicações de aumento salarial, pagamento de FGTS, respeito ao passe-livre e a outros direitos conquistados dos rodoviários. Nem questionamos que alguns dos grevistas estão genuinamente mobilizados na paralisação. As condições da categoria são muito ruins e, como para várias outras, pioraram muito no período da pandemia. 

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A luta dos trabalhadores é justa: o que queremos apontar é a conveniência do momento em detrimento de outros. Afinal, as empresas receberam dinheiro público da prefeitura sem nenhuma transparência e esse dinheiro não se transformou em redução de tarifa, ou aumento de viagens ou, ainda, melhoria das condições de trabalho.

Além disso, qualquer solução para as condições de trabalho da categoria que não passem necessariamente pela reformulação dos termos da concessão e da forma de remuneração do sistema, só vai agravar o problema mais à frente. Um aumento de salário dos motoristas advindo de um aumento de tarifa vai acabar por retirar usuários do sistema, diminuir sua receita total e forçar a redução de custos (ou seja, demissões) no futuro.

Kalil falou, no dia 19 de novembro, que enquanto a paralisação estiver no horizonte não se discute a concessão. Mas é justamente o contrário, prefeito! A história toda do transporte coletivo em BH foi de soluções precárias e temporárias diante das chantagens dos empresários. Não se pode por mais um esparadrapo em uma casa que está caindo aos pedaços. É necessário discutir suas fundações. Partir para o ataque e virar esse jogo.

André Veloso é economista e integrante do Tarifa Zero BH

Annie Oviedo é passageira de ônibus e integrante do Tarifa Zero BH

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

 

Edição: Larissa Costa