Como vou negar alguma ajuda para os vários Joãos da Silva? Nós somos o povão. Eu sou mais um deles
O dia estava tinindo. Ele era só alegria e sorriso. Seu Zé da Silva tinha acabado de ganhar uma bufunfa no jogo do bicho com uma milhar na cabeça. A milhar era a data de nascimento da sua finada avó. A família Silva nunca tinha visto tanto dinheiro na vida. Saiu até no maior jornal da cidade: “Seu Zé da Silva ganhou uma bufunfa no jogo do bicho com uma milhar na cabeça. ”
Aí começou sua via-crúcis. Sua casa virou uma espécie de “romaria de padre Cícero” ou “porta da esperança”. Era de dia, de noite, sábado, domingo. Não tinha horário para qualquer pessoa da cidade pedir ajuda. Ele gostava. Nem ligava para os supostos transtornos.
Tinha gente que queria ajuda para comprar remédio. O seu Zé da Silva ajudava. Comprar comida. O Zé da Silva ajudava. Tinha até uns mais verdadeiros e corajosos que pediam para comprar goró.
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O seu Zé da Silva sempre pensava: como vou negar alguma ajuda para os vários Joãos da Silva? Nós somos o povão. Eu sou mais um deles. Morei na rua por muito tempo, agora posso ajudar as pessoas. Esse povo sempre foi explorado pelos grã-finos. Ele pensou: eu vou é ajudar!
Só que sua esposa ficava falando na sua cabeça o dia inteiro:
- Zé, seu dinheiro vai acabar, homi! Prestenção!
Ele nem dava ouvidos. Como diria os antigos: “quebrava o pau na orelha”. Continuou jorrando dinheiro adoidado.
- Você não possui sangue azul. Seu sangue é vermelho. E você já teve anemia, lembra?
Continuou a mulher falando. - Você vai voltar a ficar na miséria desse jeito, Zé.
Ele mais uma vez “quebrou o pau na orelha”. Continuou em seu propósito de ajudar.
Um dia, bem cedo, chega à sua casa um carro do fórum (parecia carro da polícia) da cidade. Seu Zé da Silva ficou ressabiado com aquele carro da lei.
- Bom dia, seu Zé da Silva!
- Bom dia! O que o senhor quer comigo?
- Preciso que o senhor vá agora lá no fórum da cidade.
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- A modo de quê, posso saber?
A esposa dele gritou lá de dentro:
- Eu falei, homi. Deve ser dívida que deixaram para você. Esse povo que vem aqui pedir ajuda. Eu sabia que isso iria acontecer.
Seu Zé da Silva foi trocar de roupa pensando:
- Poxa, morei na rua, labutei a vida toda, ganhei um prêmio no bicho, ajudei o povo a vida inteirinha, agora vou morrer endividado?
Nisso, ele escuta:
- Bora seu Zé Silva, não tenho o dia todo.
Ele entrou naquele carro com uma cara de enterro. Chegando, teve que esperar mais de uma hora até o juiz da cidade atendê-lo.
O juiz fala:
- O senhor que é seu Zé da Silva?
Ele respirou fundo e respondeu:
- Sou eu sim, seu Juiz.
- Pois é, seu Zé da Silva. Tem uma coisa aqui para o senhor.
Ele lembrou da sua esposa na hora. “Minha virgem santa!”, pensou.
Ele pergunta:
- O que é?
- Vou lhe dar para você mesmo ler. Um segundo.
O seu Zé da Silva começa a ler: “Os Silvas somos nós. Lembra que você me falava isso quando me ajudava? Não temos a mínima importância. Trabalhamos a vida toda e morremos sem nenhum valor, lembra?”
Aquilo foi dando calafrios no seu Zé da Silva. Ele pensava:
- Esse desgraçado deixou dívidas para eu pagar?
Ele leu tudinho e, no fim, foi uma surpresa geral:
Ele tinha ganhado novamente uma bufunfa daquelas de herança de outro Silva da Silva.
O juiz olhou para ele e falou:
- Você quer ligar para sua esposa, seu Zé da Silva?
- Não, seu juiz. Porque ela tem pressão alta e sofre do coração. Tenho muito jeito para falar com a Zezé. Pode deixar. Muito obrigado.
Edição: Larissa Costa