O megaprojeto Rodoanel na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) é um grande retrocesso em todos os aspectos, a começar porque segue na contramão dos acordos climáticos mundiais, onde muitas nações assumiram o compromisso de incentivar soluções tecnológicas limpas e projetos de baixo carbono nas grandes cidades, buscando remodelar a economia global e garantir o direito à cidade sustentável.
Parque Estadual Serra do Rola Moça é o terceiro maior parque em área urbana
Dai vem o atual governador Romeu Zema (do Novo), necropolítico e ecocida do estado de Minas Gerais, em parceria com as mineradoras, requenta e adapta o projeto decrépito do Rodoanel e insiste em emplacar exatamente o oposto da nova ordem mundial: uma rodovia particular para transitar caminhão pesado de minério dilacerando ao meio 13 municípios em plena RMBH, desrespeitando, inclusive, os seus planos diretores.
Tal trajeto pretende passar por cima de mais de dez mil moradias, mutilando e apartando bairros e comunidades, escolas, igrejas, áreas de proteção ambiental, nascentes, áreas verdes, territórios de comunidades quilombolas, da agricultura familiar, sítios históricos, sítios arqueológicos, ocupações urbanas, enfim, um projeto degradador no âmbito socioambiental e cultural.
Em dois anos, empresa terá lucro com o Rodoanel de R$ 2 bilhões
O Rodoanel não será, nem de longe, a solução para os problemas da mobilidade urbana em BH e RMBH da sua população, principalmente a mais carente, por vários motivos. Não se trata de uma rodovia pública, mas privada, e com pedágio mais caro do Brasil, o que poderá induzir à cobrança de outros pedágios no Anel Rodoviário e até em grandes avenidas, o que irá gerar a piora do trânsito e da acessibilidade em BH e RMBH.
Estima-se que apenas nos dois primeiros anos de funcionamento do Rodoanel a empresa concessionária lucrará mais de R$2 bilhões.
A solução para os problemas de mobilidade em BH e RMBH passa por três propostas principais imprescindíveis: 1) ampliar o metrô de Belo Horizonte para várias cidades da região metropolitana; 2) resgatar o transporte de passageiros por meio de trens das 34 cidades da RMBH para BH, existente décadas atrás; 3) melhorar o transporte público por ônibus.
Serra do Rola Moça
Não é a toa que o território que abrange a Serra do Rola Moça se tornou uma unidade de conservação em nível estadual, o Parque Estadual Serra do Rola Moça, criado em 1994. O terceiro maior parque em área urbana do país, possuidor de grande biodiversidade que abrange os municípios Belo Horizonte, Ibirité, Nova Lima e Brumadinho na RMBH, que guarda em seu subterrâneo parte do importante Aquífero Cauê.
Todavia, o lado oeste da Serra do Rola Moça vem sendo indicado pelo governo de MG e parceiros como localidade viável para passar o traçado “alternativo” do megaprojeto devastador do denominado Rodoanel. A alegação é que teria “menores danos” sobre o patrimônio natural e cultural. Ledo engano. A serra deveria ser tratada de forma integral, obviamente.
Toda grande rodovia próxima às cidades induz aglomeração urbana nas suas margens
Cairemos no mesmíssimo erro cometido decênios atrás com relação à Serra do Curral, quando se permitiu sacrificar um lado da serra em detrimento do outro? Vão continuar nesta mesma toada “Ecocapitalista” e “passando a boiada” em Minas Gerais também?
É mais que certo que toda a Serra do Rola Moça é um monumento paisagístico, natural e cultural magnífico. Do seu lado oeste, incluindo a sua Zona de Amortecimento (ZA) composta também por Mata Atlântica, Cerrado e Campos Rupestres Ferruginosos, com inúmeras cavernas, correm as águas puras dos quatro mananciais Taboões, Rola Moça, Bálsamo e Barreirinho, por isto, cruciais para o abastecimento hídrico da RMBH, motivo destas localidades também serem protegidas e monitoradas pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (COPASA), em Ibirité e Belo Horizonte.
Cinturão verde
Parte das águas que emanam nesta região é ainda fonte hídrica para milhares de famílias da agricultura familiar que constitui um cinturão verde, que abarca territórios contíguos que possuem fortes conectividades ao longo de todo o sopé da Serra do Rola Moça. Isto significa se tratar de uma zona verde de produção de alimentos da agricultura familiar tradicional, que deveria ser compreendida também em sua dimensão agroecológica e sociocultural. Esta produção vai para a mesa dos habitantes da RMBH, que tanto necessita de alimentos saudáveis.
