Minas Gerais

NEOCOLONIZAÇÃO

Artigo | Rodoanel Metropolitano de BH: projeto para manter o Brasil dependente

Um projeto para manter o país na periferia do capitalismo mundial, exportador de matéria-prima com baixo valor agregado

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
O projeto do Rodoanel prevê que a rodovia passará a 200 metros do Cemitério dos Escravos e da capela Nossa Senhora da Conceição, na Comunidade dos Fechos - Foto: Reprodução

A primeira audiência pública da Alça Norte sobre o Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte, MG, realizada em 26 de fevereiro de 2021 na Escola Estadual “Geraldo Teixeira da Costa” em Santa Luzia/MG, foi aberta pela Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (SEINFRA) do governo de Minas Gerais com o seguinte jargão enganoso: “O rodoanel é o sonho do povo mineiro!”. Não obstante, neste artigo defendo a ideia de que o rodoanel em questão é um projeto de Brasil neocolonizado.

Isto é, um projeto para manter o país na periferia do capitalismo mundial como um exportador de matéria-prima (commodities) com baixo valor agregado e um importador de produtos tecnológicos com alto valor agregado. Não deixaremos!

Liberdade para Zema é a dos liberais iluministas e dos neoliberais contemporâneos

Para se compreender os imperativos da retomada do megaprojeto de infraestrutura, Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte, após anos de um relativo silêncio público sobre o tema e em meio ao atual cenário de recessão econômica nacional, é preciso examinar o seu contexto político-econômico, o qual pode ser bem representado pela expressão “Liberdade dos Modernos”, do político liberal francês Benjamin Constant (1767-1830).

O referido rodoanel está inserido em uma plataforma de políticas públicas neoliberais de desregulamentação das leis de proteção socioambiental, retomadas no Brasil no governo Temer (2016-2018) e ampliadas no (des)governo Bolsonaro, sobretudo, a partir da sansão da lei federal da Liberdade Econômica em 2019 e da sua incorporação no estado de Minas Gerais, pelo governo Romeu Zema, em 2020.

Lei da Liberdade Econômica

Desde o início do governo Temer em 2016, o Brasil incorporou a agenda político-econômica internacional neoliberal  e neocolonial, promovendo dentre tantas outras medidas conservadoras: as reformas econômicas antipopulares, como a Trabalhista e a da Previdência; o Programa de Parcerias de Investimentos com o objetivo de privatizar empresas estatais de dez setores estratégicos para o desenvolvimento nacional; e a Emenda Constitucional n° 95 que congela os investimentos do Governo Federal nas áreas da saúde e da educação por 20 anos.

Atual gestão é continuidade dos governos tucanos e o chamado Choque de Gestão

Eleito para dar continuidade à agenda neoliberal do seu antecessor, o (des)governo Bolsonaro, dentre tantas outras medidas econômicas entreguistas, editou em abril de 2019 a Medida Provisória n° 881 (MP da Liberdade Econômica), que foi aprovada pelo Congresso Nacional em 22 de agosto e sancionada pelo presidente da República em 20 de setembro do mesmo ano como Lei Federal n°13.874 (a lei da Liberdade Econômica).

O termo Liberdade Econômica foi desenvolvido pela organização conservadora estadunidense The Heritage Foundation, a partir dos seus estudos de políticas públicas de Estado Mínimo, os Mandate for Leadership, publicados a partir de 1981 no governo neoconservador de Ronald Reagan (PR). Inspirando-se nos referidos estudos, o Workshop Minas Livre Para Crescer, promovido pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais em 19 de novembro de 2020, definiu Liberdade Econômica como “o meio pelo qual as pessoas dentro da sociedade podem agir de forma livre, com a mínima intervenção do Estado para realizar negócios voluntariamente em busca do aumento do seu bem estar” (2).

A legalização político-jurídica da precariedade e irregularidade das atividades econômicas é a política do partido NOVO

Portanto, trata-se de uma reabilitação contemporânea do já fracassado liberalismo econômico clássico dos séculos XVIII e XIX, desta vez travestido do nacional-populismo, que afirma estar promovendo o desenvolvimento nacional, mas na realidade explora a sociedade, degrada o meio ambiente e mantem o país na periferia do capitalismo mundial, em detrimento dos interesses econômicos da classe empresarial.

O neoliberalismo do Partido Novo em Minas Gerais

A palavra Liberdade é um pilar da identidade do estado de Minas Gerais. Reclamada desde os inconfidentes no século XVIII, inaugura o verso do poeta romano Virgílio estampado na bandeira estadual como lema da mineiridade “Libertas quae sera tamen” e se materializa em um busto alegórico esculpido no frontão do palácio da Liberdade, antiga sede do governo de Minas Gerais inaugurado antes da própria capital Belo Horizonte.

Mais do que um pilar, um lema e uma alegoria, a liberdade é, nas palavras eloquentes do governador Tancredo Neves, em defesa da redemocratização brasileira, “o outro nome de Minas”. Destarte, qual é o sentido da palavra Liberdade para o atual (des)governo de Minas Gerais? Certamente é tributária da Liberdade dos Modernos, isto é, dos liberais iluministas e dos neoliberais contemporâneos. É a liberdade dos indivíduos como fundamento da naturalização da sociedade do livre mercado.

Zema revogou três decretos estaduais de governança ambiental e urbanística da região a ser afetada pelo rodoanel

O referido sentido de Liberdade para o governo Romeu Zema (NOVO) seria então uma continuidade em relação aos governos tucanos do chamado Choque de Gestão.

Seguindo a mesma orientação político-econômica do governo federal, o governo de Minas Gerais criou, pelo Decreto n° 47.776 de 4 de dezembro de 2019, o Programa Estadual de Desburocratização, também conhecido como Programa Minas Livre para Crescer. No ano seguinte, o governador Romeu Zema instituiu o Decreto de Liberdade Econômica n° 48.036, que entrou em vigor em janeiro de 2021.

Desde então, o Programa Minas Livre para Crescer tem articulado com várias instituições estaduais, patronais, empresariais e com mais de 150 prefeituras municipais, a implementação da chamada Liberdade Econômica em Minas Gerais, cuja ideologia político-jurídica se assenta no pressuposto da boa-fé do empreendedor e da sua situação de vulnerabilidade frente à administração pública. Segundo Douglas Cabido, Subsecretário de Desenvolvimento Regional do governo Zema, o referido programa, articulado com outras instituições do poder público, conseguiu que o (des)governo de Minas Gerais dispensasse mais de 600 atividades econômicas, consideradas de baixo risco, da obrigação de expedição de alvará ou autorização estadual para o seu funcionamento (3).

O traçado tem como principal critério de modelagem o interesse econômico empresarial

Um dos carros chefes da Lei de Liberdade Econômica é justamente a dispensa da expedição de alvarás de funcionamento para atividades consideradas de baixo risco, o que tem impacto direto, como veremos a seguir no caso da cidade de Santa Luzia, MG, sobre a desburocratização ou afrouxamento das regulamentações jurídicas de proteção social, urbana e ambiental previstas no Estudo de Impacto de Vizinhança e no Plano Diretor Municipal. Desta forma, podemos compreender a Liberdade Econômica como um processo de legalização político-jurídica da já existente realidade de precariedade e irregularidade de várias atividades econômicas que afetam negativamente as cidades mineiras e brasileiras.

Zema revoga três decretos na região do Rodoanel

É a partir da ideologia da liberdade econômica, que o (des)governo Zema está construindo o projeto Rodoanel Metropolitano. Ou seja, não se trata do antigo projeto federal do DNIT, de construção de um contorno metropolitano de Belo Horizonte a partir da preservação natural da faixa de domínio da rodovia, evitando a expansão urbana ao seu entorno. E mesmo se fosse, haveria impactos ambientais, sociais e urbanos totalmente questionáveis.

PPP do Rodoanel prevê um contrato de concessão de 30 anos

Isso fica evidente, por exemplo, com o fato de o governador Zema ter revogado três decretos estaduais de governança ambiental e urbanística da região a ser afetada pelo rodoanel, a saber, os decretos n° 39.585 de 1998 (trata da prévia anuência do Estado a projetos de loteamento desmembramento em áreas de interesse especiais), n° 44,500 de 2007 (Plano de Governança Ambiental e Urbanística da RMBH) e n° 45.097 de 2009 (Regime jurídico especial de proteção ambiental de áreas do Vetor Norte). A revogação dos decretos citados beneficiará a especulação imobiliária e a expansão urbana na faixa de domínio do rodoanel, reproduzindo neste os antigos problemas de ocupação urbana ao entorno do anel rodoviário e das avenidas Antônio Carlos e Cristiano Machado em Belo Horizonte.

Rodoanel, degradação ambiental e exploração social

O projeto do Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte, desenvolvido pela SEINFRA de Minas Gerais, com consultoria das empresas multinacionais Accenture (gestão e tecnologia da informação), Lume (estratégia ambiental) e Systra (engenharia de tráfego), se limita a um traçado funcional, cujo principal critério de modelagem é o interesse econômico empresarial. 

O rodoanel é apresentado pela SEINFRA como uma rodovia de trânsito rápido destinada, especialmente, ao escoamento interestadual de carga pesada e de baixo valor agregado como o minério de ferro. Possuirá de 200m a 500m de largura por 100,6 Km de extensão, os quais perpassarão 14 municípios da RMBH entre a BR 381 em Sabará e a BR 040, na saída para o Rio de Janeiro.

Estimativa de arrecadação é de R$ 6,4 bilhões pela concessionária

A obra custará R$4,5 bilhões, dos quais R$3,5 bilhões advêm do injusto acordo de compensação entre a mineradora Vale S/A e o Estado de Minas Gerais, pelo crime/tragédia do rompimento da barragem B1, na Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019, que vitimou 272 pessoas e sacrificou toda a bacia do rio Paraopeba.

Não obstante, a Parceria Público Privada (PPP) do Rodoanel prevê um contrato de concessão de 30 anos, bem como a cobrança de pedágios de 0,35 por Km rodado e uma estimativa de arrecadação de R$ 6,4 bilhões pela concessionária.

O projeto estabelece que os estudos de impacto da obra só serão realizados pela empresa contratada após o leilão. Absurdo! A mesma empresa terá a autonomia para modificar o traçado do Rodoanel segundo o seu interesse econômico. Outro absurdo!

Como é possível observar, o Rodoanel é uma obra de infraestrutura que aprofundará a dependência histórica do Brasil pelo transporte rodoviário de carga pesada, produtos estes que são os principais indutores da rápida degradação das rodovias brasileiras. O rodoanel é um projeto para manter o Brasil na periferia do capitalismo mundial porque reforça a dependência do país a um tipo de transporte obsoleto no mundo todo e reforça a dependência da economia nacional a produção e exportação de um tipo de produto com baixo valor agregado.

Reforça a dependência do país a um tipo de transporte obsoleto no mundo todo

O projeto do rodoanel também é uma manobra neoliberal de transferência de dinheiro público para a iniciativa privada, cujos beneficiados serão: a empresa construtora e concessionária da rodovia que vai explorar um dos pedágios mais caros do Brasil por três décadas, renovável por outros 30 anos; as imobiliárias que vão explorar a faixa de domínio e induzir novas expansões urbanas; e as mineradoras que o vão usar como infraestrutura de escoamento de minério de ferro.

O capital alienado da classe empresarial em decorrência de uma medida de compensação pelo maior crime socioambiental-trabalhista da história do Brasil, compensará, não o meio ambiente e a classe trabalhadora, mas tão somente a classe empresarial.

A ineficiência “programada” das audiências públicas da Seinfra 

No decorrer de 2021 o movimento Salve Santa Luzia participou, junto aos demais movimentos sociais, ambientais e pastorais da RMBH, das Audiências Públicas e do Seminário realizados pela Seinfra do Governo de Minas, para discutir o projeto do Rodoanel.  Constatamos que os protocolos de divulgação do projeto, bem como os das consultas públicas e da promoção da participação popular, adotados pela Seinfra, vêm resultando em notória desinformação por parte dos munícipes da RMBH.

As Audiências Públicas foram recorrentemente, marcadas às pressas, em horário comercial, em localidades de difícil acesso para a população das cidades da RMBH e sem um protocolo de divulgação social eficiente. Tratou-se de reuniões esvaziadas em que os gestores do referido projeto fizeram proselitismo impositivo do Rodoanel, não apresentaram pesquisas que esclarecessem a população sobre os impactos do empreendimento nas cidades, nem estudos que comprovassem a efetividade dos objetivos da obra e ignoraram completamente as preocupações e anseios apresentados pelos movimentos sociais, ambientais e pastorais.

Sem se envolver diretamente, o poder público municipal de Santa Luzia tem, aparentemente, se mostrado apático com as arbitrariedades da condução do projeto rodoviário, pelo Governo de Minas. Um exemplo é a resposta do prefeito Delegado Christiano Xavier (PSD) à Procuradoria Geral do Município e à Câmara Municipal em março de 2021 sobre os impactos ambientais e hídricos do Rodoanel na cidade:

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“Não, a prefeitura não manifestou e não realizou estudos sobre os impactos ambientais e hídricos. A atividade em questão trata-se de implantação de uma rodovia com quase 100 Km de extensão, que cortará diversas cidades da região Metropolitana de Belo Horizonte. Uma obra desta magnitude tem um potencial poluidor/degradador, muito grande, competindo apenas a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) na solicitação de estudos para o licenciamento ambiental desta obra” (Ofício GAB n°023/2021).

Embora a prefeitura de Santa Luzia reconheça o potencial poluidor/degradador do Rodoanel, tem se negado a realizar e a solicitar estudos de impacto de evidente interesse da municipalidade e, principalmente, das comunidades diretamente afetadas.

Frente aos vários problemas e inconsistências da condução do projeto do Rodoanel, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na 20° Reunião Especial dia 26 de novembro de 2021, pediu a suspenção dos trâmites do projeto para a realização de auditoria pelos deputados. Não obstante, dia 21 de janeiro de 2022, de forma açodada e autoritária, o governo de Minas, por meio da Seinfra, publicou o Edital n°001/2022 de licitação e concorrência internacional do Rodoanel, sem diálogo com a população, com as prefeituras e com a ALMG.

Um exemplo: Rodoanel e Santa Luzia

O município de Santa Luzia, localizado no vetor norte da RMBH, se tornou, após a eleição municipal temporona de 2018 e, sobretudo, após as eleições municipais de 2020, o perverso modelo de gestão neoliberal na RMBH, impulsionado pelas agendas político-econômicas antipopulares e antiecológicas dos (des)governos dos presidentes Michel Temer, Jair Bolsonaro e do governador Romeu Zema. É o que se pode constatar, por exemplo, com o fato de Santa Luzia ter sido o primeiro município da RMBH a regulamentar, no âmbito da administração pública municipal, a Lei da Liberdade Econômica, por meio da sanção do Decreto n°3.796, de 10 de maio de 2021, pelo prefeito Delegado Christiano Xavier.

A condução da atual revisão do Plano Diretor Participativo de Santa Luzia é outro exemplo contundente do alinhamento neoliberal entre os (des)governos do prefeito Delegado Christiano Xavier e do governador Romeu Zema. Na reunião do Núcleo Gestor da revisão, que tratou sobre os impactos da construção de 13 km da Alça Norte do Rodoanel sobre Santa Luzia, novamente, como já ocorrera na Audiência Pública do dia 26 de fevereiro de 2021, o poder público municipal se manteve passivo frente aos projetos estaduais de atravessar áreas de importância ambiental e cultural do território luziense com a referida rodovia de grande porte.

Na prática, a revisão do Plano Diretor de Santa Luzia, realizada com o apoio técnico da Agência Metropolitana do Governo de Minas, é uma manobra neoliberal de viabilização irrestrita da construção do Rodoanel na cidade e da expansão da especulação imobiliária predatória no território municipal. Realidade corroborada também pelo fato da inexpressiva representatividade e participação de instituições e indivíduos da classe trabalhadora na revisão do Plano, em detrimento da forte representatividade e participação de instituições e indivíduos da classe empresarial e dos sindicatos patronais.

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Foi sancionado também no ano de 2020, a Lei n° 4.158 (4) que altera, acrescenta e revoga dispositivos da Lei n° 3.944 (5)  de 04 de julho de 2018 que dispõe sobre o instrumento do Estudo de Impacto de vizinhança e sua exigência no município de Santa Luzia. A referida lei de 2018 foi elaborada por exigência do Ministério Público frente ao crescimento desordenado da especulação imobiliária na cidade à época e da ausência de uma regulamentação municipal específica. E que a sua elaboração foi marcada por forte pressão da classe empresarial.

Fica evidente portanto, que a construção do Rodoanel vai impulsionar um novo processo de expansão urbana desordenada em Santa Luzia. Processo este que está sendo conduzido pela união de esforços entre a Prefeitura – por meio das secretarias municipais de Desenvolvimento Econômico, Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano – a Câmara Municipal e o Governo de Minas – pela SEINFRA, Agência Metropolitana e Secretaria de Estado de Meio Ambiente. É preciso identificar essas mazelas nas demais cidades da RMBH ameaçadas pelo Rodoanel. 

