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Crônica | É o meu guri!

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"Uma vez, ele ficou mais de um mês fora. Chegou muito alegre e sorridente. Disse que foi fazer teste em um time de futebol do interior" - Foto: EBC
Num sábado de manhã, o moço me trouxe o jornal de graça, com meu guri estampado na capa

Era um dia chuvoso e melancólico. Estava sozinha no meu quartinho, que era no fim da rua e perto do córrego. Naquele dia só tinha um pão dormido, um terço, um patuá e o dinheiro contado do ônibus para ir até a maternidade pública, que ficava do outro lado da cidade. E o pai do meu guri ainda me bateu, falando que o filho não era dele. Não deixei barato e rasguei toda a cara do safado. O estrago foi tanto que ele ficou jogado, atrapalhando trânsito por horas, no beco da viela do seu Raimundo sapateiro. 

Meu guri com cara de fome e de craque de futebol tinha as pernas tortas. Olhei para ele e disse: vai ser camisa nove da seleção brasileira, igual ao Ronaldo Fenômeno. 

Ele cresceu rápido e virou meu companheirinho. Nunca gritou comigo ou fez alguma malcriação. Ao contrário, era um bom guri. A gente foi levando juntos. Ele e eu. Ele um dia me disse:

- Mamãe, um dia chego lá! 

Eu gritei toda alegre:

- Na seleção brasileira! Quero comemorar seu gol, meu filho amado! 

Era trabalhador pra caramba. Chegava suado todo dia do batente. Que guri da hora, meu Deus! Obrigada, meu São Sebastião. Obrigada, meu Oxóssi. Nunca chegava de mãos abanando. Sempre trazia um presente. O último foi uma bolsa muito chique e bonita. E o melhor de tudo, a bolsa já estava com tudo dentro: chave, caderneta, uma bíblia, uma simpatia para arrumar namorado e até um celular, desses mais modernos. O meu guri é espetacular! 

Não parava em casa, nem um minuto. Sempre no batente. Nunca mais comi sem carne e verdura. Ele trazia até fruta. Trazia uva e fruta do conde, que eu adorava comer depois do almoço. Domingo sempre tinha churrasco ou frango assado e minha cervejinha gelada que era de lei. 

Uma vez, ele ficou mais de um mês fora. Chegou muito alegre e sorridente. Disse que foi fazer teste em um time de futebol do interior. Chegou com a cabeça raspada e uma camisa branca com um número esquisito atrás. Já trouxe a compra do mês e com uma surpresa junto de presente: um relógio de ouro. Disse que foi o presidente do time que deu para ele, e ele me deu. Olha aí, meu guri! Homem feito e trabalhador. Disse que iria ficar mais um mês fora para tentar outro time. Um time grande. Eu peguei a rezar para ele. Fiz até promessa. 

Num sábado de manhã, o moço que vendia jornal no bairro me trouxe o jornal de graça, com meu guri estampado na capa e vestido com a camisa do Flamengo, caído na grama bem verde e alta, sorrindo e de óculos na cara, que tampavam todo o seu rosto. Eu não entendo essa gente, fazendo alvoroço demais.

- Olha aí, moço! Olha aí, moço! É o meu guri! Ele disse que chegava lá! Ele chegou! É o meu guri! 

 

Rubinho Giaquinto é covereador da Coletiva em Belo Horizonte

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

 

Edição: Larissa Costa