Ana Virgínia, especialista em Direito Trabalhista, falou com o Brasil de Fato sobre como o aumento no número casos de covid-19 está afetando os trabalhadores e o mercado de trabalho. De acordo com ela, o mercado de trabalho que atua diretamente com atendimento ao público está sendo impactado, já os ambientes industriais, em que não há grande movimentação de público, o percentual é bem menor. "Então, há sinais de aumento de afastamento significativo de trabalhadores dos locais de trabalho por causa da pandemia". Confira
Brasil de Fato – Como esse avanço de casos confirmados de covid-19 está afetando o mercado de trabalho?
Olha, essa chamada terceira onda da Ômicron tem impactado bem significativamente nas últimas semanas. Temos notícias de cerca de trinta agências bancárias, só em Fortaleza, que tiveram atendimentos e serviços suspensos por causa da disseminação do coronavírus nos ambientes de trabalho.
O mercado de trabalho que atua diretamente com atendimento ao público está sendo muito impactado, e os ambientes industriais, em que não há grande movimentação de público, o percentual é bem menor, por exemplo, a indústria têxtil que já possui quase 20% de afetação de trabalhadores, um percentual bem menor do que na área de serviços. Então, há sinais de aumento de afastamento significativo de trabalhadores dos locais de trabalho por causa da pandemia. E esses impactos seria o que acontece, por exemplo, em algumas atividades que conseguiram se adaptar ao modelo digital, ao modelo de teletrabalho, chamado home office, outras atividades não.
E nesse período que chega essa nova variante é um período em que se estava fazendo a transição de volta para os locais de trabalho, então a organização do trabalho acaba sendo afetada porque ela está num momento de reestruturação e aí vem o adoecimento massivo novamente. Graças a vacina esse aumento não tem sido com muita agressividade, mas ainda assim exige o afastamento do trabalhador e isso gera uma sobrecarga, uma exigência de reorganização imediata do que já estava se reorganizando.
Brasil de Fato – Além dessa crescente de acúmulo dos trabalhos e os serviços que estão inchando, também há dados de profissionais que estão sendo demitidos nesse período de pandemia? Como que está essa situação?
Olha, o desemprego vem em uma crescente muito grande de acordo com os dados sobre emprego no final do ano. Os dados sobre desemprego parece ser um dado muito fluido, o que causa uma certa estranheza e também deve ser considerado o fato de que no final do ano há efetivamente um aumento de vagas por conta do período festivo. Mas, agora no começo do ano uma grande onda de desemprego retoma, porém, ainda sem condições de avaliar se essa onda de desemprego pode ser atribuída unicamente a essa terceira onda, porque existe uma série de fatores, a irresponsabilidade do governo em relação a questão econômica, a total ineficiência do Ministério do Trabalho que foi recriado.
E sobre o Ministério do Trabalho que foi recriado, ele permanece inerte. Não há nenhuma política pública direcionada, não há nenhuma gestão sobre esses dados os quais são de difícil acesso via Ministério do Trabalho. Então assim, não há ainda como se afirmar se essa nova variante e terceira onda é a única causa do aumento do desemprego.
Brasil de Fato – Os trabalhadores que estão empregados podem se prejudicar de alguma forma por estarem afastados do trabalho por conta da pandemia?
A princípio não, mas é importante que se esclareça que os trabalhadores, caso sintam algum sintoma, mesmo que leve, e mesmo que seja indícios da Influenza, procure um serviço de saúde e se resguarde por intermédio de um atestado médico. É importante também que seja feita a testagem para que o trabalhador possa comprovar seus sintomas por meio de atestado.
Essa incerteza em relação as doenças, sobretudo nesse período, impõem que o trabalhador, inclusive por uma responsabilidade coletiva, se afaste do trabalho, mas para isso é importante que ele esteja documentado. Então é muito importante o trabalhador procurar um serviço de saúde.
Brasil de Fato – Você falou sobre o trabalhador não poder ser demitido e também sobre a questão salarial. Os trabalhadores tem algum direito trabalhista que assegure seus empregos durante a pandemia?
Veja, pelo simples fato de estarmos em uma pandemia já não temos a garantia de nossos empregos. Mas durante o período em que o trabalhador estiver assegurado por um atestado médico, por uma orientação médica, ele não pode ser demitido. Até quinze dias o empregador tem a obrigação de pagar o salário, após quinze dias, caso eventualmente o trabalhador precise de internação, o empregador comunica ao INSS e passa a ter direito a receber além dos quinze dias do empregador o restante do período em que ele estiver afastado por intermédio de um benefício previdenciário.
Brasil de Fato – Sobre essa relação de trabalhador e empregador, como tem que se dar ou qual seria a relação ideal entre esses dois nesse período pandêmico?