Cemitério dos Escravos, Pinhões, Manzo e Mosteiro de Macaúbas

Segundo um estudo de impacto realizado pela Associação de sitiantes Quintas da Seriema (Santa Luzia) apresentado nas audiências públicas, apenas no trecho de 1Km entre Ravena (Sabará) e o Cemitério dos Escravos (comunidade dos Fechos) o Rodoanel destruirá 18 nascentes (dos ribeirões Vermelho e Bicas e do córrego Santiago) além de dezenas de lagoas, córregos e manchas de inundação.

Serão provocados sérios danos ao lençol freático e ao abastecimento do Rio das Velhas. Os impactos serão de grande extensão, o Rodoanel perpassará 13 km do território luziense, segregando comunidades urbanas, rurais e quilombolas, fragmentando ainda mais a cidade e induzindo, sem estruturas, novas áreas de expansão urbana.

O projeto do Rodoanel prevê que essa rodovia passará a 200 metros do Cemitério dos Escravos e da capela Nossa Senhora da Conceição, na Comunidade dos Fechos, junto a MG 020 (trecho da Estrada Real). A referida comunidade é um inestimável patrimônio histórico-cultural. O Cemitério do Povo Negro Escravizado foi tombado pelo município de Santa Luzia, por meio do Decreto nº 2.132, de 3 de novembro de 2008. Há vários registros paroquiais de sepultamento de negros escravizados em suas dependências já no ano de 1810.

Desde 1987 é realizada no Cemitério dos Escravos a cada dia de Finados, a missa Afro – em memória dos sepultados no local. Desta forma, o Cemitério dos Escravos é um território místico, cujo ambiente rural, rico em biodiversidade, proporciona a Comunidade de Fé um espaço propício à transcendência. É também um espaço, cuja história evoca reflexões sobre a dignidade da pessoa humana do povo negro, o trabalho digno e o reino de Deus.

Distante 3 km do Cemitério dos Escravos encontra-se a Comunidade quilombola de Pinhões, que nasceu de negros e negras enviados das sesmarias das Bicas e das Macaúbas (hoje Convento de Macaúbas) para a extrema dos territórios. A comunidade de Nossa Senhora do Rosário de Pinhões, bem como as Guardas de Congado de Nossa Senhora do Rosário e do Divino Espírito Santo são joias do Brasil.

A SEINFRA está ignorando a Convenção n°169 da OIT, da qual o Brasil é signatário desde 2004, que estabelece que todo empreendimento rodoviário a ser construído a até 10 km das comunidades tradicionais precisa adotar um protocolo de consulta prévia, livre e informada. As comunidades quilombolas luzienses, Pinhões e Manzo, localizadas respectivamente distante apenas 3 km e 5 km do traçado do Rodoanel (além de outras comunidades quilombolas da RMBH) não foram consultadas ainda. Eis uma das muitas ilegalidades deste Rodoanel.

Distante apenas 5 km do Cemitério dos Escravos encontra-se o tricentenário Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição de Macaúbas, que junto ao Seminário do Caraça e a Basílica de Nossa Senhora da Piedade, formam os conhecidos “Três Pontos Místicos de Minas Gerais”.

Além de uma preciosidade com reconhecido valor histórico, artístico, cultural e religioso da Arquidiocese de Belo Horizonte, o convento de Macaúbas é um guardião do meio ambiente local, tendo em vista que é sede de um dos Refúgios de Vida Silvestre Estadual (RVS), criado pelo Decreto n° 46316 de 23 de setembro de 2013, com área oficial de 2.281,86 hectares entre os municípios de Santa Luzia e Lagoa Santa. O Refúgio de Macaúba é umas das poucas áreas de proteção ambiental da região e já sofre com a especulação imobiliária irregular ao seu entorno, sobretudo pelo fato de que a sua zona de amortecimento foi ignorada no zoneamento municipal estabelecido nas revisões do Plano Diretor de Santa Luzia (2006 e 2013).

Futuro

O futuro do projeto anti-ecológico, racista e neocolonizador do Rodoanel só depende da continuidade da luta metropolitana que nós, cidades, comunidades e pessoas por ele ameaçados, estamos travando juntos desde 2021. Continuaremos unidos pelo direito a cidade, pela função social da terra e pela sustentabilidade socioambiental, até a vitória!

Fora Rodominério!

Glaucon Durães da Silva Santos é doutorando em Ciências Sociais pela PUC MG, membro do movimento Salve Santa Luzia e do PT Sta. Luzia

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*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal



 

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Edição: Elis Almeida