São 6 mil famílias no MST nas terras mineiras
Após um trabalho de base de dois anos em conjunto com agentes de pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT), das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e de Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs) autênticos, em Minas Gerais, o MST cravou sua bandeira em um latifúndio pela primeira vez, na madrugada do dia 12 de fevereiro de 1988, noite chuvosa e período de carnaval – a polícia estaria dando segurança aos carnavalescos? -, em meio a muita tensão.
Cerca de 400 famílias ocuparam a fazenda Aruega, que se tornou o Projeto de Assentamento (PA) Aruega, no município de Novo Cruzeiro, no Vale do Jequitinhonha. Atualmente, são cerca de 6 mil famílias no MST nas terras mineiras, sendo que destas, 1,6 mil já foram assentadas em 56 assentamentos conquistados, junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
Felisburgo: atearam fogo no acampamento, nos 65 barracas de lona preta e na plantação
Atualmente, o MST em Minas Gerais está organizado em 15 brigadas constituídas nas nove regionais de Minas (Regional Rio Doce, Regional do Triângulo Mineiro, Regional da Zona da Mata, Regional do Sul de Minas; Regional do Norte de Minas, Região da Região Grande BH, Regional do Vale do Mucuri, Regional do Vale do Jequitinhonha e Regional do Centro-Oeste de Minas), - sem contar a regional do Noroeste de Minas - , totalizando mais de 110 áreas entre Assentamentos e Acampamentos dentro da organicidade do MST/MG.
Massacre de Felisburgo
Se em nível nacional o Massacre de Eldorado dos Carajás pode ser considerado um divisor de águas na luta do MST, em Minas Gerais, o massacre de cinco Sem Terra do MST em Felisburgo banhou a mãe terra com o sangue de seus filhos, mas fez germinar sementes de luta. Temos o dever de manter acesa a memória dos mártires de Felisburgo que tombaram na luta pela terra. Por isso, na celebração dos 34 anos do MST em Minas Gerais é necessário falarmos da luta pela terra e o Massacre de Felisburgo também.
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É impossível compreender a atuação e o fortalecimento do MST no Brasil sem analisar o Massacre de Eldorado e suas repercussões na luta pela terra. Assim também não é possível compreender a luta pela terra em Minas Gerais, a atuação e o fortalecimento do MST em Minas, sem analisar e compreender o Massacre de Felisburgo e suas repercussões na luta pela terra no Vale do Jequitinhonha e em todas as regiões das Minas e dos Gerais.
Dia 20 de novembro de 2004, dia de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra, por volta das 11h15, em um dia chuvoso, 17 jagunços, liderados pelo fazendeiro e empresário Adriano Chafik Luedy, invadiram o Acampamento Terra Prometida, do MST, no município de Felisburgo. Renderam um sem-terra que estava na guarita do acampamento e, com revólver encostado na sua orelha, o obrigaram a soltar um foguete, que era a senha para reunir todo o povo do acampamento em caso de ameaça ou de necessidade de se reunir com rapidez.
O povo começou a se reunir. Adriano Chafik, visto por muitos no local, liderava a operação, perguntando “Cadê a Eni e o Jorge?”, e ordenando “Podem atirar e matar...”. O bando de jagunços – uns encapuzados, outros não – iniciou os disparos. Dentro de poucos minutos assassinaram cinco sem-terra.
Todos os tiros foram à queima-roupa. Feriram mais de 12 pessoas, incendiaram com gasolina dezenas de barracos de lona preta, a barraca da Escola, a barraca de alimentos, a barraca da biblioteca, barracos da Maria Gomes dos Santos (Eni) e do Jorge Rodrigues Pereira. Uma criança de doze anos levou um tiro próximo ao olho. Puseram gado nas lavouras dos sem terra. Muitos trabalhadores do acampamento ficaram, desde então, amedrontados e portadores de alguma doença, física ou mental, como consequência daquele crime.
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Morreram no massacre: Iraguiar Ferreira da Silva, 23 anos; Miguel José dos Santos, 56 anos; Francisco Nascimento Rocha, 62 anos; Juvenal Jorge da Silva, 65 anos; Joaquim José dos Santos, 65 anos. A perícia feita atestou que todos os tiros foram à queima-roupa. Cada um dos camponeses assassinados recebeu diversos tiros, um levou quatro tiros no peito, outro levou treze. Feriram outras vinte pessoas.
Atearam fogo no acampamento, reduzindo a cinzas 65 barracas de lona preta, inclusive a barraca da escola, onde 51 adultos faziam, todas as noites, o curso de alfabetização. O Sr. Miguel José dos Santos, por exemplo, terminaria a 4a série primária em 2005. Pendurado no corpo do Sr. Joaquim José dos Santos, irmão de Miguel, foram encontrados dois embornais, um com milho e outro com feijão. Ele tinha semeado durante a manhã toda. Veio almoçar, participou da reunião da coordenação do acampamento, mas, antes de voltar para continuar plantando, foi barbaramente assassinado.
Sr. Joaquim, um semeador de sementes crioulas, não transgênicas, foi semeado na terra prometida. Os mártires do Acampamento Terra Prometida não foram sepultados, foram plantados.
Escondidas no meio do mato, a polícia encontrou treze armas usadas no massacre de Felisburgo, inclusive armas de grosso calibre. Policiais encontraram uma nota fiscal da compra das armas e mais munição na sede da Fazenda Nova Alegria, que era do fazendeiro Adriano Chafik. O exame de balística comprovou que as armas apreendidas foram utilizadas na chacina. Dos 17 acusados de participação nesse massacre, somente dois jagunços foram presos. Como todas as chacinas do Brasil, o crime foi premeditado e anunciado.
Viva a luta e a resistência
Dia 19 de agosto de 2009, o então presidente da República Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, assinou o Decreto que declarou de interesse social para fins de Reforma Agrária o imóvel rural denominado Fazenda Nova Alegria – 1.182 hectares – situado no Município de Felisburgo, Vale do Jequitinhonha. O INCRA ficou autorizado a repassar o imóvel rural de que trata o Decreto para o assentamento de 40 famílias Sem Terra do MST. Por ironia da história, o motivo do Decreto presidencial não foi o fato de ali terem sido massacrados cinco Sem Terra, mas foi o crime ambiental cometido pelo proprietário do latifúndio que não cumpria sua função social e era também fruto de grilagem de terras públicas devolutas.
Viva a luta, vivam as resistências e as conquistas do MST-MG, nesses 34 anos! “Que a noite escura da dor e da morte passe ligeira, que o som dos nossos hinos anime nossas consciências e que a luta redima nossa pobreza, que o amanhecer nos encontre sorridentes festejando a nossa liberdade”, Ademar Bogo, Terra Sertaneja.
Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos Carmelitas, doutor em Educação pela FAE/UFMG, agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas, e colunista do Brasil de Fato MG.
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*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Dia 12 de fevereiro celebramos também 17 anos do martírio de Irmã Dorothy Stang, assassinada brutalmente, em Anapu, no Pará, dia 12 de fevereiro de 2005.
Edição: Elis Almeida