Quando se considera plausível o traçado do famigerado Rodoanel ladear e destruir áreas verdes e de produção da agricultura familiar revela-se o desconhecimento total da complexidade destes territórios e das suas histórias, desrespeitando ainda o direito da natureza, das comunidades tradicionais e do bem viver do restante da população periurbana e urbana que ali habitam e que protegem as matas e as suas drenagens adjacentes, comprometendo de forma severa o equilíbrio de toda a Serra do Rola Moça e dos seus viventes.
Rodoanel: mineração, especulação imobiliária e conurbação urbana
Os avanços da mineração na serra do Rola Moça e região vêm causando há tempos precariedade ambiental para a histórica agricultura familiar na região, por isso, reitera-se que as normas e acordos patrimoniais, ambientais e climáticos internacionais[1] e nacionais[2] sejam devidamente respeitados e cumpridos pelo Poder Público. Os direitos dos milhares de agricultores e das agricultoras da RMBH estão associados à manutenção do meio ambiente ecologicamente sustentável, previsto no artigo 225 da Constituição Federal de 1988, na medida em que é fundamental para o exercício de sua atividade a preservação de toda a biodiversidade, da água, do solo e do ar.
Alguém acredita mesmo que se implantado o rodoanel nesta porção da Serra do Rola Moça este não vá gerar especulação imobiliária, conurbação urbana, obras de postos de gasolina, poluição do ar, expansão da mineração, destruição de áreas de conservação lindeiras?
Rodoanel será hidrocida, e levará BH e RMBH a grave crise hídrica
E se houver “acidentes” com estes caminhões pesados, e suas cargas contaminarem as águas desta região?
Por isto, faz-se fundamental incentivar e garantir a promoção da soberania e da segurança alimentar e nutricional de toda a população incentivando as atividades da agricultura familiar, da agroecologia, recuperação de nascentes e a produção de alimentos de qualidade, sem agrotóxicos. Barrando grandes empreendimentos, como rodovias que desterritorializam o campesinato, os agricultores familiares, as comunidades tradicionais e moradores em geral.
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Toda grande rodovia próxima às cidades induz aglomeração urbana nas suas margens. Ao lado do Anel Rodoviário em Belo Horizonte já se instalaram mais de sete mil famílias em 39 ocupações. Logo, o Rodoanel induzirá assentamentos com milhares de famílias, o que sacrificará a zona rural na RMBH já encurralada pela especulação imobiliária, que gera, como exposto, a segregação socioespacial e urbana.
Respeitar e valorizar o território
É preciso respeitar e valorizar o imenso território e repertório biocultural remanescente das comunidades tradicionais e dos seus nativos, associados às práticas agrícolas, alimentares, relações de vizinhança em seus diversos espaços - terreiro, horta, roça, quintal e demais ambientes, muitos deles, já confrontantes com zonas urbanas, como ocorre em Ibirité, Sarzedo e na região do Barreiro, em Belo Horizonte.
O Rodoanel será hidrocida, porque levará BH e RMBH da grave crise hídrica, um verdadeiro colapso hídrico, pois irá rasgar brutalmente muitos mananciais e áreas de proteção ambiental, como a porção oeste da belíssima Serra do Rola Moça e a APA[3] Lajinha, em Ribeirão das Neves.
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A diversidade e a complexidade das comunidades e das famílias de camponeses e de camponesas na Serra do Rola Moça são enormes, tanto quanto a sua secular resistência cultural, frente a todas as adversidades, preconceitos e ameaças ambientais e territoriais que têm sofrido na RMBH.
Alenice Baeta ([email protected]) é doutora em Arqueologia pelo MAE/USP, com pós-doutorado em Antropologia e Arqueologia-pela FAFICH/UFMG, historiadora e integrante do CEDEFES, do Movimento Serra Sempre Viva e do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios-ICOMOS/Brasil
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*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
1) Convenção sobre a Diversidade Biológica ou da Biodiversidade – CDB/ONU de 1992; CARTA DA TERRA/ONU em 2000; Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e Agricultura (TIRFAA), ratificado no Brasil em 2002; Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho-OIT de 1989, ratificada no Brasil em 2004; Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial adotada em Paris/UNESCO de 2006; Acordo Climático de Paris de 2015; Declaração sobre Direitos de Camponeses e Camponesas-Via Campesina/ONU, 2018
2) Lei da Agricultura Familiar (Lei 11326/2006); Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais-PNPCT de 2007.
3) Área de Proteção Ambiental criada em 2006, composta por nascentes de água, corredeiras, áreas verdes e animais nativos, sendo também frequentemente usada para contemplação, caminhadas ecológicas e inúmeras práticas esportivas da sua população.
Edição: Elis Almeida