Integrantes da Rede Mães de Luta de Minas Gerais, grupo formado por mulheres que tiveram seus filhos vitimados por ações violentas do Estado, realizaram um ato em frente ao Tribunal de Justiça de MG, em Belo Horizonte, na sexta (10), Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Na ocasião, as mães entregaram uma carta-manifesto ao promotor de justiça Francisco Angelo Silva Assis. No documento, direcionado à “senhora Justiça”, as mulheres questionam o papel que a Justiça tem cumprido na defesa de seus filhos.
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“E lhe perguntamos: será que a senhora não vê isso? Será que a senhora não enxerga que só gente preta e pobre é presa? Será que a senhora não vê que suas políticas de combate ao crime e suas lógicas de segurança pública só protegem os ricos e matam gente nossa todos os dias?”, diz o texto.
Leia a carta completa
Carta à Justiça Brasileira
Belo Horizonte, 10 de dezembro de 2021
Senhora Justiça,
Nós, mulheres e mães reunidas, lhe escrevemos estas linhas para dizer que há muito tempo a procuramos. De onde viemos, nunca a vimos, nem a conhecemos. Sabemos bem que a senhora não transita entre nós. E consideramos uma lástima, porque, apesar de ser um lugar mal falado, ele é assim justamente porque a senhora nunca teve interesse em se aproximar de nós. Nesse lugar, muitos de nossos filhos, netos, amigos e vizinhos são brutalmente assassinados. Outros, sistematicamente encarcerados. Seja pela cor da pele – principalmente pela cor dela – pela classe social ou simplesmente por ali residir.
Por aqui, pensamos que talvez a senhora não exista. Que seja uma invenção branca, como Papai Noel ou o coelhinho da Páscoa. Talvez a senhora exista e nesse caso já está bastante velha. Na sua idade, talvez seja difícil enxergar com clareza. Aliás, dizem que a senhora é cega. Mas sabemos bem que não é verdade, não é mesmo? Porque o que a senhora usa é uma venda nos olhos. E parece que ela não está lhe deixando ver todas as injustiças que nós vemos acontecer todos os dias.
Outro dia, num encontro nosso, uma mãe perguntou por que só gente preta e pobre era presa. E lhe perguntamos: será que a senhora não vê isso? Será que a senhora não enxerga que só gente preta e pobre é presa? Será que a senhora não vê que suas políticas de combate ao crime e suas lógicas de segurança pública só protegem os ricos e matam gente nossa todos os dias? Então, senhora Justiça, nós queríamos lhe perguntar: como é possível acreditar que você tarda, mas não falha, se a vemos falhar sistematicamente? Como é possível acreditar que você não é capitão do mato dos poderosos?
Por aqui costumamos dizer que, se a senhora Justiça realmente existe, já deu um veredito para quem nasce e vive nos morros, nas vilas, favelas ou nas ruas. Apesar disso, tentamos acreditar que nossa união e nossa luta possa chegar aos seus ouvidos e fazê-la tirar a venda que a impede de nos enxergar como o que somos: seres humanos.
Sem mais, nos despedimos, esperando uma resposta que possa satisfazer a quem, como nós, pensa que a senhora está morta.
Edição: Larissa Costa