Zema não “arrumou as finanças estaduais”. Minas Gerais continua quebrada
Minas Gerais está falida porque o estado tem desequilíbrios estruturais.
Na questão financeira do Estado é preciso reconhecer que não é possível explicar a crise de Minas por apenas um único motivo. A crise é resultado, dentre outros, dos seguintes aspectos:
a) a recessão econômica e o baixo crescimento dilaceraram as receitas do Estado; o Estado só teve algum fôlego num período de crescimento contínuo (de 2003 a 2010, no governo Lula);
b) a perda de peso do ICMS, principal imposto estadual, com a redução do peso da indústria no PIB e o fortalecimento do setor de serviços;
c) Minas Gerais perdeu demais com a Lei Kandir, que desonerou as exportações, prejudicando as receitas de estados mais exportadores como o nosso; cálculos apontam que as perdas acumuladas somam R$ 136 bilhões, valor quase igual a dívida total do Estado; as mineradoras, além dos impactos ambientais, com a isenção de ICMS, se apropriaram de uma parte expressiva da riqueza de nosso Estado, sobretudo nos períodos de explosão dos preços das chamadas commodities;
Esquerda precisa de um diagnóstico mais definitivo da situação de Minas
d) a dívida do Estado entrou em uma trajetória explosiva porque teve uma correção monetária pelo IGP-DI, muito acima da inflação oficial do IPCA, mais juros reais estratosféricos de 7,5% ao ano;
e) Minas Gerais, como todos os estados, perdeu muito com a centralização tributária de FHC na década de 1990, que cresceu a carga tributária nas contribuições sociais, que não são repartidas com estados e municípios;
f) Minas Gerais é a terceira economia do Brasil, mas tem apenas o 11º PIB per capita, o que indica uma arrecadação tributária per capita inferior aos diversos estados, ou seja, Minas é o “primo pobre” do Sudeste, Sul e Centro-Oeste, mas tem carências sociais enormes para serem atendidas;
f) nosso Estado é o campeão brasileiro em número de municípios, são 853 no total com população média de 24.606 pessoas, o que dispersa e encarece muito os serviços públicos estaduais;
São quatro estados com endividamento fora do controle
g) Minas Gerais faz poucos concursos públicos, tem déficit enorme de servidores efetivos, que são os contribuintes da previdência estadual, e tem grande contingente de servidores “temporários” e comissionados, que são contribuintes do INSS, além da despesa do Estado com a contribuição patronal;
h) existiram de fato, no passado, graves distorções no serviço que nada tem a ver com os direitos dos servidores: a aposentadoria era integral sem nenhuma carência no serviço público, o que garantia a integralidade da remuneração para pessoas com pouquíssimo tempo de serviço público, ainda mais durante longo período que não se exigia concurso para ingresso no serviço público, o que era de fato insustentável; na Constituição mineira foi inserido um artigo, que acabou sendo revogado, que garantiu a contagem de tempo privado para fins de aposentadoria, o que é correto, mas garantiu também o tempo privado também para fins de quinquênios, o que era também insustentável; durante muito tempo, a legislação mineira garantiu o “apostilamento”, que garantia ao servidor ocupante de cargo político a continuidade da remuneração de chefia e assessoramento depois do retorno do servidor ao cargo de origem;
Se passaram 30 anos e seis governos e a dívida de Minas Gerais continua próxima a 200% da receita corrente
i) no Estado estão as duas categorias mais numerosas que se aposentam especial, e merecem continuar com a aposentadoria mais cedo, mas é preciso garantir um esforço fiscal para fazer frente a esta despesa previdenciária com a aposentadoria especial.
Dívida do Estado disparou com Zema
Romeu Zema regulariza pagamentos a servidores e municípios, mas a dívida do Estado disparou de R$ 113,819 bilhões para R$ 151,610 bilhões.
Já vimos que Minas Gerais tem “desequilíbrios estruturais”, que impossibilitam uma solução duradoura para as finanças públicas estaduais. Mas, quase sempre, os governos estaduais que se sucedem fazem uma politização “rasteira” desta questão e jogam a culpa pela deterioração fiscal nos governos anteriores; é como se a crise fiscal de Minas se resumisse a uma questão “de gestão”, de “competência administrativa”, e não fosse resultado de desequilíbrios de difícil solução.
Veja agora a situação fiscal de Minas Gerais no governo Romeu Zema.
O governador afirma que “arrumou as finanças estaduais”. Não é verdade, Minas Gerais continua quebrada.
A combinação do aumento das receitas (em 2020, com os gordos repasses federais e no ano de 2021 com o crescimento da economia e a disparada da inflação) e contenção das despesas, sobretudo de pessoal, de fato, deram algum fôlego ao governo Romeu Zema, que colocou o pagamento dos servidores estaduais em dia; repassando recursos aos municípios referentes aos impostos retidos nos anos anteriores; fechamento de acordo com o Tribunal de Justiça para reposição de recursos de precatórios; negociação com os municípios do pagamento dos repasses atrasados na saúde; pagamentos de fornecedores em atraso; e mais os investimentos com os recursos da Vale. São medidas de impacto social e político inegável.
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Mas o grande desequilíbrio do Estado permanece sem solução: a enorme dívida que o Estado tem, sobretudo, com a União. Romeu Zema só conseguiu segurar as “rédeas” de sua administração, porque seu governo contou em todos os três primeiros anos com a decisão do STF, que suspendeu o pagamento da dívida de Minas Gerais.
