Minas Gerais

COMUNICAÇÃO PÚBLICA

Artigo | SOS TV Minas

Por tudo o que a emissora pode ser, está passando da hora de todos entrarem na luta em sua defesa

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
O projeto da TV Minas nunca foi efetivamente implementado. Ele previa, por exemplo, que a emissora teria autonomia administrativa e financeira, e orçamento compatível com sua finalidade - Foto: Carlos Alberto | Imprensa MG

O desmonte de que está sendo vítima o programa Agenda, da TV Minas, é apenas a ponta do iceberg: a tentativa de acabar com a única emissora não comercial de Minas Gerais.

Não é a primeira vez que isso é tentado.

Quem conhece um mínimo de televisão sabe que não faz sentido transformar um programa cultural como o Agenda em semanal. Como ele é sucesso – está no ar há 35 anos, sempre elogiado pelo público e pela crítica – qual a lógica para trocar, sem qualquer motivo, a sua atual equipe?

A aparente falta de lógica é uma lógica em si. Como seu mentor Jair Bolsonaro, o governador Romeu Zema não veio para construir. Bolsonaro é mais explícito. Transformou a TV Brasil, de emissora pública em governamental, e deixa nítido o seu interesse em privatizá-la. Isso, sob os olhares complacentes da mídia corporativa brasileira, que sempre acusou, sem razão, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que a criou, de pretender transformá-la em TV do Lula. Agora, que ela efetivamente é a TV do Bolsonaro, reina o silêncio dos cemitérios.

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Zema, além de dar o tom nos noticiários da TV Minas (também conhecido como uso político ou censura), adota uma tática menos visível e mais difícil de ser criticada. O governador está destruindo a emissora a partir de sua grade de programação que, como se sabe, é o seu bem mais valioso.

História

Criada em 1984, pelo então governador Tancredo Neves, que instituiu a Fundação TV Minas Cultural e Educativa, a emissora veio atender a uma antiga reivindicação de artistas, jornalistas, produtores culturais, educadores e intelectuais mineiros. Mesmo sendo o segundo mais importante estado da federação, Minas Gerais foi um dos últimos a contar com uma TV não comercial.

Elaborado pela equipe capitaneada pelo jornalista Guy de Almeida, nos moldes da British Broadcasting Corporation (BBC), considerada a melhor TV do mundo, o projeto da TV Minas contou com o apoio de Tancredo Neves. A ele interessava estar bem com o setor cultural, pois em breve teria início, naqueles idos de 1984, sua campanha rumo ao Palácio do Planalto.

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O projeto da TV Minas nunca foi efetivamente implementado. Ele previa, por exemplo, que a emissora teria autonomia administrativa e financeira, quadro próprio de funcionários, selecionados a maior parte por concurso público, orçamento compatível com sua finalidade e conselho curador independente.

Nenhum dos governadores de Minas cumpriu minimamente o que deles se esperava em relação à TV Minas, mesmo sabendo da importância que a cadeia produtiva da cultura tem para a economia.

Quando dirigi a TV Minas (2003 a 2005), com orçamento minguado e contingenciado a um terço do que havia sido no governo anterior, conseguimos duas grandes vitórias. A primeira foi assinar Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público para regularizar a situação funcional na emissora, com a previsão de concurso público. A segunda foi ampliar a programação própria de apenas 3,5 para 14 horas diárias, com a criação de programas e investimento nos existentes, a exemplo do Agenda e Brasil das Gerais.

É interessante observar que, já naquela época, a mídia corporativa (leia-se TV Alterosa e TV Globo) fazia muita pressão sobre esses dois programas, exatamente por liderarem a audiência da TV Minas, no horário considerado por elas “nobre”, das 18h às 20:30. Ambos eram diários e o Brasil das Gerais tinha uma hora de duração. Reparem que na grade de programação atual, o Agenda virou semanal e foi parar no horário das sextas-feiras às 20:30, com reprise aos sábados, às 12:30.  Qual a lógica para repetir um programa, se há tanta programação cultural para ser divulgada, como é o caso de Belo Horizonte e de Minas Gerais?

Já o Brasil das Gerais, perdeu meia hora e está escondido às 13h, de segunda à sexta. Como esse programa sempre liderou a audiência na TV Minas, qual a lógica de escondê-lo num horário tão pouco atrativo? As emissoras comerciais venceram.

Desmonte

Analisando a grade de programação da TV Minas, constato, com tristeza, que ela regrediu ao pré-2004. Na realidade, o que a TV Minas tem sido obrigada a fazer é retransmitir programação da TV Cultura, de São Paulo, e da TV Brasil, agora TV Bolsonaro, num descumprimento elementar das funções para as quais foi criada.

E o descaso dos diversos governos tem sido tanto, que a emissora perdeu parte de suas retransmissoras em canal aberto e seu sinal não cobre todo o território mineiro. A versão oficial, claro, não é essa. Mas basta sair de Belo Horizonte para verificar como o sinal da TV Minas é fraco ou inexistente.

Esse fato é gravíssimo, quando se sabe que, em tempos de pandemia, a TV Minas poderia liderar o processo de ensino a distância, para muito além das atuais quatro horas diárias. Vale lembrar que a TV Minas possui (ou será que não tem mais?) um segundo canal, que poderia estar 24h dedicado ao ensino, além de uma produtora de vídeos e filmes que, entre outros trabalhos, realizou o excelente Projeto Veredas, voltado à capacitação de professores da rede pública.

Alguém pode argumentar que a imponente sede que a TV Minas ocupa, junto com a Rádio Inconfidência e a Orquestra Sinfônica, em Belo Horizonte, é prova de que os governos tucanos se preocupavam com a cultura. Nada mais equivocado!

Os governos tucanos gostavam de grandes e desnecessárias obras de construção civil.

Foram eles que enrolaram por 10 anos o cumprimento do TAC com o Ministério Público. Mais ainda: criaram a absurda situação de uma fundação de direito público, como a TV Minas, passar a ser gerida por uma Organização Social de Interesse Público (Oscip), no caso a ADTV, criada por inspiração do próprio governo de Minas.

Teria muitos outros exemplos para citar sobre absurdos que TV Minas foi vítima, seja por parte de governantes, seja por parte da mídia comercial. Esse, aliás, é o tema do capítulo oito da minha tese de doutorado, Uma História da TV Pública Brasileira (2013), defendida na Universidade de Brasília (UnB).

Pelo que a TV Minas já foi e principalmente por tudo o que ela pode ser, em termos de cultura, educação e cidadania, está passando da hora de todos os mineiros e mineiras entrarem na luta em sua defesa.

 

 

Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG.

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa