Minas Gerais

Coluna

A morte de Moise e a desconstrução do Brasil

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Assiste-se à naturalização de práticas de genocídio a partir da acolhida ao nazismo por blogueiros e deputados - Foto Nelson Almeida / AFP
Mídias tradicionais gestaram, desde 2013, e pariram a obscura ordem atual

Por João Santiago

O que se relaciona ao absurdo assassinato de Moise, este jovem negro, que veio parar nessas bandas ao sul do planeta redondo em busca de esperança? Tal fato, juntamente com as milhares de mortes brutais por causas outras pelo Brasil afora, são o resultado da consagração de um modelo de sociedade em um "novo normal".

É óbvio concluir tratar-se de um assassinato fruto do racismo estrutural, da xenofobia conjugada à total banalização da vida e à certeza da impunidade. Todavia, é bem mais que isso, pois essas são consequências de um sistema social, político e econômico.

Captura da rebeldia

Na base da difusão da narrativa do ideário desse sistema, estão as mulas das drogas digitais dos grupos ligados ao gabinete de ódio, os robôs e os canais de jovens blogueiros não arianos agora revelados neonazistas que proferem impropérios que cabem no mal hálito de suas pseudo-teorias. Em meio a risadas de hienas e zoações, suas falas inimagináveis pelo senso comum são reforçadas pelas fábricas de "fake news" em podcasts em que a negação vem no formato do vale-tudo da verborragia amoral.

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Na almejada captura da rebeldia, abomina-se a organização do Estado de Direito, da Constitucionalidade, dos Direitos Humanos e Sociais. Provocados são os limites que devem ser impostos à violência que trucida. A narrativa distorcedora em causa financeira própria é transformada em verdade, ainda que ditada por quem está em transe numa realidade paralela forjada, para pousar como pluma no já citado "novo normal", em nome de Jesus.

Assiste-se à naturalização de práticas de genocídio a partir da acolhida ao nazismo por blogueiros conservadores junto com deputado federal incompreensivelmente eleito. Tal ideário vem emergindo das sombras, projetando-se como asas mortíferas sobre o Brasil nos últimos 8 anos.

Está permitida a perversa repetição das falsidades a cada hora, como prática normalizada

Em segundo nível, figuram aqui as mídias tradicionais que gestaram, desde 2013, e pariram a obscura ordem atual. Redes de televisão, jornais e estações de rádios que reforçam a falsa noção de estar a sociedade polarizada por um "fabuloso ódio comunista e antirracistas contra os cidadãos de bem". Condenados por eles estão milhões de homens, mulheres, brancos, negros, heterossexuais, lgbtqia+, jovens, adultos e idosos que, na verdade, são defensores da Diversidade e dos Direitos Iguais para todos. A narrativa da polarização é consagrada, pois convém tratar quem está fora da bolha como inimigos que trazem exageros na interpretação dos fatos e ideologizam as versões. Daí se inverte a realidade.

Mentiras, militares, empresários

O objetivo dessa gente é desviar a análise objetiva do real e criar conjecturas a partir de um clima de confusão, por meio da destruição de conceitos apoiados pela história e pela ciência. Propaga-se intensamente a mentira em um ritmo calculado para garantir a densidade da cortina de fumaça e o carimbo final da impunidade. Para isso contam com um grande aliado: este governo refratário. Por outro lado, o mesmo governo visa achatar a educação e a cultura; estancar a indignação popular e a revolta contra a opressão, a pobreza, a fome e a miséria intelectual (citemos Olavo de Carvalho). O desgaste do caos ou o desaparecimento das notícias verdadeiras nas mídias levam ao desinteresse e consolidam o desenrolar acrítico dos fatos.

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Acima desses grupos, e responsáveis pela criação e coordenação desse grande projeto estão boa parte dos servidores que estão e estiveram trajados em cor azeitona e a elite politica e econômica neoliberal. Esse grupo é que coloca combustível caríssimo para sustentar esse modelo de "novo normal". Eles não querem ser explícitos. Mas, mesmo assim, sem saneamento básico, vazam de suas mãos por entre os dedos sujos os conteúdos putrificados das reais intenções fascistas. Desnuda-se o projeto repetitivo de militares juntamente com uma elite supranacional extrativista e privatista com moral neocolonialista.

Culto a morte e a destruição dos direitos

O culto à morte é o lema principal desse fascismo brasileiro que mata direitos, arrebenta limites e despreza a vida. Basta ver como atua o governo em relação à crise da pandemia. Milhões são tornados invisíveis e passíveis de ser exterminados para reduzir gastos públicos em um estado mínimo e covarde que se propõe deixar morrer idosos, indígenas, quilombolas e quem mais se tornar custo.

Está permitida a perversa repetição das falsidades a cada hora, como prática normalizada.  A morte é estatística negacionista deturpada. A morte de 642 mil brasileiros é facilidade eliminatória. Cabe uma reflexão de como se tornou propício o culto à violência machista, misógina, racista e o recrudescimento do trabalho análogo ao escravo no contexto de descarada luta de classes. Assassinatos por espancamento covarde acontecem impunemente por todo o país, práticas subjugadoras dos que poderosos materialmente mais ricos planejam sufocar. Normalizadas ao longo do tempo, atos sem ética, mas lucrativos, passaram a ser melhor aceitos no Brasil. Têm na banalização e na indiferença a base de sua aceitação por cúmplices grupos sociais favorecidos e outros, cooptados em nível de inconsciente com suporte midiático.

O culto à morte é o lema principal desse fascismo brasileiro que mata direitos

O projeto fascista/nazista brasileiro é destruidor. Sua expressão maior é o extermínio de gentes. Para eles há a necessidade de armar, de proliferar a concepção deturpada do empreendedorismo junto à teologia da prosperidade como forma de aceitação da precarização do trabalho, conjugando, assim, um individualismo radical ao projeto de elite pelo estado mínimo neoliberal. 

Há um campo fértil para arrasar a terra nessa junção aniquiladora do fascismo sulista e do ideário individualista de estado mínimo liberal, coroado pela perda de direitos. Assim, promovem a diminuição da importância do Estado como garantidor obrigatório de Direitos Universais à Saúde, Assistência e Educação públicas e garantidor da Liberdade e da Diversidade. Trata-se de um malfadado projeto de nação. Nele não cabem pessoas.  Exorbitam cínicos espertalhões. Este estado abre mão, empurra além e privatiza. Vende o Brasil a preço curto; não quer ter atribuições básicas justificativas de seu existir. Assim, a carga tributária pode abaixar.

Daí as mortes de pessoas como a do jovem Moise. A necropolítica fascista brasileira se alia aos neoliberais, pisoteando na garganta de dezenas de milhões de Moises. Esta destruição planejada de valores dá base a uma injustificada perda de direitos como politica pública. Nesse projeto de extermínio, há seres vivos que devem ser empreendedores, já que o mercado é "o mundo infinito de liberdade para seu sucesso". Se prosperarem, passam a existir como cidadãos aos olhos do sistema neoliberal. Quem conseguir ser um "colaborador", vai servir, sob a batuta da precarização. 

É preciso banir os carrascos fascistas e seus seguidores neonazistas

Moise era um colaborador vindo de longe, dentre milhões que estão espalhados pelo mundo. Teve seus direitos destroçados pelo atual governo. Era precarizado, um colaborador informal. Após as reformas do carrasco, ele se encontrava sem sindicato para sua representação junto ao patrão. Sem defesa, impedido de acessar gratuitamente a Justiça do Trabalho. Poda-se o direito de reivindicar.  Por outro lado, haja vista a praticada desnutrição da vida numa sociedade sem regras sob o estado omisso, repercute a certeza de que "é normal" o espancamento público do "gringo negro" por "bate paus" contratados pelo patrão por R$200,00 cada. Cria-se o estado paralelo miliciano e privado com poder de oprimir.

Solução

Resta-nos crer que a solução-caminho inclui lutar para resgatar cada pessoa, seus direitos tornando-as foco das politicas de estado: visíveis. Para tal, de início revogar a reforma trabalhista, fortalecer as organizações coletivas representativas e rever fortemente o papel do estado e seus agentes: pelo fim da inércia reprodutora do sistema que defende e pratica espancamento. Que venham julgamentos que passem a punir quem mata, discrimina e sufoca. Urge reerguer os pilares da Justiça Social, da Cidadania e da Solidariedade hoje rarefeitas.

É preciso banir os carrascos fascistas e seus seguidores neonazistas favoráveis à prática da tortura e afastar do poder seus parceiros neoliberais.

João Santiago é economista, mestre em Economia pela Fundação João Pinheiro e diretor de relações Institucionais do Sindicato dos Economistas (SINDECON-MG)

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*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida