Quem melhor que os oprimidos entende a sociedade opressora
A prática e a reflexão estimulam o sem-terra, o sem-teto, o atingido pela mineração devastadora, o negro, a pessoa vítima da homofobia e todas as pessoas exploradas e discriminadas a descobrir-se como oprimido, super expropriado pelo capital nas suas relações sociais no campo e na cidade. Mas também a descobrir-se como ser com potencial para ser mais.
Mais do que “convivência” com o regime opressor, trata-se se subserviência, de servidão consentida e assimilada. O pedagogo Paulo Freire reconhece que não basta a reflexão, mas é necessário ação; alerta, porém, que seja ação e reflexão, isto é, práxis, que não é apenas ação, mas atuação dentro das condições materiais objetivas, pensada a partir das contradições de classe e de todas as outras facetas de opressão que se abatem sobre os sem-terra, os sem-teto e sobre toda a classe camponesa e a classe trabalhadora.
O latifúndio cria as condições para a reprodução da injustiça social e da desigualdade reinante no Brasil
“Ação e reflexão, como unidade que não deve ser dicotomizada. [...] Ação junto aos oprimidos tem de ser, no fundo, “ação cultural” para a liberdade, por isto mesmo, ação com eles”, afirma Freire.
Há, sim, na luta pela terra e pela moradia um potencial emancipatório da condição de camponês oprimido e de pessoa violentada na sua dignidade. Assim, abre-se a possibilidade de transformar a realidade, na medida em que se engaja na luta por emancipação não só sua, mas de toda a classe trabalhadora e do campesinato.
Nesse sentido afirma Paulo Freire: “quem melhor que os oprimidos se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá melhor que eles os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação? Libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela. Luta que, pela finalidade que lhe derem os oprimidos, será um ato de amor, com o qual se oporão ao desamor contido na violência dos opressores, até mesmo quando esta se revista da falsa generosidade”.
Parodiando Paulo Freire: Quem compreenderá a crueldade terrível do latifúndio, da propriedade privada capitalista da terra e do capital no campo, melhor do que os sem-terra que adquirem coragem e se engajam na luta pela terra? Quem sentirá no próprio corpo melhor que os sem-terra a super expropriação a que são submetidos? A luta pela terra desperta nos Sem Terra a necessidade e a coragem de lutar de forma coletiva. Luta que não é revanche e nem vingança, mas justiça, ato de amor aos latifundiários, pois retira das mãos deles uma arma mortífera da exploração: o latifúndio.
O ser humano produz muitas mercadorias, no entanto, não produz a terra
E, na luta pela terra, os Sem Terra, ao transformar a estrutura fundiária em uma estrutura social com equidade, podem ancorar lutas não apenas por emancipação política, mas emancipação humana. A luta pela terra desmascara até a falsa generosidade de pessoas ligadas à estrutura do capital.
A luta pela terra em busca de emancipação implica fazer história, mas para fazer história os homens e as mulheres têm de estar em condições de viver: satisfazer suas necessidades e se reproduzir. É o que Marx e Engels explicam: “Para viver, precisa-se, antes de tudo, de comida, bebida, moradia, vestimenta e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é, pois, a produção dos meios para a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material, e este é, sem dúvida, um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, assim como há milênios, tem de ser cumprida diariamente, a cada hora, simplesmente para manter as pessoas vivas”.
Pelo trabalho, o ser humano – homem e mulher – produz os meios de vida própria e, no modo de produção capitalista, produz principalmente para o alheio. O ser humano produz muitas mercadorias, no entanto, não produz a terra. Por isso, a terra, embora esteja associada ao modo de produção capitalista, não é capital, pois não é fruto do trabalho humano. “Assim, a terra não gera lucro, como o faz o capital, mas sim renda” (OLIVEIRA, 2007, p. 63).
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Relações natural e social estão presentes na produção e reprodução da vida desde a ação de procriar. Afirma Marx e Engels, “a produção da vida, tanto da própria, no trabalho, quanto da alheia, na procriação, aparece desde já como uma relação dupla – de um lado, como relação natural, de outro como relação social -, social no sentido de que por ela se entende a cooperação de vários indivíduos, sejam quais forem as condições, o modo e a finalidade”.
O latifúndio é, de fato, arma mortífera de exploração, porque aprisiona a terra em propriedade privada capitalista e, assim, cria as condições materiais objetivas para a reprodução da brutal injustiça social e desigualdade reinante no nosso país.
Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.
3 - Violência do latifúndio cresce no norte de MG/Audiência Pública/ALMG/Toninho do MST. 25/4/2018
7 - "Libertar do agronegócio" (Jefferson/Sindieletro). Acampamentos do MST/Campo do Meio/MG. Vídeo 7
Referências
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 47.ª edição. Rio de Janeiro: Edições Paz e Terra, 2005.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã: crítica da mais recente Filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Modo de Produção Capitalista, Agricultura e Reforma Agrária. São Paulo: Labur Edições, 2007. Disponível em http://www.geografia.fflch.usp.br/graduacao/apoio/Apoio/Apoio_Valeria/Pdf/Livro_ari.pdf
Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos Carmelitas, doutor em Educação pela FAE/UFMG, agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas, e colunista do Brasil de Fato MG.
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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Elis Almeida