Minas Gerais

EXAUSTÃO

Funcionários do SUS de BH dizem que agressões têm sido a parte mais difícil do trabalho

Atendimento de síndromes gripais cresceu 211% na capital mineira, que ainda sofre com a pandemia de covid-19

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Uma ocorrência na UPA Leste foi filmada por usuários do SUS. Nos vídeos, diversos pacientes discutem exacerbadamente com a Guarda Municipal - Foto: CMBH

“Vai tudo queimar no inferno quando morrer”, “tem que ganhar é salário mínimo mesmo, tem que ganhar é bosta mesmo”. Esses são alguns dos xingamentos ouvidos diariamente pelos profissionais da saúde de Belo Horizonte. Há três semanas, eles passaram a atender uma demanda 211% maior de pessoas com síndrome gripal, o que tem deixado as unidades superlotadas e os pacientes enfurecidos.

No lado de dentro do balcão de atendimento, a enfermeira de um Centro de Saúde na Regional Norte, cuja identidade não pode ser revelada, relata que a agressividade dos usuários tem trazido uma sobrecarga emocional desgastante aos profissionais.

“Com 15 anos de formada, já enfrentei três grandes epidemias de dengue em Belo Horizonte, mas nunca percebemos tanta insatisfação do usuário como temos visto agora”, conta. “São pessoas que estão no nosso dia a dia, e quando são intolerantes e nos agridem, isso traz angústia para gente. Falam que estamos à toa, que não estamos fazendo nada, que somos moles, devagar. Temos ouvido isso todos os dias”, afirma.

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A tristeza pelas agressões se soma à redução da equipe nos postos de saúde. O mês de janeiro, segundo a enfermeira, costuma ter profissionais de férias, além dos que estão adoecidos por conta da covid-19 e do vírus da gripe.

Violência na UPA Leste

Uma ocorrência na UPA Leste foi filmada por usuários do SUS. Nos vídeos, diversos pacientes discutem exacerbadamente com a Guarda Municipal, chamada para conter as ofensas dirigidas aos funcionários e funcionárias.

Mesmo com a presença dos policiais, usuários gritam “Vão trabalhar p***a”, “está se ofendendo fácil demais”. A confusão é generalizada e uma usuária chega a pegar um banco da sala de espera para lançá-lo contra o balcão.

Agredida por usuários e pela falta de valorização

“É cruel a gente sair de casa com a missão de cuidar do outro, colocando nossa própria vida em risco e ser, como eu disse, atacada”, conta uma técnica de radiologia, trabalhadora da UPA Nordeste, que também não pôde se indentificar. Mesmo não trabalhando na porta da unidade, a técnica diz que as agressões e ofensas são diárias, visto que não possui profissional para revezamento no seu turno, que é de 12 horas.

“Se saímos para pegar material, ou até mesmo água, falam que estamos ‘passeando’ em vez de atender. Temos sido o tempo todo hostilizados”, entristece-se. “Confesso que fico muito deprimida, desmotivada, sabe? A gente estuda, se dedica, procuramos fazer o melhor para o usuário, e nos deparamos com essa situação toda”.

Além das ofensas, a profissional destaca o problema da baixa remuneração entre os colegas. Um contracheque enviado à reportagem, mostra que um técnico de radiologia recebe um salário base de R$ 919. Com abonos, que são direitos que podem se perder e que não contam para a aposentadoria, a remuneração chega a R$ 1.253.


Contracheque enviado à reportagem / Foto: Divulgação

“Desde a pandemia, e agora com o surto de gripe, os técnicos em radiologia estão trabalhando em exaustão, porque há anos estamos implorando à prefeitura que contrate um segundo técnico para todos os plantões e ela nega”, afirma. “Mas quem vai querer trabalhar por um salário desse, neste cenário?”, questiona.

Contratação de novos profissionais

Aumentar o quadro de funcionários da saúde é uma antiga reivindicação do Sindicato dos Servidores de Belo Horizonte (Sindibel), apontada novamente como uma solução para a epidemia de gripe, somada à pandemia de covid-19, em que a cidade vive

“Faltam médicos, médicos especializados, enfermeiros, técnicos de enfermagem”, explica Israel Arimar, presidente do Sindibel. “A Secretaria Municipal de Saúde, ainda que tenha dinheiro para contratar, tem achado dificuldade de contratar pois os salários são muito baixos”, reforça.

Para a campanha de vacinação do ano passado, a prefeitura havia contratado 467 trabalhadores, mas o contrato se encerrou em 31 de dezembro. Segundo a PBH, 335 estão sendo recontratados. Além desses, a PBH afirma ter contratado 720 profissionais de saúde desde o Natal.

Como parte da resolução do problema, o sindicato ainda requere que a prefeitura adie consultas que não sejam de quadro respiratório e estabeleça espaços alternativos para testes de covid-19, fora dos Centros de Saúde e das UPAs.

“A situação tende a se agravar, considerando que estamos às vésperas de um carnaval em que as pessoas vão viajar e se aglomerar em festas particulares. Teremos dias muito difíceis nas unidades de atendimento de Belo Horizonte”, alerta.

Índices em BH

A capital mineira passa por uma onda de contaminação de covid-19 e sintomas gripais nas semanas entre o Natal e o pós Ano Novo. O Boletim Epidemiológico da Prefeitura de BH de 10 de janeiro mostra que a ocupação dos leitos de enfermaria para coronavírus está em 72,3%. Ou seja, a cidade está em alerta vermelho na sua capacidade de atendimento.

O número de atendimentos com síndromes gripais e suspeita de covid-19 saiu de 8.601, antes do Natal, para o triplo: 26.792 atendimentos na primeira semana deste ano.

Edição: Larissa Costa