Faz 86 anos que a jornalista Antonieta de Barros se tornou a primeira mulher no Brasil eleita deputada, ocupando a Assembleia Legislativa de Santa Catarina aos 34 anos, depois de já ter sido a primeira mulher negra a trabalhar na imprensa catarinense.
Tanto tempo depois, a desigualdade ainda é uma marca das instituições políticas brasileiras. Em Minas Gerais, pela primeira vez em três séculos, foram eleitas três deputadas estaduais negras. Outras ocupam as câmaras municipais no estado, mas sempre como minoria. No Congresso, Minas tem a deputada federal Áurea Carolina (Psol).
No geral, homens brancos e endinheirados controlam a maioria das cadeiras, os recursos de campanha e as próprias legendas eleitorais. Mas, para além dessa constatação, é importante observar o que dizem aquelas que conseguiram furar o bloqueio e chegar ao meio parlamentar.
Que lutas elas estão travando? Quais são as principais dificuldades? O Brasil de Fato MG ouviu seis vereadoras ou deputas negras mineiras.
Ana Paula Siqueira (Rede), mãe, assistente social, deputada estadual
“Não é coincidência que a população jovem negra seja a que mais morre. Nem o fato de termos um número reduzido de negros nos espaços de decisão política e também nos cargos de chefia. Não é por acaso que 75% das mulheres assassinadas no Brasil são negras. Ainda hoje, querem nos colocar no lugar de minoria e justificar o preconceito, as desigualdades sociais, políticas e econômicas. Nós, negros, estamos minoria nos espaços de decisão, mas somos maioria na população, segundo os dados do IBGE, somos 56%! Então, quero dizer que você, mulher negra, homem negro, juventude negra, deve se orgulhar da sua história, de ser quem você é”.
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Andreia de Jesus (Psol), advogada popular, deputada e presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa
“O racismo passa por toda relação humana no Brasil. Já na primeira infância, a presença nas escolas reforça o racismo. Mesmo em escolas de periferia, com menos estrutura, se percebe o racismo: quando ficamos isoladas de determinados grupos, quando a cor da pele determina se você participa de uma festa, se você é escolhido para desfilar na escola, se você é o primeiro ou não da carteira, se você é ou não o primeiro a receber o contato da professora. É sempre o seu cabelo que incomoda, o corpo que está sempre de castigo. A violência não para por aí. Nossa juventude segue sofrendo toda violência, que passa pelo corpo, que está sendo o tempo todo vigiado e controlado. Percebemos isso nas festas tradicionais, mas também na ocupação cultural feita pela juventude negra, que ocupa as ruas com o Hip-Hop.
A resistência me trouxe até aqui. Hoje, eu tenho um jovem negro, que acessa a universidade e está colhendo frutos da luta dos negros e negras, que não começou hoje, que garantiu que pudéssemos sentar em um banco de universidade. Infelizmente, ainda somos cobrados para que façamos cem vezes melhor. Resistir como parlamentar em uma Assembleia Legislativa conservadora, em que vemos figuras políticas tradicionais, que carregam a política como herança no sobrenome, é enfrentar o racismo que está presente na manutenção de privilégios.
Marielle convocou que mais mulheres ocupassem a política, com seu corpo, sua história e sua trajetória. Então, teremos mais empregadas domésticas, mais usuárias do transporte público, mais mães que não tiveram direito a luto, discutindo segurança pública, política de habitação e de saúde pública. Seremos maioria nesses espaços onde hoje somos minoria”.
Dandara (PT), pedagoga, feminista, vereadora em Uberlândia
“Os nossos heróis são os negros e negras que sempre atuaram na linha de frente pela nossa libertação. Por isso, celebramos o 20 de novembro. Na Câmara de Uberlândia, enfrentamos muitas resistências, a violência política de gênero e racial, que pesa muito sobre os nossos corpos. Mas estamos convencidas de que só a luta muda a vida. Por isso, a nossa atuação durante o ano todo foi, principalmente, para combater a fome, a carestia que há muito tempo não víamos. Não podemos naturalizar pessoas saqueando caminhão de lixo como se estivessem no supermercado, na fila de ossos como se estivessem na fila por grandes doações.
Defendemos a renda básica emergencial municipal, aumentar a quantidade de cestas do Programa Pró-Pão, que a gente tenha a institucionalização das cozinhas comunitárias que já existem, graças aos movimentos; e que tenha absorventes gratuitos para todas as pessoas em vulnerabilidade e que menstruam. Defendemos também que tenhamos uma casa abrigo LGBTQIA+. Aprovamos, neste ano, ciclos de formação para educadores trabalharem a Lei 10.639, que torna obrigatório o ensino da história, cultura africana e afro-brasileira nas escolas”.
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Iza Lourença (Psol), moradora do Barreiro, vereadora, preside a comissão de estudos sobre a juventude negra na Câmara de BH
“A ideia de que o Brasil é diferente de outros lugares do mundo, como a África do Sul ou os Estados Unidos, porque não teve um regime de segregação formal, como o apartheid, é parte da tecnologia racista, sustentada pela elite brasileira por longos séculos, para a manutenção de poder, riqueza e privilégios. A decisão do movimento negro de reivindicar o 20 de novembro como Dia da Consciência Negra, em referência à morte de Zumbi de Palmares, em detrimento do 13 de maio, data de uma abolição incompleta, é parte da luta contra a negação do racismo.
Quando disputamos a sociedade de forma conjunta, para olharmos para o racismo como um problema estrutural que ainda persiste, avançamos na disputa de que devemos transformar essa organização social. Uma verdadeira democracia no Brasil nunca vai existir enquanto houver racismo”.
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Leninha (PT), professora, mestra em Desenvolvimento Social e deputada estadual
“Somos a carne barata do mercado, sim, mas somos a carne mais forte do país. A nossa luta é para que o Brasil se reconheça negro, a potência em seu povo negro e o proteja. Somos os que mais sofrem com a desconstrução das políticas públicas, com a perda de direitos. Somos a maioria entre mais de 610 mil brasileiros e brasileiras mortos pela covid. Somos a maioria entre os desempregados, famintos e miseráveis. Somos a maioria entre os mortos pela violência. E, ainda assim, insistem em nos tratar como minoria”.
Macaé Evaristo (PT), professora, ex-secretária de Educação e vereadora em BH
“Foi participando do movimento negro que compreendi a perversidade do racismo e as condições de desigualdade em que vive a população negra no Brasil. As principais ações do mandato no combate ao racismo estão ligadas, primeiro, à efetivação de uma comissão especial com a tarefa de fiscalizar a implementação do Plano Municipal de Enfrentamento ao Homicídio de Jovens Negros e Pobres. Por causa da nossa atuação com o campo progressista, conseguimos alterar a configuração da Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor, que passa a ter a denominação de Direitos Humanos, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor.
Além disso, apoiamos diferentes iniciativas, por meio de emendas impositivas, como o fortalecimento da educação integral em territórios quilombolas, o mapeamento da situação educacional de crianças indígenas, quilombolas e refugiadas aqui no município, a salvaguarda do samba em Belo Horizonte. Para derrotar o racismo, é preciso produzir mudanças estruturais e que tenhamos governos que se comprometam com a pauta antirracista. Por isso, convidamos todas as pessoas a estarem nas ruas e dizer ‘Fora, Bolsonaro racista’”.
Edição: Larissa Costa