Ainda não há nenhuma pessoa condenada pela morte das 272 pessoas no rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG), em 2019. Um impasse entre a Justiça Estadual de Minas Gerais e a Justiça Federal paralisa o andamento do processo, diminuindo a cada dia a confiança dos familiares na punição pelo crime.
De um lado, o Ministério Público (MP) de Minas Gerais busca manter o julgamento no âmbito estadual, em ação que já estava correndo na Comarca de Brumadinho. Por outro lado, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) manteve, há um mês, sua decisão de que o caso deve ser julgado em nível federal.
O STJ está atendendo a um pedido do ex-presidente e de um ex-engenheiro da Vale, Fábio Schvartsman e Felipe Figueiredo Rocha, que são réus no processo e alegam que seus atos contêm crimes federais, como falsificação de documentos federais e delitos contra o patrimônio arqueológico.
Tentativa de cancelar a federalização
O MP de Minas, em denúncia entregue à Justiça Estadual em janeiro de 2020, indiciou 16 pessoas por 270 homicídios dolosos e crimes ambientais. Processo que já estava correndo. Em nível federal também há uma investigação concluída, da Polícia Federal, que indiciou a empresa Vale, a empresa Tüv Süd e 19 pessoas. Essa foi entregue ao Ministério Público Federal, que ainda não abriu denúncia.
Há poucos dias, em 14 de janeiro, o MP mineiro recorreu ao Supremo Tribunal Federal e tenta cancelar a federalização do caso. O órgão defende que o julgamento deveria ser remetido à Justiça Federal somente se as vítimas do homicídio tivessem relação com o ente federal, como o caso dos trabalhadores do Ministério do Trabalho e Emprego que foram assassinados em Unaí, que eram servidores federais.
“Na tragédia da Vale em Brumadinho as vítimas fatais eram colaboradores da própria companhia, moradores e pessoas que passavam pela região”, argumenta, em nota, o MP estadual. O órgão defende que o julgamento aconteça em um Tribunal do Júri estadual a ser instalado em Brumadinho.
“Decisões corporativas que envolvam atividades perigosas não devem ser pautadas apenas por aspectos econômicos, mas também devem levar em consideração os riscos reais de suas atividades”, completa o Ministério Público mineiro.
Mariana: desembargador excluiu crimes de homicídio
A preocupação do MP de Minas encontra relevância quando comparado ao caso de Mariana (MG), sobre o rompimento da barragem de Fundão, propriedade da Samarco, Vale e BHP Billiton. Em abril de 2019, quatro anos após o crime, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região decidiu trancar a ação penal que acusava os executivos das empresas por homicídio, mantendo os crimes ambientais e de inundação.
O relator no TRF foi o desembargador Olindo Menezes, que deu parecer pela exclusão da ação de homicídio atendendo, inicialmente, a dois réus: José Carlos Martins, da Samarco, e André Ferreira Gavinho Cardoso, da BHP Billiton e Samarco. Coincidentemente, também foi Olindo Menezes o relator na 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que aceitou, em outubro de 2021, o pedido de outros dois réus: Fábio Schvartsman e Felipe Figueiredo Rocha, ambos da Vale, decidindo pela federalização do processo.
Demora e impunidade de mãos dadas
O advogado Danilo Chammas, membro da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (Renser) e que acompanha o caso, avalia que o impasse, no mínimo, atrasa o processo em um ano. “A manobra de alegar incompetência do juiz é muito conhecida, acontece muito para atrapalhar o processo, ganhar tempo”, analisa.
Para ele, a Justiça teve uma atuação enérgica logo após o rompimento, mas desde que a denúncia virou uma ação, há dois anos, pouco evoluiu. “A sensação é de que a impunidade prevalecerá, esse é o sentimento dos familiares das vítimas”, lamenta.
“Decepcionante”, indigna-se Maria Regina, mãe da Priscila Elen Silva, uma das vítimas fatais do rompimento. “Você vê a morosidade, vê que não tem pessoas atuando para fazer justiça. Pelo contrário, olha a quantidade de liberação para mexer em minério que o Zema deu durante ano passado. Que justiça vai ser feita? Se eles, que fazem justiça, estão ganhando?”, questiona dona Regina.
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Andressa Rodrigues, mãe do Bruno Rocha Rodrigues, também vítima do crime, reforça a importância da punição dos responsáveis. “A Justiça tem se mostrado muito morosa, é um processo que não avança. E essa impunidade é um combustível perfeito para que crimes, como os de Mariana e Brumadinho, tornem a se repetir. Nós precisamos de celeridade no processo judicial”, defende.
Melhorar acesso às informações
Os termos e trâmites judiciais também têm se mostrado um empecilho aos familiares das vítimas da Vale. Por meio dos advogados da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão (Avabrum) e da Renser, é possível ter acesso aos autos. Porém, é burocrático.
As entidades organizam um Observatório Criminal para coletar dados das instituições de Justiça e repassá-las aos atingidos, com o objetivo de que os familiares fiquem melhor informados.
A presidenta da Avabrum, Alexandra Andrade, destaca ainda a demanda pela informatização do processo judicial. “Um processo físico para o número de réus [16] vai atrasar ainda mais. O ideal seria passá-lo ao meio eletrônico, para que vários advogados tenham acesso ao mesmo tempo”, explica.
Edição: Larissa Costa