Essa pergunta é muito interessante, porque desde a reforma trabalhista o trabalhador foi colocado diante do empregador com a incumbência de negociar diretamente, como se estivessem de igual para igual. Nesse período pandêmico a vulnerabilidade do trabalhador aumenta, mas não podemos esquecer ou deixar de considerar que existe um número expressivo de pequenos e médios empregadores que também se tornam vulneráveis em seus negócios por conta do período pandemia.
Como o governo não tem nenhuma política efetiva de resguardo para o trabalhador dentro de uma perspectiva liberal em relação aos empregadores, especialmente aos médios e pequenos empregadores, efetivamente as pessoas têm que estar imbuídas de um sentimento de ponderação, de transparência para que essa relação se dê da melhor forma.
Então esperar que as pessoas tenham um certo consenso e uma certa responsabilidade, mas, especialmente uma responsabilidade sanitária e social. Não podemos colocar essa vulnerabilidade do empregador, do médio e do pequeno empregador acima de uma vulnerabilidade sanitária que atinge toda a sociedade. Isso nos mostra que é efetivamente uma relação muito delicada, em que o Governo Federal não disponibiliza nenhum tipo de orientação, auxílio ou política pública na área sanitária, trabalhista ou na relação entre o empregado e empregador. Aos trabalhadores sempre orientamos que se documentem, que tenham sempre a atenção de fazer as comunicações da melhor forma, e que quando estiverem com atestado médico em mãos que peçam algum tipo de protocolo ou recibo que comprove a entrega e resguarda seus direitos. A grande questão é formalizar essa comunicação.
Brasil de Fato – E com o aumento de casos confirmados por conta do vírus e sua variante, qual seria o cenário ideal para o mercado de trabalho?
A criação de políticas públicas emergenciais que garantissem resguardo aos trabalhadores, aos pequenos empregadores para que pudéssemos continuar tendo uma redução no número de afastamento seria o cenário ideal. O máximo de resguardo sanitário que possibilitasse condições de manter as exigências da saúde e, ao mesmo tempo, condições de manter esses postos de trabalho, inclusive para gerar novos postos de trabalho a partir de oportunidades que surgem com a pandemia. Então se a gente tivesse um melhor gerenciamento da crise, um comitê de observação e encaminhamento de políticas públicas nessa área do mercado de trabalho, estaríamos muito mais tranquilos.
Assim, o cenário ideal para o mercado de trabalho pra enfrentar essa crise seria abandonar essa perspectiva econômica neoliberal e convidar a elite econômica a contribuir com a toda a questão da área econômica e do mercado de trabalho, incentivando pequenos e médios empregadores a manter os postos, gerando oportunidades para criação de novos postos, mas infelizmente estamos abandonados, e o cenário ideal mínimo que poderia nos ser dado é a centralização e a instituição de uma política emergencial voltada ao mercado de trabalho.
Brasil de Fato – É importante essa análise que você fez agora porque muitas vezes quando o trabalhador está indo ao seu trabalho, fazendo uso do transporte coletivo lotado, ele coloca em risco a sua saúde e aponta como questão de se submeter a essa situação por ser o sustento da família. Isso também demonstra o abandono do poder público, é mais ou menos isso?
Sim é exatamente isso. Quando falamos em mercado de trabalho não estamos falando especialmente, simplesmente e meramente de trabalho. Todos esses direitos sociais, trabalho, saúde, moradia, transporte como você falou, tudo isso são direitos sociais que eles são articulados e indissociáveis. Então assim, uma política pública é emergencial, por exemplo, para um transporte urbano que é essencialmente utilizado por trabalhadores. Seria uma medida que poderia gerar novos postos de trabalho e, ao mesmo tempo, resguardar as medidas de distanciamento.
O direito à cidade, ao transporte, à saúde, à educação, tudo isso obviamente tem que compor um grande complexo, o que é muito difícil, mas medidas mínimas de resguardo do trabalhador devem ser pautadas utilizando todos os equipamentos que existem nos grandes centros urbanos. Então, há uma série de medidas que poderiam orbitar ai, um conjunto de políticas públicas coordenadas pelo Ministério do Trabalho e efetivadas pelos estados e municípios, obviamente com um olhar mais específico para os grandes centros urbanos e para os grandes centros industriais.
Brasil de Fato – Ana Virgínia, estamos chegando ao final da nossa entrevista e gostaria de saber se você queria deixar alguma mensagem?
Primeiro devemos ter em mente a importância dessa vacina. Essa terceira onda não está sendo tão massacrante quanto as anteriores, especialmente para os trabalhadores, por conta da vacina. Então devemos incentivar a vacinação e não só a vacinação dos adultos, mas a vacinação de crianças. Ressaltar a importância em se manter o uso obrigatório de máscaras, de higienização por álcool e de distanciamento social e, acima de tudo, incentivar uma reflexão sobre essa política de abandono que o Governo Federal está impondo ao povo brasileiro, viabilizando um genocídio que atinge especialmente a classe trabalhadora, a classe mais pobre e, especialmente, a periferia.
Edição: Francisco Barbosa