Minas Gerais

GRANDE BH

Governo Zema lança edital para construção do rodoanel sem mudanças necessárias

Além de outras áreas, reserva hídrica Vargem das Flores, Contagem e Betim continuam sendo “cortadas” por megaprojeto

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
O rodoanel passará pela área de recarga hídrica de Vargem das Flores, um dos três grandes reservatórios que abastecem a Grande BH - Foto: Agência Minas

O megaprojeto do Rodoanel Metropolitano teve mais um passo para sua efetivação. O Governo de Minas Gerais lançou, na última semana, o edital de licitação para empresas que queiram entrar na concorrência para construir a estrada. A obra irá passar por 14 municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte e pretende “desafogar” o Anel Rodoviário da capital mineira.

O lançamento surpreendeu, negativamente, quem vinha dialogando com o governo e tentando mudanças no projeto. Em julho de 2021, mais de 80 entidades assinaram um manifesto contra o traçado do rodoanel, que cortava inúmeras áreas de reserva ambiental.

Diálogos e audiências públicas resultaram em algumas mudanças no empreendimento, retirando a Serra do Rola Moça (Ibirité), a Serra da Moeda (entre Moeda e Brumadinho) e a Serra da Calçada (Brumadinho) do traçado. No entanto, um grande prejuízo permaneceu: o rodoanel passará pela área de recarga hídrica de Vargem das Flores, um dos três grandes reservatórios que abastecem a Grande BH.

Rodoanel “cortará” Contagem e Betim

Além disso, a obra passará dentro das cidades de Contagem e Betim, cortando bairros densamente urbanizados. Ambas as prefeituras realizaram conversas e fizeram propostas ao governo mineiro, mas o projeto previsto no edital não as considerou.

“Houve consulta pública do governo [estadual] com a gestão municipal [de Contagem], quando todas as reivindicações foram novamente reforçadas. O tema também foi debatido junto ao Ministério Público e em encontros na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e na Cidade Administrativa. Ainda assim, o governo do estado ignorou as sugestões dos municípios e optou por não alterar o traçado do rodoanel”, informou, em nota, a prefeitura de Contagem, após o lançamento do edital.

A prefeitura contagense afirmou também que é contra o projeto tal como está proposto e está analisando medidas a serem tomadas.

Posição do governo

O governo de Romeu Zema (Novo), por meio da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra), afirma que realizou duas consultas públicas que ficaram publicadas online por 115 dias e receberam 750 contribuições. De acordo com o governo mineiro, nesse período foram realizadas oito audiências públicas.

Em paralelo às audiências, teriam sido feitas 75 reuniões que discutiram de forma pormenorizada os aspectos técnicos do projeto com os grupos interessados.

Sem resposta

“Discussão com a sociedade em parte teve, só que adiantou em alguns casos e outros não”, opinou Júlio Grilo, da Associação para Proteção Ambiental do Vale do Mutuca (Promutuca) e ex-conselheiro do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam).

Ele relembra um exemplo malsucedido, em que a sociedade organizada chegou a apresentar dois documentos com uma segunda opção para o rodoanel. Nessa proposta, ao invés de construir 100 quilômetros de estradas, o atual Anel Rodoviário, que possui 27 quilômetros, poderia ser duplicado.

"Essa duplicação seria feita por pilotis, com uma outra estrada em cima do atual Anel Rodoviário. Com isso, seriam 27 quilômetros construídos ao invés de 100. Seria viável economicamente. Mas o governo não respondeu a esse questionamento”, explica Júlio.

Projeto gigante, ouvidos pequenos

No mesmo sentido é a avaliação de Adriana Souza, professora, ativista socioambiental do movimento SOS Vargem das Flores e militante da Frente Brasil Popular. Ela participa da Articulação Metropolitana contra o Rodoanel desde fevereiro de 2021 e acompanhou as cinco audiências públicas realizadas pelo governo estadual.

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Adriana relata uma série de problemas na realização das audiências, que foram virtuais e em formato híbrido – poucas pessoas presencialmente e transmissão virtual. A militante é taxativa quanto à falta de diálogo.

“A gente chama essas audiências de ‘farsas públicas’, porque elas serviram apenas para o governo apresentar o projeto sem ouvir o contraditório. Na verdade, não teve escuta nenhuma da sociedade civil”, argumenta Adriana.

Na avaliação da deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT), que foi proponente de duas outras audiências públicas sobre o tema na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a postura do governo tem sido autoritária com as prefeituras, com os movimentos populares e com a população em geral.

“É uma questão assustadora”, lamenta a deputada. “Há muitos impactos, que o governo do estado desconsidera, relacionados ao meio ambiente e a questões sociais, além do impacto financeiro, pois será um dos pedágios mais caros do país. Não é possível impor um traçado e uma obra que trará tantos prejuízos à população sem dialogar. A política se faz pela mediação e não pela exclusão e pelo autoritarismo”, aponta.

Próximas mobilizações

A sociedade civil continuará se mobilizando contra o megaprojeto do rodoanel. Apesar do lançamento do edital, a obra ainda não possui a licença ambiental e deixará essa tarefa nas mãos da empresa vencedora da licitação.

A proposta da deputada Beatriz é a realização de audiências territoriais nos 14 municípios que serão impactados pelo rodoanel, organizadas a partir dos movimentos populares e lideranças, com o objetivo de escutar a população.

Detalhes do edital

Lançado pela Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra) em 21 de janeiro, o documento prevê que a sessão pública de concorrência aconteça em 28 de abril, às 14h, na Bolsa de Valores (B3) em São Paulo.

A contratação será via parceria público-privada (PPP), em que o Estado investirá cerca de R$ 3 bilhões, oriundos do acordo assinado com a Vale em decorrência da tragédia de Brumadinho, e que não teve participação dos atingidos. Já a empresa vencedora da licitação investirá R$ 2 bilhões. O contrato de construção, manutenção e exploração da estrada – por meio de pedágios – será de 30 anos.

A perspectiva do governo mineiro é iniciar a obra em 2023 e finalizá-la em 2028.

Edição: Larissa Costa