Minas Gerais

MEIO AMBIENTE

Artigo| Privatizar os parques é mais uma porteira aberta para a “boiada” passar

Decreto de Bolsonaro transfere a gestão de cinco parques nacionais para a iniciativa privada, sendo três em Minas

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
"Quem preserva a natureza são os povos tradicionais, as comunidades locais, não as grandes empresas que querem limpar sua imagem frente à opinião pública"
"Quem preserva a natureza são os povos tradicionais, as comunidades locais, não as grandes empresas que querem limpar sua imagem frente à opinião pública" - Anderson Moreira

Na semana passada, a notícia sobre a privatização de cinco parques nacionais, veiculada nos principais meios de comunicação, causou grande agitação na pauta do meio ambiente em todo o país e, principalmente, em Minas. Não por acaso, já que três dos cinco parques citados na publicação do Diário Oficial da União estão em nosso estado (Serra da Canastra, Serra do Cipó e Serra do Caparaó). Mais do que isso, são áreas ricas em biodiversidade, com imenso potencial turístico e de recursos hídricos, além de abarcarem territórios de comunidades locais, possuidoras de saberes e culturas que estarão sujeitas à lógica do privado.

O anúncio foi recebido com grande indignação e apreensão pelos movimentos de defesa do meio ambiente. Mas primeiro é preciso sanar algumas polêmicas em torno do tema. A primeira delas, é sobre a distinção entre concessões e privatizações.

Herança dos governos petistas, as concessões públicas à iniciativa privada foram elaboradas como alternativa ao velho modelo de privatizações, que pressupunha a transferência da propriedade. No entanto, os longos prazos de duração dos contratos, passíveis de renovação, fizeram com que as concessões fossem apenas mais um modo de transformar o público em privado. Nessa modalidade, as licitações se dão por meio de leilões, nos quais as empresas interessadas dão seus “lances” para o usufruto do bem público por um período determinado.

:: Leia mais notícias do Brasil de Fato MG. Clique aqui ::

Logo no início do governo Bolsonaro, o ex-ministro do meio ambiente Ricardo Salles (aquele da boiada) sinalizou que o governo pretendia repassar 20 unidades nacionais à iniciativa privada por meio de um modelo de concessão ainda pior do que o já praticado pelos governos anteriores, definido por ele mesmo como "toma que o filho é teu". A intenção é a participação mínima do poder público nas decisões, flexibilizando ao máximo as restrições às empresas parceiras na gestão dos parques. Tudo isso, atrelado ao enfraquecimento das instituições ambientais, como o IbamaA e o ICMBio, com reduções no orçamento direcionado a contratações, abertura de novos concursos e enfraquecimento dos mecanismos de controle e fiscalização.

De acordo com decreto emitido pelo presidente da República, as unidades passam a fazer parte do “Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República – PPI e incluídas no Programa Nacional de Desestatização – PND, para fins de concessão para prestação dos serviços públicos de apoio à visitação, com previsão do custeio de ações de apoio à conservação, à proteção e à gestão”. E a justificativa apresentada é a suposta geração de empregos e melhorias na infraestrutura dos parques, o que de modo algum está garantido que aconteça, haja vista aos processos de privatização que o Brasil já viveu.

Vale está interessada nos parques

Outro ponto que assusta é o interesse, ainda não oficializado, da mineradora Vale na administração dos parques mineiros, que já sinalizou a intenção de negócio ao governo de Minas Gerais, aliado de Bolsonaro. Colocar na mão da mineração áreas mineráveis, é o primeiro passo para perdê-las. Não se pode confiar nas mineradoras nem um pouquinho, e os mineiros sabem bem disso.

Mas não se trata apenas da Vale. Diversas outras empresas, donas de enormes passivos ambientais, também deram sinais de estarem interessadas na gestão de parques. Na verdade, elas querem ganhar destruindo, e também “preservando”. É a famosa máxima da raposa tomando conta do galinheiro. Além do mais, as regras de concessão que existem hoje podem mudar e colocar em risco todas essas áreas, como consequência de havermos perdido o mais essencial: o controle público e a participação popular sobre a gestão das áreas ambientais.

:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::

Embora existam outras experiências de parcerias público-privadas na gestão de unidades de conservação ao redor do mundo, no Brasil ainda não se tem dados concretos sobre os impactos da substituição dos órgãos públicos pelas empresas nessas áreas ou nas comunidades locais. Isso porque, justamente, por se tratar de uma adequação recente, que faz parte da “boiada”, da destruição ambiental promovida no governo Bolsonaro.

Além disso, a lógica do lucro na gestão das áreas de preservação, que compreendem comunidades tradicionais, deve ainda agravar os conflitos fundiários no estado, já que elas sequer foram consultadas e sequer informadas sobre a intenção de passar a gestão das áreas à iniciativa privada, o que viola a soberania dos povos na sua relação com o território. Está na cara: o que começa assim não pode dar certo. Quem preserva a natureza são os povos tradicionais, as comunidades locais, não as grandes empresas que querem limpar sua imagem frente à opinião pública, além de conseguir benefícios, como isenções fiscais pela função de “preservação” dos parques.

Podemos até discordar sobre o entendimento do que venha a ser privatização, ou concessão. Mas fato é, que hoje esse modelo de concessões abre a porteira da “boiada” da desregulamentação ambiental e do desmonte das políticas de preservação do meio ambiente no nosso país. Nos resta lutar.

Bella Gonçalves é vereadora de Belo Horizonte pelo PSOL

--

Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa