Minas Gerais

CRIME CONTINUADO

Lamas do Rio Paraopeba contaminadas fazem famílias relembrarem rompimento da barragem

Estudo da “SOS Mata Atlântica” encontrou 44 vezes mais cobre que o permitido no Paraopeba

Brasil de Fato | Minas Gerais (MG) |
Os rejeitos, presentes nas margens do rio, chegaram em regiões que ainda não haviam sido contaminadas - Foto: Doação | Arquivo pessoal

Marcela Rodrigues estava voltando de uma viagem em família quando recebeu a notícia de que o município onde mora era um dos mais de 380 municípios em estado de emergência, devido às fortes chuvas. Mas para ela e tantos outros moradores da bacia do rio Paraopeba o choque foi ainda maior. “Tive a mesma sensação do momento que soube do rompimento da barragem no dia 25 de janeiro de 2019”, declarou a jovem ao Brasil de Fato MG.

Muita coisa não dá tempo de tirar e dessa vez a água subiu muito rápido

 

Aos 28 anos, Marcela é uma das milhares de pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de rejeitos da Vale, em Córrego do Feijão, no ano de 2019. Seu pai, Denilson Rodrigues, é uma das 272 vítimas fatais do rompimento. A expectativa da jovem de iniciar um novo ciclo com a chegada de 2022 foi frustrada pelo medo e a insegurança. “Meus familiares, assustados com o que viam nas mídias, me procuravam para saber se eu estava bem e segura”, lamenta.  

Com as fortes chuvas e o consequente aumento do nível do rio, famílias das comunidades próximas enfrentaram enchentes de água e lama tóxicas. Os rejeitos, presentes nas margens do rio, chegaram em regiões que ainda não haviam sido contaminadas. 

Em enchentes anteriores era água e areia. Agora é lama fedorenta

Um estudo realizado em 2020 pela ONG “SOS Mata Atlântica” demonstrou a presença de metais pesados em alta quantidade nas águas contaminadas do rio Paraopeba.  Foi encontrado uma quantidade de cobre 44 vezes mais alta que o permitido, de manganês 14 vezes acima do permitido e de ferro 15 vezes acima do permitido. 

Moradores relatam que algumas pessoas já apresentaram manchas na pele, após o contato com a água e a lama contaminadas. “A gente sente dor de cabeça, vontade de vomitar, a pele fica irritada, com coceira. Quando não era contaminado a gente não enfrentava esse problema”, explica Márcia de Medeiros Faria, ribeirinha e moradora de Brumadinho.

Perdas são incontáveis

“Perdemos todos os móveis da cozinha, roupas, plantas”, explica Rita Andréia Oliveira Rodrigues. A moradora de Brumadinho explica ainda que as perdas são incontáveis. Além de móveis, a lama tóxica levou fotografias, objetos de recordação, parte da história de sua família. 

Os moradores relatam que a água do rio subiu tanto e tão rápido que os impediu de proteger seus pertences. Esse é o caso da família de Nicolle Virgínia Flores Soares Silva. A professora, moradora do bairro Santo Antônio, em Brumadinho, relata que a casa de sua mãe ficou praticamente coberta. 

 31 barragens de rejeito estão em situação de emergência em MG

“Ficamos apreensivos. Muita coisa não dá tempo de tirar e dessa vez a água subiu muito rápido, tiramos as coisas às pressas e muita coisa estragou. É muita lama, muita sujeira, entulho que fica após as águas baixarem”, explica.

Um levantamento realizado pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), identificou que há pelo menos 700 famílias desabrigadas nas cidades de São Joaquim de Bicas, Juatuba, Betim, Citrolândia, Mário Campos, Brumadinho e Congonhas, localizadas na bacia do rio Paraopeba. 

Vale foi notificada para que faça a limpeza

“Tivemos que ficar desalojados num bairro totalmente distante. A gente luta tanto para conseguir as coisas e vem uma lama dessas e faz isso com a gente”. É o que relata Márcia de Medeiros Faria. A mulher contou ao Brasil de Fato MG que a família perdeu praticamente tudo. “Até hoje meu emocional está abalado. A gente só enxerga lama”, completou.

Aldeias

No município de São Joaquim de Bicas, a aldeia Naô Xohã, de indígenas das etnias Pataxó e Pataxó Hã-hã-hãe, atingidos pelo rompimento da barragem em Brumadinho, foi alagada pela cheia do rio.