É uma espécie de moratória legal da dívida, o Estado deixa de pagar os juros e amortizações, mas a dívida não é perdoada, todos os valores não pagos se somam ao estoque da dívida que cresce em disparada. A dívida pública estadual, principal indicador fiscal do setor público, passou, em menos de três anos, de R$ 113,819 bilhões para R$ 151,610 bilhões, um crescimento nominal de 38 bilhões, e crescimento percentual num prazo muito curto de 34%.
Como disse recentemente o deputado Sávio Souza Cruz, em uma palestra para a equipe de governo de Contagem: o maior “legado” herdado por Romeu Zema foi a liminar que Fernando Pimentel conseguiu de suspensão do pagamento da dívida de Minas; sem ela o governo Zema estaria inviabilizado.
O que isto significa? Quando Minas Gerais voltar a pagar a dívida, seja por decisão judicial ou pela adesão ao plano do governo federal, os encargos da dívida serão tão elevados que irão inviabilizar financeiramente o nosso Estado novamente. Já se passaram quase 30 anos e seis governos – Renato Azeredo, Itamar Franco, Aécio Neves, Antônio Anastasia, Fernando Pimentel, e agora Romeu Zema -, e a dívida de Minas Gerais continua próxima a 200% da receita corrente, limite da Lei de Responsabilidade Fiscal, o que a torna inadministrável.
Plano de Recuperação Fiscal fracassou no Rio e, se adotado, vai fracassar em Minas Gerais
O Plano de Recuperação Fiscal do governo Federal que dá uma moratória de três a seis anos para os estados mais endividados, muito concentrado apenas no corte de despesas, não soluciona a situação fiscal de nenhum deles.
A suspensão temporária do pagamento da dívida não é solução porque aumenta o endividamento em termos absolutos. Matéria do Valor Econômico, de 6 de abril de 2019, informa: “o Regime de Recuperação Fiscal, ao qual o Rio de Janeiro aderiu em 2017, tem duração prevista de três anos, podendo ser prorrogado por mais três. Durante o período, ficam suspensos os pagamentos da dívida com a União. Se, por um lado, a interrupção dos pagamentos contribui para aliviar o aperto sobre o caixa estadual, por outro, aumenta o endividamento em termos absolutos, uma vez que os juros e os encargos continuam a incidir sobre o valor principal. O problema foi empurrado para 2024”.
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Relatório do Governo do Rio de Janeiro mostra o fracasso do Plano de “recuperação” Fiscal: em 2016, a dívida pública estadual era de 234% da receita; três anos depois, em 2020, a dívida disparou para 319% da receita corrente. Ou seja, ao final do Plano, em vez de “recuperação”, o Rio de Janeiro estará quebrado de vez.
Em 2021, a dívida do Rio de Janeiro, enquanto percentual da receita corrente, melhorou um pouco em função da privatização da empresa de saneamento básico e do forte crescimento da receita, em função do crescimento da economia e, principalmente, da aceleração da inflação. Como se vê, o Plano de Recuperação Fiscal é muito similar à moratória da dívida que Minas tem há mais de quatro anos, em função de liminar do STF. Portanto, o Plano de Recuperação Fiscal não traz nada muito diferente daquilo que Minas já tem por decisão judicial, a não ser as exigências draconianas do governo federal, como privatizações e congelamento salarial.
Minas precisa de um plano de “resgate” ou vai continuar quebrada
Em primeiro lugar, é preciso dizer que situação grave de endividamento não é comum nos Estados; são 20 estados com dívida consolidada inferior a 62% da receita; são três estados com dívida de até 80% da receita corrente.
São apenas quatro estados que tem um endividamento praticamente fora do controle; a situação é de difícil solução porque são quatro dos maiores estados brasileiros. São eles: Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, que tem dívida consolidada de aproximadamente 200% da receita; São Paulo tem um percentual um pouco menor.
Um problema sério é que a crise da dívida é somente de quatro Estados, mas são estados ricos, o que dificulta ainda mais um “Plano de resgate” devido à oposição dos outros estados.
Por incrível que possa parecer, os Estados mais pobres, até porque já estão acostumados a conviver com a penúria, sobretudo os do Nordeste, são os que tem melhor situação fiscal.
Um dado inexplicável é porque a Lei de Responsabilidade Fiscal prevê que a dívida dos municípios tenha como limite 120% da receita e porque o limite dos Estados é de 200% da receita.
Provavelmente, isto aconteceu não por algum critério técnico, mas em função de uma situação concreta: tinha Estados na data da Lei que já tinham dívida acima de 200% e, para não que não os inviabilizasse ainda mais foi fixado os 200%. Sem instrumentos econômicos e financeiros, como dispõe o governo federal, Estado que deve 200% está quebrado.
Estes estados ganham algum fôlego em raros momentos de crescimento da economia, como no período de 2003 a 2010 e, agora, em 2021, mas voltando a situação normal de estagnação da economia, estes estados quebram novamente. Veja o caso de Minas Gerais: tem mais de 20 anos com dívida acima ou um pouco abaixo de 200% da receita; é uma crise fiscal sem fim.
Daí porque, a esquerda precisa de um diagnóstico mais definitivo da situação de Minas; deve montar uma frente mais ampla para vencer as eleições em Minas, e, num eventual governo Lula, arrumar uma saída duradoura para colocar Minas Gerais no caminho do desenvolvimento.
José Prata Araújo é economista e especialista em direitos sociais
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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Elis Almeida