Imagina um festival que reuniu em uma única edição Milton Nascimento, Tim Maia, Ilê Aye, Luiz Melodia, Dona Ivone Lara, Leci Brandão, Racionais, Ismael Ivo, Rubens Barbout, Itamar Assumpção, Jovelina Pérola Negra, Pena Branca e Xavantinho, João Nogueira, Elza Soares e Bando do Teatro Olodum. Imaginou? Agora imagina o encontro desses artistas citados com tantos outros artistas mineiros e de países como Uganda, Angola, Venezuela, Senegal, Namibia, Gana, Estados Unidos e Burkina Faso. Parece bom demais pra ser verdade não é mesmo?
Pois é, era uma vez um Festival Internacional de Arte Negra. Era uma vez bem no passado mesmo, no sentido de não é mais. Um Festival que entrou no cenário internacional no ano de 1995 com uma verba de um milhão de reais que agora luta pra respirar em uma gestão que o sucateia propositalmente ano após ano. De internacional passou pra nacional, de nacional para semi-nacional de semi nacional para local. Nesse ano é claro que a secretaria de cultura estava usando como argumento a pandemia para acabar de vez com o festival.
Festival iniciou em 1995 com verba de um milhão de reais
Mas a pergunta que ecoou em uma audiência pública na câmara de vereadores foi: “Por quê diante de tantos festivais culturais na cidade o único que a pandemia inviabilizou foi o festival de arte negra?” A resposta foi nomear três curadores faltando menos de três meses e disponibilizar uma micharia pra fazer literalmente uma muvuca para não serem taxados como gestão racista.
Muito se fala do racismo estrutural, mas é importante lembrar que o racismo é também individual e institucional como aparenta ser nesse caso aqui. No ano de 2019 foi disponibilizado dois milhões e trezentos mil reais de verba com uma curadoria formada por servidoras públicas municipais que acumularam função e o pior sem nenhuma autonomia. Onde já se viu curadoria com superior hierárquico?
Curadores foram nomeados faltando menos de três meses
Faltando três semanas para a estreia do festival a secretária de cultura Fabíola Moulin se recusou a dizer os nomes dos artistas que iriam compor a programação porque segundo ela os contratos ainda não haviam sido assinados. Isso mesmo faltando três semanas Fabíola Moulin fez uma reunião com artistas negros e negras da cidade no Teatro Francisco Nunes para demonstrar tamanho descaso com a cultura. Agora para silenciar as criticas de pretos e pretas como eu, a mesma Fabíola Moulin junto com o prefeito disponibilizou um terço da verba do último FAN pra fazer essa nova edição que não é mais um festival internacional de cultura negra e sim uma muvuca.
Em 1995 a abertura do FAN foi no Palácio das Artes, esse ano no mercado da Lagoinha, somente quem conhece os territórios belo-horizontinos vai entender a discrepância e o descaso da prefeitura. Pode ter certeza que se forem questionados vão alegar que é uma proposta de descentralização, mas na verdade é falta de agenda em outros espaços da cidade. É falta de planejamento e empenho, é falta de consideração com a cultura negra, é falta de respeito para com o cidadão da nossa cidade.
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O Festival Internacional de Arte Negra é de responsabilidade da gestão municipal de cultura, é realizado com dinheiro público e portanto a decadência e o sucateamento do festival são de responsabilidade dos gestores municipais que têm dois anos pra convidar os curadores e os convidam faltando menos de três meses. Em três meses a curadoria tem a missão de fazer verdadeiros milagres com a pouca verba. Milagre de conseguir horários em agenda de artistas, em agendas de espaços culturais, consequentemente comprometendo a produção e a comunicação.
Longe de ter um final feliz de um conto de fadas essa é a história de "era uma vez um Festival Internacional de Cultura Negra".
Etiene Martins é jornalista e publicitária, militante do movimento negro e coordenadora da livraria Bantu
Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Elis Almeida