Com o alagamento, as famílias ficaram ilhadas e precisaram ser alojadas em abrigos da prefeitura da cidade. “Ainda não é oficial se temos condições de voltar a morar naquele local. Mas a gente sabe que não, o território já era contaminado e agora está pior. Estou muito preocupado com as famílias”, desabafa Sucupira, vice cacique da aldeia.

É muita lama, sujeira, entulho que fica após as águas baixarem

A comunidade Kaxixó também sofre com as enchentes. Localizadas próximos ao Rio Pará, em Pompéu, as famílias tiveram suas casas tomadas pela água, com a cheia do rio. 

A etnia também foi atingida pelo rompimento da barragem. O derramamento de lama que afetou a bacia do Rio Paraopeba fez com que o rio Pará, usado pelos Kaxixó para banho, pesca, rituais tradicionais, ficasse sobrecarregado.

Comerciantes

Comerciantes também foram atingidos. A dona de casa, Natalina Maria de Paula, conta que, ao visitar áreas de comércio no município de Brumadinho, o cenário encontrado foi assustador. “Um moço que alugou um cômodo para fazer um bar relatou que colocou seu congelador com as bebidas em cima de uma bancada para impedir que a enchente os danificassem. Porém, a água chegou a tal altura que o congelador boiou e foi levado” exemplificou.

A culpa é das chuvas?

Nascida no ano de 1970, Natalina já presenciou outras enchentes no município de Brumadinho. Porém, a dona de casa enfatiza que nunca tinha visto situação como a de agora. “Principalmente por esse barro, essa lama. No pós enchente, a gente não convivia com isso antes”, explica.

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Assim como Natalina, Márcia afirma que nunca antes tinha enfrentado essa situação. “Antes era água e areia. Agora é lama. Uma lama fedorenta, que dá alergia, coceira. A lama que não veio com o rompimento da barragem veio agora, acabando com nossos quintais e nossa saúde”, explicou.

Responsabilidade da Vale

Na terça-feira, dia 18, o Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema), por meio do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), notificou a Vale para que a mineradora tome medidas. 

O ofício encaminhado à mineradora atribui à empresa a responsabilidade da limpeza imediata de propriedades particulares e vias públicas dos municípios da bacia do Paraopeba atingidos pelas chuvas. Além disso, o estado determinou que a mineradora execute ações de estabilização de taludes e margens e de disciplinamento de drenagens com o objetivo de evitar processos erosivos e consequente carreamento dos rejeitos.   

Porém, moradores afirmam que a empresa não está prestando a assistência necessária. “Ficamos sabendo que a Vale colocou à disposição uma firma terceirizada para fazer a limpeza da lama.  Mas a lama tá toda lá. Tem lotes que a máquina deles entrou e fez um buraco e foram embora. Falaram que era o último dia, foram embora e não voltaram mais”, explicou Márcia. A atingida acredita que o mínimo que a empresa deveria fazer era limpar tudo e que o poder público deveria dar mais atenção à população. 

Barragens em risco

Com o aumento das chuvas, moradores de cidades próximas a estruturas de barragens estão em alerta para o caso de possíveis rompimentos.  Segundo levantamento do governo de Minas Gerais, 31 barragens de rejeito estão em situação de emergência. Segundo a União, esse número chega a 36.

Destas, 3 estão classificadas como nível 3 de emergência, as barragens B3/B4, em Nova Lima, Forquilha III, em Ouro Preto, e Sul Superior, em Barão de Cocais. Todas as estruturas pertencem à Vale.  As barragens classificadas neste nível são aquelas com risco iminente de rompimento, tornando necessária a evacuação das comunidades ao seu redor. 
 

Linha do tempo principais rompimentos

2001 -  barragem de contenção de minério da mineradora Rio Verde, em Macacos, distrito de Nova Lima, rompeu em junho de 2001

2003 - Em Cataguases, na Zona da Mata, a barragem de um dos reservatórios da Indústria Cataguases de Papel Ltda rompeu em 29 de março

2007 - Miraí, na Zona da Mata, foi vítima de rompimento da barragem da mineradora Rio Pomba Cataguases

2014 -   Barragem da mineradora Herculano, em Itabirito, rompeu em 10 de setembro de 2014

2015 -  Barragem da Vale e da BHP/Vale/Samarco rompeu em Mariana, no dia 5 de novembro de 2015

2019 -  Barragem da Vale rompe em Brumadinho no dia 25 de janeiro de 2019

 

Edição: Elis Almeida