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Crônica | Adivinhe quem vem para o jantar

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Ele ficou preocupado com a roupa, com o lugar e com toda aquela gente burguesa. Mal sabia que a menina tinha um plano para se declarar - Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Um detalhe no olhar da mãe denunciava algo de errado: a cor do moço não agradou

Ele era o mais carismático, bonito, inteligente e gente boa da faculdade. Andava com camisa do Che Guevara e de time de futebol. Ela era a mais rica e inteligente. Mandava muito bem no skate. Ela era descolada demais.  Ele ia de ônibus para a faculdade. Ela ia de motorista particular. Ela se apaixonou por ele já no primeiro dia de aula. Ele nem percebeu a presença dela. Ele estava tão feliz por ter passado no vestibular de uma das melhores universidades do país, e no curso tão desejado, que era só alegria naquele dia. Aliás, ele comemorou com os amigos na quebrada aquela façanha toda.

Já no segundo dia de aula, ela deu um jeitinho de se sentar ao lado da carteira dele. Nos primeiros dias de aulas, tem muita dinâmica de grupo para que todos se conheçam. Ela ficou deslumbrada com o que ele falava. Ela nunca tinha visto uma pessoa que se declarava socialista e que morava na quebrada. Ele também mandava muito bem na rima e no surf. Era um mundo novo para ela.

No terceiro dia, foi o trote. Ela ficou sabendo que ele não bebia. Era outra novidade. Ele tratava todo mundo com muita generosidade e atenção. Só que até aquele momento o máximo que trocaram foram palavras de “bom dia” e “até amanhã”. Passou-se uma semana e nada. Ela voltou para sua cidade muito feliz com a primeira semana de aula. Também falou com a mãe sobre ele. A mãe ficou toda alegre e disse: “ele deve ser muito bonito, educado e inteligente”. Ela confirmou com a cabeça.

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A mãe teve a ideia de fazer um jantar para os novos amigos da faculdade.  “Minha filha, convida seus amigos daqui a vinte dias para uma noite muito especial, nosso apartamento na capital deve ficar pronto e inauguramos com esse jantar. Não se esqueça de convidar esse moço aí, quero conhecê-lo”. Assim, a filha fez como o combinado e chamou todo mundo da sala. Com quase um mês de aulas, a interação já estava melhor e o jantar na casa da grã-fina era o assunto que dominava as rodinhas. “Como será esse jantar?”, perguntava-se a maioria. A menina era muito rica. Riquíssima. 

Ele ficou preocupado com a roupa, com o lugar e com toda aquela gente burguesa. Mal sabia que a menina tinha um plano para se declarar e com ajuda da mãe.

O lugar era muito bonito. O apartamento era numa cobertura com uma piscina gigante, parecia aqueles apartamentos de gente muito rica da novela das oito. A mãe estava ansiosa para conhecer o tal que era o “cara” da turma. Ele foi o último a chegar, seu ônibus atrasou, desceu no Centro da cidade para pegar outro ônibus e ainda tinha que andar um trecho a pé.

Finalmente, ele chega ao local do jantar e vai direto dar um abraço e um beijo na sua “amiga” de faculdade. A mãe fica atônita com o carisma dele e a beleza. Mas, um detalhe no olhar da mãe denunciava algo de errado: a cor do moço não agradou.

- Filha, você não me falou que ele era negro.

- Mãe, seu pai é mais escuro que ele, né?

- Filha, por isso, casei com seu pai bem branquinho. Olha você, filha!

- Mãe... Que decepção, meu Deus!

- Filha, meus netinhos de cabelo duro?

- Mãe!

- Tá bom, minha filha! Vamos fazer o combinado.

 

Rubinho Giaquinto é covereador da Coletiva em Belo Horizonte

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

Edição: Larissa Costa