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Rosa Luxemburgo, o socialismo e as igrejas

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"Rosa Luxemburgo compreende o proletariado socialista em luta revolucionária como um movimento que aproxima o Evangelho de Jesus Cristo da fraternidade social " - Foto: Rosalux/Diese Berlin
Pais fundadores da Igreja Católica fustigavam os ricos

A filósofa Rosa Luxemburgo (1871 a 1919) analisou e denunciou a postura da Igreja na sociedade. No ensaio O socialismo e as igrejas, de 1905, Rosa Luxemburgo defende que os socialistas modernos são mais próximos dos princípios originais do cristianismo que o clero conservador da atualidade.

“Desde que os socialistas lutam por uma ordem social de igualdade, liberdade e fraternidade, os padres, se honestamente quisessem implementar na vida da humanidade o princípio cristão “ama ao próximo como a ti”, deveriam dar as boas-vindas ao movimento socialista. [...] Quando o clero apoia o rico, e aqueles que exploram e oprimem o pobre, estão em contradição explícita com os ensinamentos cristãos: servem não a Cristo, mas sim ao Bezerro de Ouro e ao chicote que açoita os pobres e indefesos”, afirma a pensadora e dirigente socialista alemã.

Igreja se caracterizava por atuar sustentando o poder opressor

Para ela, “a flagrante contradição entre as ações do clero e os ensinamentos do cristianismo deve ser matéria de reflexão para todos nós. Os cristãos dos primeiros séculos eram comunistas fervorosos. Mas era um comunismo baseado no consumo de bens acabados e não no trabalho, e demonstrou-se incapaz de reformar a sociedade, de pôr fim à desigualdade entre os homens e de derrubar as barreiras que separavam os pobres dos ricos”.

Rosa Luxemburgo combate, no entanto, uma certa ingenuidade cristã. "O que exigimos não é que os ricos dividam com os pobres, mas que não haja ricos e pobres. Os primeiros cristãos acreditavam poder remediar a pobreza do proletariado com as riquezas dispensadas pelos possuidores. É o mesmo que pegar água com um coador”.

 Ao fazer uma retrospectiva histórica do cristianismo e da igreja, Rosa Luxemburgo reconhece que as primeiras comunidades cristãs, originárias basicamente do seio dos escravos, cultivavam significativa fidelidade ao projeto do evangelho de Jesus de Nazaré.

E também na época dos pais fundadores da Igreja Católica, denunciando as injustiças sociais, “os Pais da Igreja prosseguira, no entanto, a luta contra esta penetração da desigualdade social no seio da comunidade cristã, fustigando aos ricos com palavras ardentes e exortando-os a voltarem ao comunismo dos primeiros Apóstolos”, resgata Luxemburgo.

Rosa Luxemburgo fez questão de citar alguns dos Pais da igreja - Basílio, João Crisóstomo e Gregório Magno - como mentores de uma espécie de comunismo dos primeiros cristãos.

São Basílio, no Século IV depois de Cristo, predicava assim contra os ricos: "Vós me perguntais: ‘Qual é a nossa culpa, se só guardamos o que nos pertence?’ E vos pergunto: ‘Como conseguistes o que chamais vossa propriedade? Como se enriquecem os possuidores se não é tomando posse das coisas que pertencem a todos? Se cada um tomasse apenas o que necessitasse e deixasse o resto para os demais, não haveria ricos nem pobres".

Na mesma linha proclamava também João Crisóstomo, patriarca de Constantinopla. No século VI, Gregório Magno exortava as comunidades cristãs: “Quando dividimos com os que sofrem, não lhes damos o que nos pertence, mas o que lhes pertence. Não é um ato de compaixão, mas o pagamento de uma dívida”.

Entretanto, constata Rosa Luxemburgo que “as condições econômicas resultaram mais poderosas do que os mais belos discursos. Na Idade Média, enquanto a servidão reduzia o povo trabalhador à pobreza, a Igreja enriquecia-se cada vez mais”, cobrando dízimo obrigatório no valor de 10% sobre a renda e sobre as propriedades de quem possuía.

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Além disso, outros impostos e inúmeras doações e testamentos eram recebidos pela igreja. As doações para a igreja provinham de “libertinos ricos de ambos os sexos que à beira da morte queriam pagar por sua vida pecaminosa. Entregavam à Igreja dinheiro, casas, aldeias inteiras com os seus servos e a renda de terra e os impostos em trabalho (corveia)”.

Para Rosa Luxemburgo, ao longo da história e no início do século XX a Igreja se caracterizava por atuar sustentando o poder opressor e beneficiando-se dele.

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“Quando o proletariado do campo e da cidade se levantava contra a opressão e a servidão, encontrava no clero um inimigo feroz. É certo que no seio da Igreja existiam duas classes: o clero superior, que absorvia toda a riqueza, e a grande massa de padres rurais com modestos recursos. Essa classe sem privilégios se insurgia contra o clero superior, e, em 1789, durante a Grande Revolução, uniu-se ao povo para lutar contra o poder da nobreza secular e eclesiástica. O socialismo não é a generosidade dos ricos para com os pobres, mas a abolição total da diferença entre ricos e pobres, obrigando todos/as a trabalhar segundo sua capacidade mediante a abolição da exploração do homem pelo homem”.

Estabelecer na terra o Reino da liberdade

Dessa forma, Rosa Luxemburgo compreende o proletariado socialista em luta revolucionária como um movimento que aproxima o Evangelho de Jesus Cristo da fraternidade social e defende a igualdade substantiva de todos a partir dos/as injustiçados/as, e chama as pessoas a estabelecerem na terra o Reino da liberdade e do amor ao próximo.

Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos Carmelitas, doutor em Educação pela FAE/UFMG, agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas, e colunista do Brasil de Fato MG.

 

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida